Mestre em Direito Canônico detalha ações da Igreja diante dos casos de abuso sexual contra menores

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22 de fevereiro de 2019

Idealizado pelo Papa Francisco, acontece nesta semana, entre os dias 21 e 24, o encontro “A proteção de menores da Igreja”, que busca conhecer a realidade das vítimas de abuso sexual cometidos por clérigos, alinhar protocolos de ação, com agilidade, responsabilidade e transparência.

O evento é inédito, mas a preocupação da Igreja com o tema é de longa data, como detalha em entrevista ao O SÃO PAULO o professor universitário Ricardo Gaiotti, mestre em Teoria Geral do Direito e em Direito Canônico.

Gaiotti, que também é colaborador no Tribunal Eclesiástico de Aparecida (SP), explica sobre os protocolos de ação das autoridades eclesiásticas diante das denúncias ou comprovação dos casos, bem como as punições canônicas mais comuns, como a proibição de residir em determinado lugar, privações de poder e de ofício, transferência penal para outro ofício e até demissão do estado clerical. A seguir, leia a íntegra da entrevista.

O SÃO PAULO – Historicamente, como tem sido a atuação da Igreja diante dos casos de abusos de menores por parte dos clérigos?

Ricardo Gaiotti - Considero que, diversas medidas “públicas” foram e estão sendo tomadas por parte das autoridades da Igreja. Observa-se por exemplo, que no site do Vaticano – Santa Sé – há um espaço dedicado aos problemas referentes ao abuso de menor, com o nome Abuso de menores. A resposta da Igreja. Neste local, encontram-se os documentos, discursos, homilias, iniciativas, etc. referentes ao tema.

Outra iniciativa tomada pelo Papa Francisco foi a criação, em 2014, da Comissão Pontifícia para a Proteção dos Menores. Entre os objetivos de tal comissão se destacam a ajuda às conferências episcopais e religiosas no desenvolvimento e implementação de políticas, procedimentos e programas efetivos para a proteção de menores e adultos vulneráveis, isto é, vias mais adequadas para a proteção dos mesmos, realizando tudo o que for possível para assegurar que tais delitos não se repitam na Igreja. Além disso, encontra-se disponível no site da Comissão Pontifícia para a Proteção dos Menores, todo o itinerário das principais atividades promovidas pela Igreja Católica em defesa dos vulneráveis, sobretudo, documentos, discursos, orientações, e iniciativas promovidas desde de 2001, por São João Paulo II até o presente momento. 

Quanto à Igreja no Brasil, não foi diferente. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) publicou um documento intitulado “Orientações e Procedimentos Relativos às Acusações de Abuso Sexual Contra Menores”, além da “Nota da Presidência da CNBB sobre o compromisso no combate aos crimes de abusos sexuais cometidos por membros do clero”.

 

Como efetivamente as autoridades eclesiásticas têm colaborado com a esfera de penalização criminal quando se comprova que um membro da Igreja praticou abuso de menores?

Há uma Carta Circular, divulgada pela Congregação para a Doutrina da Fé, em vista a oferecer ajudar às conferências episcopais na preparação de diretrizes no tratamento dos casos de abuso sexual contra menores por parte de clérigos, que destaca a necessidade da colaboração entre as autoridades canônicas e civis, tendo em vista que o abuso sexual de menores não é só um delito canônico, mas também um crime perseguido pela autoridade civil.

Neste sentido, os bispos devem assegurar todo esforço no tratamento dos casos de eventuais abusos que porventura lhes sejam denunciados de acordo com a disciplina canônica e civil, no respeito dos direitos de todas as partes, mas esta colaboração não se refere só aos casos de abuso cometidos por clérigos, mas diz respeito também aos casos de abuso que implicam o pessoal religioso ou leigo que trabalha nas estruturas eclesiásticas.

Não menos importante é destacar que a Igreja Católica – Santa Sé  – é signatária da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989. Este instrumento, deixa claro que os Estados partes adotarão todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela. Além disso, eles comprometeram-se a proteger a criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual e adotarem medidas apropriadas para estimular a recuperação física e psicológica e a reintegração social de toda criança vítima de abuso.

 

Quais as penas canônicas aplicadas na maioria dos casos?

Diversas são as penas canônicas que podem ser impostas àqueles que cometem os delitos mais graves contra os costumes, tais como delito contra o sexto mandamento do Decálogo cometido por um clérigo com um menor de 18 anos; neste número, é equiparada ao menor a pessoa que habitualmente tem um uso imperfeito da razão; e a aquisição ou a detenção ou a divulgação, para fins de libidinagem, de imagens pornográficas de menores com idade inferior aos 14 anos por parte de um clérigo, de qualquer modo e com qualquer instrumento. Assim, o clérigo que pratica os delitos descrito anteriormente será punido segundo a gravidade do crime, não excluída a demissão ou a deposição.

Outras penas podem ser aplicadas, tais como:

1.° Proibição ou preceito de residir em determinado lugar ou território;

2.° Privação do poder, ofício, cargo, direito, privilégio, faculdade, graça, título, insígnias, mesmo meramente honoríficas;

3.° Proibição de exercer as coisas referidas no referido item 2o ou a proibição de as exercer em certo lugar ou fora de certo lugar. Tais proibições nunca são sob pena de nulidade;

4.° Transferência penal para outro ofício;

5.° Demissão do estado clerical. (cf. Cân. 1336; 1395 § 2).

 

A ação criminal no âmbito canônico relativa aos delitos analisados pela Congregação para a Doutrina da Fé pode prescrever?

Houve a alteração da prescrição ao longo da história. A título exemplificativo, o Código de Direito Canônico, promulgado pelo Papa João Paulo II em 1983 afirma no cân. 1395, §2: “O clérigo que tenha cometido outros delitos contra o sexto preceito do Decálogo, se o delito foi feito com violência, ou ameaças, ou publicamente, ou com um menor com menos de 16 anos, seja punido com penas justas, não excluída a demissão do estado clerical, se a situação o exigir”.

Porém, em 1994, a Santa Sé concedeu um indulto aos bispos dos Estados Unidos, assim, a idade para definir o delito canônico de abuso sexual de um menor foi elevada de 16 anos para 18 anos. Além disso, o tempo para a prescrição foi alargado a um período de dez anos calculado a partir do 18º ano de idade da vítima. O indulto de 1994 para os Estados Unidos foi alargado à Irlanda em 1996. Por fim, o Papa João Paulo II decidiu incluir o abuso sexual de um menor de 18 anos cometido por um clérigo no novo elenco dos delitos canônicos reservados à Congregação para a Doutrina da Fé. Sendo que, a prescrição para estes casos foi estabelecida em dez anos a partir de quando for completado o 18º ano de idade da vítima. Assim em 30 de Abril de 2001, foi promulgada um motu proprio com o título Sacramentorum sanctitatis tutela, documento que previa as normas sobre os delitos mais graves e competência da Congregação para a Doutrina da Fé.

Contudo, em 21 de maio de 2010, foi aprovado um novo texto a respeito das Normas sobre os delicta graviora. Este documento, equiparou ao menor, pessoa que habitualmente tem um uso imperfeito da razão. Além disso, considerou como crime a aquisição ou a detenção ou a divulgação, para fins de libidinagem, de imagens pornográficas de menores com idade inferior aos 14 anos por parte de um clérigo, de qualquer modo e com qualquer instrumento.

Quanto à prescrição e decadência, a ação criminal relativa ao delito contra o sexto mandamento do Decálogo cometido por um clérigo com um menor de 18 anos; extingue-se por prescrição em 20 anos, começando a decorrer a partir do dia em que o menor completou 18 anos de idade.

 

A partir de qual momento da investigação o clérigo pode ser afastado do ofício? Se comprovado que é inocente, que providências ele pode tomar?

A investigação prévia, entre outras coisas, visa garantir a boa fama. Essa por sinal é uma garantia canônica: “Ninguém tem o direito de lesar ilegitimamente a boa fama de que outrem goza, nem de violar o direito de cada pessoa a defender a própria intimidade. (cf. Cân. 220). Além disso, afirma o Código de Direito Canônico: “Quem apresentar ao Superior eclesiástico outra denúncia caluniosa de delito, ou por outra forma lesar a boa fama alheia, pode ser punido com pena justa, sem excluir uma censura. O caluniador pode ainda ser compelido a dar a satisfação conveniente. (cf. Cân. 1390 §2 e §3). Por fim, nada impede que o caluniado injustamente busque a reparação do dano sofrido junto a justiça civil.

 

Quais são os procedimentos que um bispo é orientado a adotar ao ter ciência de uma denúncia de abuso que envolva um clérigo?

Desde do momento da suspeita que um clérigo tenha cometido um abuso, o bispo pode impor medidas preventivas para a salvaguarda da comunidade, incluídas as vítimas. Na realidade, é sempre conferido ao bispo local o poder de tutelar as crianças limitando as atividades de qualquer sacerdote na sua diocese. Isso faz parte da sua autoridade ordinária, que ele é solicitado a exercer em qualquer medida necessária para garantir que as crianças não sofram danos, e este poder pode ser exercido à discrição do bispo antes, durante e depois de qualquer procedimento canônico.

É preciso destacar que o bispo, quando há suspeita de abuso de menores ou adultos vulneráveis, não somente deve agir, como tem a obrigação canônica, fato que ficou claro no documento do Papa Francisco publicado em 04 de junho de 2016, em forma de motu próprio “Como uma Mãe amorosa”. Este documento apresenta uma diretriz concreta, para a possibilidade da perda do ofício por parte de bispos e outras autoridades canônicas, quando os mesmos forem negligentes principalmente com os casos de abusos sexuais cometidos contra menores ou adultos vulneráveis.

Assim, entre as causas graves que podem ser objeto da perda do ofício eclesiástico já presentes no Código de Direito Canônico, o Papa Francisco determinou que, entre as mencionadas “causas graves” fosse incluída a negligência dos Bispos no exercício do seu ofício, concretamente as que se referem aos casos de abusos sexuais cometidos sobre menores e adultos vulneráveis, previstos pelo Sacramentorum sanctitatis tutelaCom efeito, a partir de tal documento, as autoridades religiosas citadas no documento podem ser legitimamente removidas do seu ofício, se tiver, por negligência, agido ou omitido atos que tenham provocado um grave dano a outros, seja que se tratem de pessoas físicas, seja que se trate de uma comunidade no seu conjunto. Quando se tratar de abusos sobre menores ou adultos vulneráveis, basta apenas que a falta de diligência seja grave.

Outro detalhe importante é quando se falava em perda do ofício eclesiástico por causas graves, atribuiu a interpretação do mesmo ao sujeito autor do ato, nestes casos as autoridades religiosas, que tivessem conhecimento posterior de tal dano, e não tivesse aberto a investigação prévia diante de uma denúncia verossímil, não era considerado sujeito passível de sofrer uma pena canônica em razão da causa grave.

Agora, porém, aquele que tem conhecimento do ato gerador da causa grave, como um abuso de menor, tem o dever e obrigação de agir, por meio dos instrumentos canônicos e civis/penais, correndo o risco de perder seu ofício eclesiástico em virtude da omissão, sem excluir possíveis sanções civis/penais em razão da sua omissão.

Todas as vezes que o bispo, por exemplo, recebe a notícia, pelo menos verosímil, de um delito mais grave, realizada a averiguação prévia, a dê a conhecer à Congregação para a Doutrina da Fé, a qual, se não avoca para si a causa por circunstâncias particulares, ordena ao Ordinário ou ao Hierarca que proceda ulteriormente, ficando estabelecido contudo, se necessário, o direito de apelo contra a sentença de primeiro grau apenas ao Supremo Tribunal da mesma Congregação.

A qualquer momento para evitar escândalos, defender a liberdade das testemunhas e garantir o curso da justiça, o bispo pode afastar o acusado do ministério sagrado ou de qualquer ofício ou cargo eclesiástico. (cf. Cân. 1722)

 

O Direito Canônico prevê punições a quem faça alguma denúncia falsa de abuso sexual contra menores?

Sim. Prevê o  Cân. 1390 — § 2. Quem apresentar ao Superior eclesiástico outra denúncia caluniosa de delito, ou por outra forma lesar a boa fama alheia, pode ser punido com pena justa, sem excluir uma censura. § 3. O caluniador pode ainda ser compelido a dar a satisfação conveniente.

A formulação do cânon em abstrato, sem mencionar o fiel, indica que foram repetidos no foro eclesiástico dois direitos humanos fundamentais que não derivam do batismo, mas do direito natural. Contudo, devemos acrescentar que, também, os batizados têm o específico dever evangélico de amor e estima recíproca. É preciso considerar, ainda, que estes direitos comuns a todos os homens, na comunidade cristã, assumem conotações específicas e incisivas que devem ser tuteladas, pois é mais grave perder a boa fama na família natural ou no meio dos amigos, do que perdê-la em um lugar distante (um brasileiro na Índia, por exemplo). É mais arriscado e problemático perder a intimidade onde existem relações de familiaridade e amizade do que em qualquer outro lugar.

O direito à boa fama e à intimidade aparece no Catecismo da Igreja Católica (CIC) subentendido, pois seria uma imperfeição técnica considerar como próprio do fiel o que, na verdade, são dois direitos humanos fundamentais.

Em relação ao conteúdo da boa fama, trata-se do bom nome, da dignidade e do decoro pessoais, da consideração social que os outros possuem em relação à pessoa, considerando as suas qualidades físicas, morais, culturais, religiosas, artísticas etc. Em linguagem moderna se diria imagem. Evidentemente que o direito garante a proteção da imagem positiva e não da negativa. A calúnia, a injúria e a difamação são os modos mais concretos de lesar este direito. Além dos delitos canônicos, o autor de uma denúncia falsa, pode ser tipificado em alguns crimes, principalmente o de injúria e difamação, que são chamados Crimes contra a Honra.

 

O Direito Canônico apresenta alguma orientação no sentido de auxiliar o bispo a discernir se ele está diante de uma denúncia verídica ou falsa?

O primeiro ponto é observar se a denúncia é verossímil, considerando que sim, ele utiliza da investigação prévia, que justamente a ferramenta canônica para a avaliação se de fato há materialidade em tal denúncia. Na investigação previa não impede que um bispo seja auxiliado por profissionais especializados, inclusive das autoridades civis. 

 

Uma vez confirmada a denúncia, há diferentes graus de penalização conforme a idade do menor que foi abusado?

Na formação de seu juízo, o Juiz pode utilizar de critérios semelhantes ao agravantes e atenuantes conhecido pelo Direito Penal, contudo, tratando de menor ou adulto vulnerável a pena é a mesma do ponto de vista canônico.

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Papa Francisco: escutemos o grito dos pequenos que pedem justiça

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21 de fevereiro de 2019

No início da manhã desta quinta-feira (21), o Papa Francisco introduziu os trabalhos do primeiro dia do encontro inédito sobre a proteção dos menores dentro da Igreja. A conferência reúne, pela primeira vez, os presidentes das Conferências Episcopais de todo o mundo no Vaticano para abordar o tema.

O Papa começou o encontro afirmando do seu forte desejo de responsabilidade em interpelar Patriarcas, Cardeais, Arcebispos, Bispos, Superiores Religiosos e Responsáveis “diante da chaga dos abusos sexuais perpetrados por homens da Igreja em detrimento dos menores”. Todos juntos e “com a docilidade” da condução do Espírito Santo, “escutemos o grito dos pequenos que pedem justiça”.

“ O santo Povo de Deus nos vê e espera de nós não simples e evidentes condenações, mas medidas concretas e eficazes a serem realizadas. ”

Responsabilidade pastoral e eclesial

O Pontífice pediu que o encontro tivesse a incumbência do “peso da responsabilidade pastoral e eclesial que nos obriga a discutir juntos, de maneira sinodal, sincera e aprofundada sobre como enfrentar esse mal que aflige a Igreja e a humanidade. O santo Povo de Deus nos vê e espera de nós não simples e evidentes condenações, mas medidas concretas e eficazes a serem realizadas. São necessárias medidas concretas”, acrescentou Francisco.

O Papa enalteceu, então, que o percurso de todos através desse encontro, no Vaticano, começa “armados da fé e do espírito de máxima parresia, de coragem e concretude”.

Como subsídio, disse Francisco, “me permito compartilhar com vocês alguns importantes critérios, formulados pelas diversas Comissões e Conferências Episcopais que chegaram até nós. São orientações para ajudar a nossa reflexão que serão entregues a vocês. São um simples ponto de partida que veio de vocês e volta para vocês”.

Transformar o mal em consciência e purificação

O Papa Francisco, então, agradeceu a Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, a Congregação para a Doutrina da Fé e os membros da Comissão Organizadora pelo “excelente trabalho desenvolvido com grande empenho em preparar este encontro”. E o Pontífice finalizou:

“ Peço ao Espírito Santo de nos sustentar nestes dias e de nos ajudar a transformar esse mal em uma oportunidade de consciência e de purificação. A Virgem Maria nos ilumine para buscar curar as graves feridas que o escândalo da pedofilia causou seja nos pequenos que nos crentes. ”

Ouvir as vozes das vítimas

Os trabalhos do encontro iniciaram com uma oração, durante a qual alguns testemunhos de vítimas foram compartilhados – de quem não pôde falar ou foi silenciado. Os presentes na conferência elevaram as próprias orações para que cada um pudesse ouvir aqueles que “foram violados e feridos, maltratados e abusados”, reconhecendo “as feridas do povo para que seja feita justiça”.

“Não consentir que os nossos fracassos”, foi a oração ao Senhor, “façam os homens perderem a fé em ti e no teu Evangelho”. Um longo e denso silêncio seguiu a uma das experiências que foram lidas:

“Ninguém me escutava; nem os meus pais, nem os meus amigos, nem depois as autoridades eclesiásticas. Não me escutavam e nem mesmo o meu choro. E eu me questiono: por quê? E me questiono por que Deus não me escutou?”

 

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Papa Francisco: "Na oração cristã não há espaço para o eu"

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13 de fevereiro de 2019

Na catequese pronunciada esta quarta-feira (13/02), o Papa propôs uma reflexão sobre o ‘Pai Nosso’, explicando como rezar melhor a oração que Jesus nos ensinou.
A Sala Paulo VI, dentro do Estado do Vaticano, ficou repleta de fiéis, romanos e turistas que receberam o Papa com o carinho de sempre, cantos e aplausos e em seguida, ouviram suas palavras com atenção.

Introspecção do diálogo com Jesus

Para rezar - iniciou o Papa - são necessários silêncio e introspecção.

“A verdadeira oração se realiza no segredo na consciência, do fundo do coração: com Deus é impossível fingir, é como o olhar de duas pessoas, o homem e Deus, quando se cruzam”. Mas apesar disso, Jesus não nos ensina uma oração intimista ou individualista. Não deixamos o mundo fora da porta do nosso quarto... levamos as pessoas e situações em nosso coração!

“ Na oração do Pai Nosso, há uma palavra que brilha pela sua ausência: uma palavra que em nossos tempos – como talvez sempre – todos consideram importante: a palavra ‘eu'. ”

Primeiramente nos dirigimos a Deus como a Alguém que nos ama e escuta (seja santificado o vosso nome, venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade) e, depois, quando lhe apresentamos uma série de petições (dai-nos hoje o nosso pão cotidiano, perdoai as nossas ofensas, não nos deixeis cair em tentação, livrai-nos do mal), as fazemos na primeira pessoa do plural – “nós” – isto é, rezamos como uma comunidade de irmãos e irmãs.

“Até as necessidades mais elementares do homem – como ter alimento para saciar sua fome – são todas feitas no plural. Na oração cristã, ninguém pede o pão para si, mas o suplica para todos os pobres do mundo”, disse Francisco.

Pedir a Jesus que nos faça ter compaixão

Na oração, o cristão leva todas as dificuldades e sofrimentos de quem está ao seu lado, tanto dos amigos como de quem lhe faz mal, imitando a compaixão que Jesus sentia pelos pecadores.
Mas pode acontecer – ressalvou o Papa – que alguém não perceba o sofrimento a seu redor, não sinta pena pelas lágrimas dos pobres, fique indiferente a tudo. Isto significa que seu coração está petrificado. Neste caso, seria bom pedir ao Senhor que o toque com o seu Espírito e sensibilize seu coração.

“ Cristo não ficou alheio às misérias do mundo. Toda vez que percebia uma solidão, uma ferida no corpo ou no espírito, sentia forte compaixão. ”

Às 7 mil pessoas presentes, o Papa perguntou: “Quando rezamos, nos abrimos ao grito de tanta gente, próxima ou distante? Ou penso na oração como uma espécie de anestesia, para ficar mais tranquilo? Isto seria um terrível equivoco”.

A oração deve abrir o coração ao próximo para que amemos com um amor compassivo e concreto, sabendo que tudo aquilo que fizermos “a um destes meus irmãos mais pequeninos, -afirma Jesus - foi a mim mesmo que o fizestes”

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Imprensa destaca migrantes, violência e direitos humanos na viagem ao Panamá

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31 de janeiro de 2019

Alguns grandes temas marcaram a cobertura internacional da visita do Papa ao Panamá para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), em especial as mais diversas manifestações de violência contra os jovens, mas também a defesa da vida e dos direitos humanos. Houve significativa ênfase à visita de Francisco a uma centro de reclusão de menores, à crise na Venezuela e à expectativa para o encontro de bispos convocado para fevereiro, no Vaticano, para debater o problema dos abusos na Igreja.

 

APRISIONAMENTO E RECONCILIAÇÃO

Um dos momentos considerados mais comoventes foi a visita do Papa a um cárcere de menores, na sexta-feira, 25. “Papa rejeita marginalização com visita a prisão no Panamá”, anuncia manchete da agência France Presse. O texto registra a denúncia do Papa a “muros invisíveis” que separam os “pecadores” do resto da população.

“O Pontífice argentino de 82 anos se afastou do clamor da juventude católica global reunida na Cidade do Panamá para fazer uma viagem de 40 km até a penitenciária de concreto fora da capital”, diz a reportagem. O Papa ouviu a confissão de alguns jovens presos e um deles disse: “Não há palavras para descrever a liberdade deste momento”, relata a AFP.

Também a Catholic News Agency deu destaque às confissões. “Ele disse aos reclusos que ‘vocês são um propósito maior’, e que há alegria no céu quando um pecador se arrepende”, relata Courtney Grogan

Também falando sobre a misericórdia divina, muitos jornalistas notaram a fala do Papa sobre o aborto, durante o voo de retorno a Roma. No próprio Vatican News, site do Vaticano, o diretor Andrea Tornielli comenta a fala do Papa, que condena o aborto, mas também procura dizer às pessoas envolvidas que Deus as acompanha no sofrimento.

“Para entender o drama do aborto, é preciso estar no confessionário e ajudar as mulheres a se reconciliarem com o filho não nascido”, escreve o vaticanista italiano.

 

FEVEREIRO

Também durante o voo papal, Francisco alertou os jornalistas para que “desinflem as expectativas” para o encontro de fevereiro. Ele convocou presidentes de conferências episcopais e representantes da Igreja em todo o mundo para refletir sobre o problema dos abusos sexuais e de poder praticados por membros do clero.

Conforme relatou Inés San Martin no site Crux, o Papa explicou à imprensa que a ideia partiu do Conselho de Cardeais (C9) e propõe uma espécie de “catequese” aos bispos, para que compreendam melhor o problema e saibam como agir em caso de necessidade. Também é objetivo fortalecer os protocolos da Igreja. “Durante o encontro, disse Francisco, os bispos irão ‘rezar, ouvir testemunhos e participar de liturgias penitenciais, pedindo perdão por toda a Igreja”, relata.

 

MIGRAÇÃO

Jornais e sites como o National Catholic Reporter registraram a defesa humanitária que Francisco faz dos migrantes, lembrando que a América Central é uma das regiões que mais enviam migrantes para os Estados Unidos, e muitos passando pelo México.

“O Papa Francisco lamentou a condenação insensível e irresponsável dos migrantes”, relata o vaticanista Joshua McElwee. Segundo a publicação, o Pontífice pediu que a Igreja ajude a criar “sociedades que acolham e protejam aqueles que deixam suas terras por causa da violência e da fome”

 

VENEZUELA

Entre outros problemas da América Latina, chamou atenção dos jornalistas o posicionamento do Papa Francisco para a crise na Venezuela. Embora os bispos venezuelanos não reconheçam a legitimidade do governo de Nicolás Maduro, a Santa Sé se mantém neutra para evitar que os fiéis venezuelanos sofram represálias.

“Tenho medo do derramamento de sangue. Por isso, peço que sejam grandes aqueles que possam ajudar a resolver o problema. A violência me aterroriza. E se precisarem de ajuda para entrar num acordo, peçam”, disse o Papa no voo de retorno a Roma, conforme reportagem de Paolo Rodari, no site italiano Corriere della Sera.

A Venezuela vive um dos momentos mais difíceis de sua história, com inflação incontrolável, pobreza e fome. As últimas eleições presidenciais, que deram vitória a Maduro, não foram reconhecidas internacionalmente. Na quarta-feira, 23, enquanto o Papa estava viajando para o Panamá, o presidente do Congresso venezuelano se declarou presidente interino do país e diversos países o reconheceram como chefe de Estado da Venezuela, inclusive os Estados Unidos da América e o Brasil.

 

SONHOS

Conforme a coluna de opinião de Annette Planells, no jornal panamenho La Prensa, a visita do Papa ao país lhes ajudou a recuperar a capacidade de esperar dias melhores, especialmente para os jovens. “A JMJ tirou o melhor de nós como sociedade e as mensagens do Papa Francisco foram diretas, pertinentes e oportunas”, escreve.

“Vivemos uma experiência única. Além das crenças pessoais, a visita de milhares de jovens de todo o mundo nos permitiu voltar a sonhar. Sonhar com uma sociedade mais humana, uma sociedade centrada nos indivíduos, na qual todos se ajudam a ser felizes”, diz a colunista.

 

LEIA TAMBÉM: Uma Jornada inesquecível para a América Central e para o mundo

 

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Papa Francisco na JMJ: Maria é a ‘influencer’ de Deus

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28 de janeiro de 2019

Maria é a mulher que mais influenciou a história da humanidade, embora não fosse superpopular nas redes sociais de sua época. Pelo contrário, simples e humilde, deu a resposta mais corajosa de todas ao chamado de Deus.

Foi uma verdadeira “influencer de Deus”.

Essa metáfora do Papa Francisco, na vigília de oração da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) no sábado, 26, ganhou as manchetes do mundo inteiro. Ele disse que, com poucas palavras, “Maria se animou a dizer sim e a confiar no amor e nas promessas de Deus, única força capaz de fazer novas todas as coisas”.

O discurso, durante a vigília, encerrou a JMJ do Panamá com uma profunda reflexão sobre o tema central: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a sua Palavra” (Lc 1,38). Mariana, a proposta é centrado na coragem e na alegria de Nossa Senhora, que ainda em sua juventude aceitou o desafio de ser Mãe de Deus.

Eis-me aqui

“Sempre chama a atenção a força do ‘sim’ dessa jovem, desse ‘faça-se’ que ela disse ao anjo”, conforme a passagem da Anunciação.

Quase que respondendo a eventuais críticos, que talvez pudessem dizer que Maria já era predestinada e, portanto, não teve um papel importante nessa escolha, o Pontífice explicou: “Foi uma coisa diferente de uma aceitação passiva ou resignada, ou um ‘sim’ como que dizendo: ‘bom, vamos provar e ver o que acontece’. Foi algo mais, algo distinto. Foi o ‘sim’ de quem quer se comprometer e arriscar, de quem quer apostar tudo, sem mais segurança que a certeza de saber que era portadora de uma promessa.”

Após ouvir testemunhos de vários jovens, como já é tradição nas Jornadas, Francisco observou que este tipo de ‘sim’ se repete ainda hoje, por parte de jovens corajosos que aceitam o desafio e os riscos de seguir a Deus. “Dizer ‘sim’ ao Senhor é animar-se a abraçar a vida como vem com toda a sua fragilidade e pequenez e até muitas vezes com todas as suas contrições e insignificâncias”, afirmou. “Porque só o que pode ser amado pode ser salvo.”

Vocês são o ‘agora de Deus’

No domingo, 27, durante a missa de encerramento da JMJ do Panamá, o Papa Francisco convocou os jovens a serem o presente e o futuro da imagem de Deus no mundo. “Jesus revela o agora de Deus”, refletiu. “É o agora de Deus que com Jesus se faz presente, se faz rosto, carne, amor de misericórdia que não espera situações ideais ou perfeitas para sua manifestação, nem aceita desculpas para sua realização.”

Mas nem todos os que escutavam Jesus se sentiram convidados e convocados. “Também conosco pode acontecer o mesmo. Nem sempre cremos que Deus possa ser tão concreto e cotidiano, tão próximo e real, e menos ainda que se faça tão presente e atue através de alguém conhecido”, admitiu aos jovens, entre os quais é comum questionar sua relação com Deus.

Entretanto, defendendo os frutos do Sínodo dos Bispos sobre os jovens, realizado em outubro deste ano, o Papa exortou os 600 mil jovens no Panamá a serem o “agora de Deus”, pois “Ele os convoca e os chama em suas comunidades e cidades a ir em busca de seus avós, dos mais velhos, a colocar-se de pé junto a eles e tomar a palavra, e colocar este sonho em prática. Não amanhã, mas agora, porque onde quer que esteja seu tesouro, está também seu coração.”

Próxima JMJ em Lisboa

Na conclusão da JMJ do Panamá, anunciou-se que o próximo grande encontro de jovens com o Papa será em Lisboa, no ano de 2022. No discurso de saudação e agradecimento ao Papa, o Cardeal Kevin Joseph Farrell, prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, responsável pela organização internacional da JMJ, associou novamente o encontro ao último Sínodo sobre os jovens.

“A JMJ também, nesta ocasião, permitiu aos jovens viver uma experiência de comunhão e de fé, que os ajudará sem dúvidas a enfrentar os grandes desafios da vida e a assumir com responsabilidade seu lugar e sua missão na sociedade e na comunidade eclesial”, disse o Cardeal.

“Os frutos mais importantes destas experiências se verão mais adiante, na vida cotidiana. Os mesmos jovens que disseram ‘Aqui estou!’ dirão em suas próprias comunidades eclesiais: ‘somos servos do Senhor’,” acrescentou.

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Leia a íntegra da entrevista do Papa no voo de volta a Roma após a JMJ do Panamá

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29 de janeiro de 2019

A fé dos jovens, a questão migratória, o aborto, o celibato, a educação sexual, a crise na Venezuela. A coletiva de imprensa do Papa Francisco no voo de retorno do Panamá para Roma, na segunda-feira, 28, abordou todos esses temas, ligados direta ou indiretamente à Jornada Mundial da Juventude (JMJ). O São Paulo traduziu a conversa, com base na transcrição não-oficial e no vídeo da TV 2000.

 

Rádio Panamá: Santo Padre, qual era a sua missão na Jornada Mundial da Juventude? Foi cumprida?

 

Minha missão é a missão de Pedro, de confirmar na fé, e não com mandamentos frios, mas deixando tocar meu coração e respondendo ao que acontece lá. Eu a vivo assim. É difícil pensar que alguém só pode cumprir uma missão com a cabeça. Para realizar uma missão, você deve sentir… e quando sente acaba sendo tocado. Toca a sua vida, toca os seus problemas.

 

No aeroporto, eu estava cumprimentando o presidente e eles trouxeram uma criança, um negrinho simpático, pequenino. E o presidente me disse: “Olha, essa criança estava atravessando a fronteira da Colômbia, sua mãe morreu, ele ficou sozinho. Ele tem cinco anos. Vem da África, mas ainda não sabemos de qual país, porque não fala inglês nem português nem francês. Ele fala apenas a língua tribal. Nós praticamente o adotamos.” É o drama de uma criança abandonada pela vida, porque sua mãe morreu e um policial o entregou às autoridades para tomar conta dele. Isso mexe com você, e assim a missão começa a tomar cor, faz você dizer algo, acariciar. A missão sempre te envolve. Pelo menos a mim envolve muito.

 

Eu sempre digo aos jovens: o que você faz na vida tem que fazer caminhando, e com três linguagens. A da cabeça, a do coração, a das mãos. E as três linguagens harmonizadas, para que você pense o que sente e o que faz, sinta o que pensa e o que faz, faça o que sente e o que pensa. Eu não sei fazer um balanço da missão. Com tudo isso eu vou diante do Senhor para rezar, às vezes adormeço diante do Senhor, mas trazendo todas essas coisas que vivi na missão, e peço-lhe que confirme na fé através de mim. É assim que eu tento viver a missão do Papa.

 

Rádio Panamá: A JMJ correspondeu às suas expectativas?

 

Sim, o termômetro é o cansaço, e eu estou destruído!

 

Rádio Panamá: Existe um problema comum em toda a América Central: a gravidez precoce. Os críticos da Igreja Católica a culpam por resistir à educação sexual nas escolas. Qual é a opinião do Papa?

 

Eu acredito que é necessário dar educação sexual nas escolas. O sexo é um dom de Deus, não é um monstro. É um dom de Deus para amar e se alguém o usa para ganhar dinheiro ou explorar o outro, é um problema diferente. Precisamos oferecer uma educação sexual objetiva, sem colonização ideológica. Porque se você der uma educação sexual nas escolas imbuídas de colonização ideológica, destrói a pessoa. O sexo, como dom de Deus, deve ser educado, não com rigidez. Educado, de ‘educere’, para fazer emergir o melhor da pessoa e acompanhá-la no caminho. O problema recai sobre os responsáveis ​​pela educação, tanto no nível nacional quanto no local, bem como em cada unidade escolar: quais professores existem para isso, quais livros... Já vi todo tipo de coisas. Há coisas que ajudam a amadurecer e outras que causam danos. Digo isso sem entrar nos problemas políticos do Panamá: é preciso ter educação sexual para as crianças. O ideal é que comece em casa, com os pais. Nem sempre é possível, por causa de muitas situações familiares ou porque não sabem como fazê-lo. A escola pode suprir isso, e deve fazê-lo, caso contrário resta um vazio que é preenchido por qualquer ideologia.

 

Rome Reports: Nestes dias, o senhor conversou com tantas pessoas. Também com jovens que deixaram a Igreja. Quais são os motivos para se afastarem da Igreja?

 

São muitos, alguns bem pessoais. Mas a mais geral é a falta de testemunho dos cristãos. Dos padres, bispos. Não digo dos Papas porque... mas também! (risos). Falta de testemunho. Se um pastor é um empreendedor ou organizador de um plano pastoral, se ele não está perto do povo, ele não dá o testemunho de pastor. O pastor deve estar com as pessoas. O pastor deve estar à frente do rebanho, para indicar o caminho. No meio do rebanho para sentir o cheiro das pessoas e entender o que as pessoas sentem, o que elas precisam. E deve estar atrás do rebanho para proteger a retaguarda.

 

Mas se um pastor não vive com paixão, as pessoas se sentem abandonadas ou sentem um certo sentimento de desprezo. As pessoas se sentem órfãs. Eu falei sobre os pastores, mas também há cristãos, católicos hipócritas, que vão à missa todos os domingos à missa mas não pagam o décimo terceiro, sonegam, exploram pessoas. E depois vão para o Caribe tirar férias, com a exploração do povo. Se você fizer isso, dá um contra-testemunho.

 

Isso, na minha opinião, é o que mais afasta as pessoas da Igreja. Também os leigos. Eu sugeriria: não diga você é católico, se não dá testemunho. Diga: sou de educação católica, mas sou morno, sou mundano, me desculpe, não olhe para mim como modelo. Isso se deve dizer. Eu tenho medo de católicos assim, que acreditam ser perfeitos. A história se repete. O mesmo aconteceu com Jesus, com os doutores da lei, que oraram dizendo: ‘Eu te agradeço Senhor porque não sou como esses pecadores.’

 

Paris Matich: Vimos jovens rezarem com grande intensidade e podemos pensar que muitos têm vocação religiosa. Talvez alguns estejam hesitando, porque não poderiam se casar. É possível pensar que na Igreja Católica, seguindo o rito oriental, o senhor permitirá homens casados a se tornarem padres?

 

Na Igreja Católica do rito oriental eles podem fazer isso. Eles fazem a opção de celibato ou casado antes do diaconato. Quanto ao rito latino, uma frase de São Paulo VI vem à minha mente: “Eu prefiro dar a minha vida antes de mudar a lei do celibato.” Quero dizer isso porque é uma frase corajosa. Ele disse isso em 1968-1970, em um momento mais difícil do que o atual. Pessoalmente, penso que o celibato é um dom para a Igreja. Segundo, não concordo com permitir o celibato opcional. Não.

 

Permaneceriam algumas possibilidades em lugares distantes, penso nas ilhas do Pacífico, mas é algo a se pensar. Quando há necessidade pastoral, o pastor deve pensar nos fiéis. Há um livro do padre [Fritz] Lobinger, interessante, é algo que está em discussão entre os teólogos, não há decisão minha. Minha decisão é: celibato opcional antes do diaconato, não. É uma coisa pessoal. Eu não farei isso. Eu sou um fechado? Talvez. Mas não me sinto à vontade diante de Deus com essa decisão.

 

Mas o padre Lobinger diz: a Igreja faz a Eucaristia e a Eucaristia faz a Igreja. Onde não há Eucaristia – pense nas ilhas do Pacífico – Lobinger pergunta: quem faz a Eucaristia? Os diretores e organizadores dessas comunidades são diáconos, irmãs ou leigos. Lobinger diz: pode-se ordenar um idoso casado, esta é sua tese. Mas só para exercitar o “munus sanctificandi”, isto é, celebrar a missa, administrar o sacramento da reconciliação e dá a unção dos enfermos. A ordenação sacerdotal dá a três munera: o munus regendi (o pastor que lidera), o munus docendi (o pastor que ensina) e o munus sanctificandi. O bispo só lhe daria a licença para o munus sanctificandi.

 

Eu acredito que o tema deve ser aberto nesse sentido, onde há um problema pastoral por causa da falta de padres. Não digo que deva ser feito, pois não refleti nem rezei o bastante sobre isso. Mas os teólogos devem estudar. Conversando com um funcionário da Secretaria de Estado, um bispo que trabalhou em um país comunista no início da revolução, e quando eles viram como era essa revolução, na década de 50, os bispos secretamente ordenaram camponeses, bons e religiosos. Depois, passada a crise, trinta anos depois, a coisa foi resolvida. E ele me contou a emoção quando viu esses camponeses, com mãos de camponeses, colocarem suas túnicas para concelebrar com os bispos. Isso ocorreu na história da Igreja. É algo para estudar, pensar e rezar.

 

Esqueci de mencionar o Anglicanorum coetibus, de Bento XVI, para os padres anglicanos casados que se tornaram católicos, mantendo suas vidas, como se fossem orientais.

 

DPA: Durante a Via Crucis, um jovem pronunciou palavras muito fortes sobre o aborto. Gostaria de lhe perguntar se esta posição também respeita o sofrimento das mulheres nesta situação e se corresponde à sua mensagem de misericórdia.

 

A mensagem de misericórdia é para todos, também para a pessoa humana que está em gestação. Para todos. Depois desse fracasso, também há misericórdia. Mas uma misericórdia difícil, porque o problema não dar o perdão, mas acompanhar uma mulher que tomou consciência de ter abortado. São dramas terríveis. Uma mulher, quando ela pensa no que ela fez... Você tem que estar no confessionário, aí você tem que dar consolo, não punir.

 

Por isso eu concedi [a todos os padres] a faculdade de absolver o aborto por misericórdia. Elas devem ‘se encontrar’ com o filho. Muitas vezes, quando elas choram e têm essa angústia, eu recomendo assim: seu filho está no céu, fale com ele. Cante a canção de ninar que você não cantou para ele. E há um caminho de reconciliação da mãe com seu filho. Com Deus, a reconciliação já existe: Deus sempre perdoa. Mas ela também deve elaborar o que aconteceu. O drama do aborto, para entendê-lo bem, é preciso estar em um confessionário. Terrível.

 

Televisa: O senhor disse que se sentia muito próximo dos venezuelanos e pediu uma solução justa e pacífica, respeitando os direitos humanos de todos. Os venezuelanos querem entender: o que isso significa?

 

Eu apoio, neste momento, todo o povo da Venezuela agora porque eles estão sofrendo, aqueles de um lado e do outro. Se eu entrasse para dizer ‘escutem este ou aquele país’, eu me expressaria sobre algo que não conheço, seria uma imprudência pastoral e causaria danos.

 

Eu pensei e repensei as palavras que eu disse. Acredito que expressei minha proximidade, o que sinto. Eu sofro pelo que está acontecendo agora na Venezuela e por isso desejo que entrem em um acordo, não sei como. Pedi que houvesse uma solução justa e pacífica. O que me assusta é o derramamento de sangue.

 

Peço grandeza àqueles que podem ajudar a resolver o problema. O problema da violência me aterroriza, depois de todo o processo de paz na Colômbia, o ataque à escola de cadetes do outro dia é terrível. Não gosto da palavra “equilibrado”, mas quero ser pastor para todos. Se houver necessidade de ajuda para chegar a um acordo, que eles peçam.

 

Catholic News Service: Uma garota americana nos disse que o senhor falou com ela sobre a dor da crise dos abusos sexuais. Muitos católicos se sentem traídos e abatidos após relatos de abuso e acobertamento. Quais são as suas expectativas e esperanças para a reunião de fevereiro, para que a Igreja possa reconstruir a confiança?

 

A ideia deste encontro nasceu no C9 [Conselho de Cardeais] porque vimos que alguns bispos não entendiam bem ou não sabiam o que fazer ou fizeram uma coisa boa e outra errada. Sentimos a responsabilidade de dar uma ‘catequese’ sobre este problema às conferências episcopais e por isso são chamados os presidentes dos episcopados.


 

Primeiro: que se torne consciência do drama. É uma criança abusada. Eu recebo regularmente pessoas abusadas. Lembro-me de um: 40 anos sem poder rezar. O sofrimento é terrível. Segundo: que saibam o que deve ser feito, qual é o procedimento. Porque às vezes o bispo não sabe o que fazer. É algo que cresceu muito e não chegou a todos os lugares. Depois, que façam programas gerais, mas para todas as conferências episcopais: o que o bispo deve fazer, o que o arcebispo metropolitano deve fazer e o presidente da conferência episcopal. Que existam protocolos claros.

 

Esse é o objetivo principal. Ali, na reunião, rezaremos, haverá testemunhos para tomar consciência, uma liturgia penitencial para pedir perdão a toda a Igreja. Estão trabalhando bem na preparação da reunião.

 

Eu gostaria de dizer que percebi uma expectativa inflada. Temos que desinflar as expectativas, focando nesses pontos que falei. Porque o problema dos abusos continuará: é um problema humano, em todo lugar. Li uma estatística outro dia que diz: 50% dos casos são relatados e apenas 5% deles são condenados. Terrível. É um drama humano. Resolvendo o problema na Igreja, ajudaremos a resolvê-lo na sociedade e nas famílias, onde a vergonha encobre tudo. Mas primeiro precisamos nos conscientizar, ter protocolos e ir em frente.

 

Ansa: O senhor disse que é absurdo e irresponsável considerar migrantes como portadores dos males sociais. O que sente sobre as novas políticas para migrantes na Itália, como o fechamento do centro de Castelnuovo di Porto?

 

Eu ouvi rumores do que acontece na Itália, mas estava imerso na Jornada. Não sei com precisão, mas imagino. É verdade que o problema dos migrantes é muito complexo. Requer memória. Devemos nos perguntar se meu país foi feito por migrantes. Nós argentinos, todos os migrantes. Os Estados Unidos, todos os migrantes.

 

As palavras que eu uso: receber, o coração aberto para acolher. Acompanhar, crescer e integrar. O governante deve usar a prudência, porque a prudência é a virtude daqueles que governam. É uma equação difícil. Lembro-me do exemplo sueco, que nos anos 70, com as ditaduras na América Latina, recebeu muitos imigrantes, mas todos foram integrados. Vejo também o que faz a Comunidade Sant'Egidio: integra-se imediatamente. Mas os suecos disseram no ano passado: parem um pouco porque não podemos concluir o processo de integração. E esta é a prudência do governante.

 

É um problema de caridade, de amor, de solidariedade. Reitero que as nações mais generosas a receber foram a Itália e a Grécia e também um pouco da Turquia. É verdade que se deve pensar com realismo. A maneira de resolver o problema da migração é ajudar os países de onde os migrantes vêm. Eles vêm por fome ou por guerra. A Europa é capaz de investir onde há fome, e essa é uma maneira de ajudar esses países a crescer. Mas há sempre esse imaginário coletivo que temos no inconsciente: a África deve ser explorada. Isso é histórico e faz mal. Os migrantes do Oriente Médio encontraram outras saídas. O Líbano é uma maravilha de generosidade, hospedando mais de um milhão de sírios. Jordânia, o mesmo. E fazem o que podem, esperando de se reintegrar. É um problema complexo sobre o qual devemos falar sem preconceito.

 

Muito obrigado pelo trabalho de vocês [jornalistas]. Eu gostaria de dizer algo sobre o Panamá: senti algo novo e essa palavra me veio: o Panamá é uma nação nobre. Eu encontrei nobreza. Gostaria de dizer algo mais: que nós, na Europa, não vemos, e que vi aqui no Panamá. Eu vi pais criando seus filhos e dizendo: esta é a minha vitória, esse é o meu orgulho, esse é o meu futuro. No inverno demográfico que vivemos na Europa – e na Itália abaixo de zero – isso deve nos fazer pensar. Qual é o meu orgulho? Turismo, feriados, a vila, o cachorrinho? Ou o filho? Obrigado. Rezem por mim, pois eu preciso.

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Em missa com religiosos e Via Sacra, Papa reflete sobre sofrimento humano e na Igreja

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26 de janeiro de 2019

A difícil realidade que enfrentamos todos os dias e os problemas que atingem até mesmo a Igreja podem levar a um cansaço paralisante. Esse foi o alerta do Papa Francisco na homilia da missa que celebrou neste sábado, 26, com religiosos e religiosas, seminaristas e membros de movimentos laicais. Trata-se de uma tentação que ele chamou de “cansaço da esperança”.

“Nasce de olhar para a frente e não saber como reagir diante da intensidade e perplexidade das mudanças que como sociedade estamos atravessando”, apontou. “Estas mudanças parecem questionar não só nossas formas de expressão e compromisso, nossos costumes e atitudes diante da realidade, mas também colocam em dúvida, em muitos casos, a própria viabilidade da vida religiosa no mundo de hoje.” Além disso, completou o Pontífice, a velocidade das mudanças pode nos levar a “imobilizar toda opção e opinião”.

 

‘Dá-me de beber’

Em mais um sinal de humildade, ele reconheceu os pecados cometidos por membros da Igreja e atribuiu a esses erros grande parte do “cansaço da esperança” – muitos órgãos da imprensa internacional viram em sua fala uma referência indireta ao encontro de bispos que será realizado em fevereiro, no Vaticano, para debater o problema dos abusos praticados por membros da Igreja.

Mesmo se as estruturas ao nosso redor estiverem desgastadas, avaliou Francisco, é preciso recorrer a Jesus e pedir: “Dá-me de beber.”

“Ao dizer isso, abrimos as portas de nossa cansada esperança para voltar sem medo ao poço fundante do primeiro amor, quando Jesus passou por nosso caminho, nos olhou com misericórdia, e nos escolheu e nos pediu para segui-lo”, recomendou aos religiosos, jovens em formação e leigos consagrados.

É preciso, portanto, recuperar a memória do primeiro encontro pessoal com Jesus.

Durante a missa, o Papa presidiu o rito de dedicação da Catedral Basílica de Santa Maria La Antigua. Depois, almoçou com um grupo de jovens em formação, de diversas nacionalidades.

 

Via Crucis

Como já é tradição da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), na sexta-feira, 25, o Papa Francisco acompanhou a oração da Via Sacra com os jovens e proferiu um discurso. Na devoção que recorda a Paixão e morte de Jesus, associa-se o sofrimento do Cristo àquele de inúmeros jovens em todo o mundo. O evento foi no Campo Santa María la Antigua, em Cinta Costera, no Panamá.

“O caminho de Jesus rumo ao Calvário é um caminho de sofrimento e solidão, que continua em nossos dias. Ele caminha, padece em tantos rostos que sofrem a indiferença satisfeita e anestesiante de nossa sociedade, que consome e que se consome, que ignora e se ignora na dor de seus irmãos”, disse o Papa. “Também nós, seus amigos, Senhor, nos deixamos levar por apatia, imobilidade. Não são poucas as vezes que o conformismo nos paralisou.”

 

Sofrimento humano

A Paixão de Cristo “se prolonga” hoje, disse Francisco, “no grito sufocado das crianças impedidas de nascer e de tantos outros a quem se nega o direito de ter infância, família, educação; nas crianças que não podem brincar, cantar, sonhar”.

Ele também recordou, em sua oração, as mulheres exploradas e despojadas de sua dignidade; a angústia dos jovens que não encontram sentido na vida; os idosos abandonados “e descartados”; os povos indígenas, privados de suas terras e direitos; e a “mãe Terra, que está ferida em suas entranhas pela contaminação” produzida pelo ser humano.

O Papa aconselhou aos jovens da Jornada a recuperar a capacidade de chorar com os que sofrem e pediu a Deus consolo e acompanhamento. “Contemplamos Maria, mulher forte. Dela queremos aprender a estar em pé, ao lado da cruz. Com sua mesma decisão e valentia, sem evasões nem miragens. Ela soube acompanhar a dor de seu filho”, disse.

E rezou para que a Igreja seja capaz de sustentar e acompanhar “as cruzes de tantos ‘cristos’ que caminham ao nosso lado”.

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Papa diz aos jovens que Igreja não é decorativa, mas fundada no amor de Deus

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25 de janeiro de 2019

A Igreja voltada aos jovens não existe para ser “divertida” ou “legal”, não é decorativa, mas respeita os movimentos do Espírito Santo é fundada no amor do Senhor, “cotidiano, discreto e respeitoso”. Foi essa a mensagem central do primeiro encontro do Papa Francisco com os jovens na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) do Panamá, na tarde de quinta-feira, 24. O discurso foi fortemente baseado em tópicos do último Sínodo dos Bispos sobre os jovens, realizado em outubro de 2018.

“Queremos reencontrar e despertar junto a vocês a contínua novidade e juventude da Igreja, abrindo-nos a um novo Pentecostes”, disse. Para isso, acrescentou, é preciso caminhar juntos, “escutando uns aos outros”, anunciando o Evangelho de forma concreta, acrescentou o Papa.

Apesar das diferenças entre eles, os jovens reunidos na JMJ são, nas palavras do Papa, um grande exemplo de unidade. Assim, “desautorizam todos esses discursos que se concentram e se empenham em semear divisão, em excluir ou expulsar aos que ‘não são como nós’”, disse. Citando seu predecessor, o Papa Bento XVI, observou que “o amor verdadeiro não anula as legítimas diferenças, mas as harmoniza em uma unidade superior”.

 

CULTURA DO ENCONTRO

Não é preciso, portanto, que todos sejamos iguais, repetindo as mesmas frases e ideias prontas. “A cultura do encontro é um chamado e convite a atrever-se a manter vivo um sonho em comum.” Trata-se de “um sonho chamado Jesus, semeado pelo Pai com confiança, que crescerá e viverá em cada coração”, ensinou o Papa Francisco.

Como diria Santo Óscar Romero, um dos patronos da JMJ, o Cristianismo não é uma ideia abstrata ou um conjunto de verdades. “O Cristianismo é uma pessoa que me amou tanto, que exige e pede meu amor. O Cristianismo é Cristo”, afirmava o Arcebispo e mártir salvadorenho, também citado pelo Pontífice em seu discurso.

O amor do Senhor, continuou o Papa, “sabe mais de levantar do que de cair, de reconciliação do que de proibição, de dar nova oportunidade do que de condenar, de futuro do que de passado. É o amor silencioso da mão estendida em serviço e a entrega sem exibicionismo”.

 

LITURGIA PENITENCIAL

Já é comum que o Papa Francisco visite uma prisão em suas viagens internacionais, mas pela primeira vez em uma JMJ, realizou-se nesta sexa-feira, 25, uma liturgia penitencial em um cárcere. “Nossa juventude, especialmente na América Central, precisa de oportunidades”, disse em diversas ocasiões o Arcebispo do Panamá, Dom José Domingo Ulloa Mendieta. Muitos jovens do país, sem alternativas de trabalho, caíram na criminalidade e na droga.

De acordo o Vaticano, a ideia do Papa Francisco é justamente de passar a imagem de uma Igreja que vai ao encontro dos descartados pela sociedade. A celebração foi no centro de reclusão de menores Las Garzas de Pacora. Após ouvir o testemunho de alguns jovens, houve a leitura do Evangelho, o Papa proferiu sua homilia e ouviu a confissão de 12 rapazes, entre os 30 presentes.

Aos detentos, o Santo Padre afirmou que Jesus não tinha medo de se aproximar daqueles que eram pecadores. “No céu há mais festa por um só pecador convertido do que por 99 justos que não precisam de conversão”, lembrou. Ele alertou para o fato de que também a sociedade de hoje atribui rótulos aos pecadores, estigmatizando “não só o passado, mas também o presente e o futuro”.

Tal atitude “contamina tudo, porque levanta um muro invisível, que faz crer que marginalizando, separando ou isolando se resolveriam magicamente todos os problemas”, criticou. “E quando uma sociedade ou comunidade se permite isso e a única coisa que faz é sussurrar e murmurar, entra em um círculo vicioso de divisões, reprovações e condenações.”

Francisco procurou transmitir aos jovens reclusos uma mensagem de esperança, dizendo que o “coração do Pai é misericordioso” e seu amor rompe a lógica da exclusão.

 

REPERCUSSÃO

Agências internacionais descreveram o encontro de hoje como provavelmente o mais “emotivo” de toda viagem do Papa ao Panamá. Muitos jornais e agências internacionais também associam a visita de Francisco ao pequeno país da América Central à questão migratória. Os discursos voltados à unidade dos jovens, ontem, e aos detentos hoje reforçaram essa visão.

Primeiro, porque a América Central é uma das áreas que mais enviam migrantes aos Estados Unidos e, precisamente neste momento, o presidente Donald Trump vive uma disputa política com o Congresso de seu país para construir um muro, visando a enrijecer o controle e evitar a entrada de migrantes latino-americanos pela fronteira com o México.

Segundo, porque a maioria dos migrantes é de jovens. E, terceiro, porque o tema das migrações é um dos mais presentes no pontificado o Papa Francisco. Também a Europa vive uma onda de migrações e o Santo Padre costuma defender a acolhida e a integração dos migrantes, especialmente diante de crises humanitárias, mas sempre por meio de uma ativa participação da sociedade e da colaboração internacional.

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Papa Francisco convida bispos no Panamá a “Sentir com a Igreja”

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25 de janeiro de 2019

“Sentir com a Igreja.” O lema criado por Santo Inácio de Loyola e difundido na igreja latino-americana por Santo Óscar Romero foi elemento central no encontro do Papa Francisco com bispos da América Central nesta quinta-feira, 24.

Chegando ao país na tarde de ontem, o Papa foi recebido pelo presidente do país, Juan Carlos Varela, e sua esposa, Lorena Castillo. Descansou pelo resto do dia. Ele fica no país até o dia 27, participando dos encontros da Jornada Mundial da Juventude (JMJ).

No fim da manhã de hoje, na Igreja de São Francisco de Assis, o Papa Francisco recordou a forte tradição colegial da Igreja latino-americana. O Secretariado Episcopal da América Central e do Panamá (Sedac) é a instituição que reúne os bispos de toda a região. “Os pastores desta região foram os primeiros a criarem na América um organismo de comunhão e participação que deu abundantes frutos, e continua dando”, recordou o Pontífice.

ROMERO COMO EXEMPLO

Foi nesse contexto que Francisco recorreu à figura de Dom Óscar Romero, Arcebispo e mártir de São Salvador por ele canonizado em outubro de 2018, durante o Sínodo dos Bispos sobre os jovens. “Sua vida e ensinamento são fonte constante de inspiração para nossas Igrejas, e, de modo especial, para nós bispos”, disse.

“Sentir com a Igreja” era o lema episcopal de Santo Óscar Romero. Nas palavras do Papa Francisco, remete à sua sintonia e aprendizado dentro da Igreja, que Dom Romero amava “com suas entranhas”.

“Nós não inventamos a Igreja. Ela não nasce conosco e seguirá sem nós”, lembrou aos bispos, dizendo que esse pensamento despertava uma “insondável e inimaginável gratitude” no Santo salvadorenho. “Romero sentiu com a Igreja porque, em primeiro lugar, amou a Igreja como mãe que o gerou na fé e se sentiu membro e parte dela.”

Da mesma forma, o Papa convidou os bispos a levarem “nas entranhas” o amor de Cristo: “É importante, irmãos, que não tenhamos medo de tocar e nos aproximarmos das feridas de nossa gente, que também são nossas feridas”, disse.

“E fazer isso com o estilo do Senhor. O pastor não pode estar longe do sofrimento de seu povo. E mais, poderíamos dizer que o coração do pastor se mede por sua capacidade de deixar-se comover diante de tantas vidas feridas e ameaçadas.”

JOVENS COMO "LUGAR TEOLÓGICO"

Santo Inácio de Loyola criou o lema “Sentir com a Igreja” no contexto de seus exercícios espirituais. Era uma forma de ajudar o exercitante a “superar qualquer tipo de falsas dicotomias ou antagonismos que reduzam a vida do Espírito à habitual tentação de acomodar a Palavra de Deus ao próprio interesse”, explicou o Papa Francisco.

Saber que fazemos parte de um “corpo apostólico” maior que nós mesmos nos faz “sentir parte de um todo que será sempre mais que a soma das partes”.

Durante a JMJ, essa perspectiva torna-se oportunidade única para “sair ao encontro e se aproximar ainda mais da realidade dos jovens, cheia de esperanças e desejos, mas também profundamente marcada por tantas feridas”.

Referindo-se ao último Sínodo dos Bispos sobre os jovens, Francisco observou que a juventude é um “lugar teológico”, ou seja, com ela “podemos visualizar como fazer mais visível e crível o Evangelho no mundo”. Os jovens “são como um termômetro para saber onde estamos como comunidade e sociedade”, alertou.

UNIDADE NA DIVERSIDADE

Em editorial publicado no jornal do Vaticano, L’Osservatore Romano, o diretor Andrea Monda comentou a viagem do Papa ao Panamá dizendo que vai em meio a “sonhos e esperanças”. No texto, ele nota que uma das características do Panamá que agradam Francisco é o fato de ser um canal que une duas partes importantes do mundo, os oceanos Pacífico e Atlântico.

O artigo recorda que São João Paulo II esteve no Panamá em 1983. “Mas hoje o Panamá se torna por cinco dias o centro do mundo, como deixou evidente a multidão festiva que acompanhou ininterruptamente todo o percurso do papamóvel do aeroporto até a sede da nunciatura”, onde o Papa está hospedado, diz o texto. “Unidade, esperança, sonho, são as três notas de abertura desta JMJ que agora pode começar a fazer sentir o seu canto.”

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Papa Francisco: o direito ao futuro também é um direito humano

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24 de janeiro de 2019

O Papa Francisco proferiu o primeiro discurso oficial desta quinta-feira (24/01) para cerca de 700 pessoas no Palácio Bolívar, na Cidade do Panamá, entre autoridades políticas e religiosas, representantes da sociedade civil e corpo diplomático. O encontro aconteceu no final da manhã, depois do Pontífice ter visitado o Palácio Presidencial (ou Palácio das Garças), com cerimônia de boas-vindas oferecida pelo presidente Juan Carlos Varela Rodríguez.

O sonho e a inspiração de Pátria Grande

O Palácio Bolívar, um ex-convento de capuchinhos, tesouro arquitetônico construído em 1673 e declarado patrimônio histórico da humanidade pela Unesco, abriga o Ministério das Relações Exteriores e o Museu Bolívar. Tanto que o Papa Francisco começou o seu discurso citando o libertador Simón Bolívar, que “convocou os líderes do seu tempo a fim de forjar o sonho da unificação da Pátria Grande”.

O Papa Francisco, então, conduziu o discurso inspirado na história do líder venezuelano que lutou por vários territórios do continente americano para se tornarem independentes: “na esteira dessa inspiração, podemos contemplar o Panamá como uma terra de convocação e de sonho”, disse ele.

Terra de convocação e encontros

A Jornada Mundial da Juventude está sendo realizada num “ponto estratégico” para o mundo, “ponte entre os oceanos e terra natural de encontros”, descreveu o Papa. Junto com “a capacidade de criar vínculos e alianças”, também é necessária a participação ativa do povo com “empenho e trabalho diário”, “contra qualquer tipo de tutela que pretenda limitar a liberdade e subjugue ou transcure a dignidade dos cidadãos, especialmente dos mais pobres.”

O Papa Francisco então saudou e rendeu a sua homenagem aos povos nativos do Panamá (Bribri, Buglé, Emberá, Kuna, Nasoteribe, Ngäbe e Waunana):

“Ser terra de convocação requer celebrar, reconhecer e escutar o que é específico de cada um destes povos e de todos os homens e mulheres que compõem a fisionomia panamense e saber tecer um futuro aberto à esperança, porque só se é capaz de defender o bem comum acima dos interesses de poucos ou ao serviço de poucos, quando existe a firme decisão de partilhar com justiça os próprios bens.”

O Pontífice, assim, convidou “todos aqueles que detêm um papel de liderança na vida pública” para dar o exemplo aos milhares de jovens, através da cultura de maior transparência entre os governos, setor privado e população.

“ É um convite a viver com austeridade e transparência, na responsabilidade concreta pelos outros e pelo mundo; uma conduta que demonstre que o serviço público é sinônimo de honestidade e justiça contrapondo-se a qualquer forma de corrupção. ”

Panamá: a terra dos sonhos

Francisco reforçou a imagem do Panamá para o mundo nestes dias de Jornada Mundial da Juventude, como “um novo modo de construir a história”: será uma “confluência de esperança”, de milhares de jovens dos cinco continentes e cheios de sonhos que desafiam “visões míopes de curto alcance que, seduzidas pela resignação, a ganância ou prisioneiras do paradigma tecnocrático”, creem que o único caminho possível é o da competitividade, especulação e lei do mais forte.

“ Sabemos que é possível outro mundo; e os jovens convidam-nos a envolver-nos na sua construção, para que os sonhos não permaneçam algo de efêmero ou etêreo, para que deem impulso a um pacto social no qual todos possam ter a oportunidade de sonhar um amanhã: o direito ao futuro também é um direito humano. ”

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