Papa Francisco ao arcebispo de Paris: "Notre Dame volte a ser sinal de fé"

Por
16 de abril de 2019

Que a Catedral de Notre Dame “volte a ser, graças ao trabalho de reconstrução e mobilização de todos, aquele bonito tesouro no centro da cidade, sinal de fé daqueles que a construíram, igreja mãe de sua diocese, patrimônio arquitetônico e espiritual de Paris, da França e da humanidade”.

É o que afirma o Papa Francisco no telegrama enviado ao arcebispo de Paris, dom Michel Aupetit, nesta terça-feira (16/04), após o incêndio devastador que destruiu parcialmente a catedral francesa.

“Uno-me à sua tristeza e a dos fiéis de sua diocese, dos habitantes de Paris e de todos os franceses. Nesta Semana Santa, em que recordamos a Paixão de Jesus, sua morte e ressurreição, asseguro a minha proximidade espiritual e minha oração”, afirma Francisco.

“Esta catástrofe danificou seriamente um edifício histórico. Estou ciente de que também atingiu um símbolo nacional muito querido aos parisienses e franceses na diversidade de suas convicções. De fato, Notre Dame é um tesouro arquitetônico de memória coletiva, lugar de encontro de muitos grandes eventos, testemunho da fé e oração dos católicos na cidade”, ressalta ainda o Papa.

Por fim, o Papa pediu a Deus para que abençoe os bispos da França, os fiéis da arquidiocese e demais habitantes de Paris, e todos os franceses.

Comente

Dom Cristóbal López Romero: ‘A igreja Católica existe no Marrocos, e é samaritana’

Por
03 de abril de 2019

A universalidade da Igreja Católica torna-se palpável em muitos lugares onde o Cristianismo é uma minoria, incluindo o Marrocos, País com 37 milhões de habitantes, 99,9% dos quais muçulmanos e apenas 0,08% católicos.

Uma pequena, mas grande Igreja, realiza seu trabalho pastoral entre os fiéis católicos no País. A Igreja apoia os mais desfavorecidos entre a população marroquina e os milhares de jovens que atravessam o deserto da África Subsaariana à procura de um futuro na Europa idealizada.

No último fim de semana, dias 30 e 31, o Papa Francisco viajou para a região situada na fronteira entre a África e a Europa. Em resposta a um convite do rei Mohammed VI e dos bispos do País, o Pontífice visitou as cidades de Rabat e Casablanca.

 

VIVER E TRABALHAR NO NORTE DA ÁFRICA

Em uma entrevista televisiva à Ajuda à Igreja que Sofre (ACN, na sigla em Inglês), Dom Cristóbal López Romero, Arcebispo de Rabat, falou sobre o que significa viver e trabalhar nesta nação norte-africana.

“A Igreja Católica existe no Marrocos”, disse orgulhosamente o Arcebispo no começo da entrevista. “É uma Igreja vibrante e jovem, abençoada com misericórdia e com um forte desejo de testemunhar.”

O País do norte da África tem duas catedrais, uma em Tânger e uma segunda em Rabat. A primeira foi construída durante o tempo do protetorado espanhol, a segunda durante o tempo do protetorado francês. Dom Cristóbal, salesiano de Dom Bosco, continuou: “Mais jovens do que pessoas idosas vêm a nossas igrejas, mais homens que mulheres, mais negros que brancos”.

Os membros da Igreja no Marrocos são, em sua maioria, estrangeiros, fiéis de mais de cem países diferentes. Eles geralmente trabalham em empresas que operam subsidiárias no Marrocos. Além disso, muitos vêm de países ao sul do Saara, como o Congo, o Senegal ou a Costa do Marfim. Eles se mudam para o Marrocos para prosseguir seus estudos e encontrar o “sentimento de segurança” que estão procurando com a Igreja Católica.

Os religiosos católicos que lá estão são de mais de 40 países diferentes. Dom Cristóbal explica: “Ser católico significa ser universal, global”. Essa universalidade exige que as pessoas deixem de lado aquilo que as torna distintas e se concentrem no que é compartilhado. “Nós procuramos o que é importante, essencial. As diferenças nos enriquecem. Nós somos abertos uns com os outros e vemos as diferenças como uma oportunidade, não um problema.”

 

É COMO UMA IGREJA SAMARITANA

A Igreja marroquina e as instituições de caridade com que trabalha recebem e ajudam quem é mais fraco, independentemente do seu passado. Principalmente, eles são ativos dentro da sociedade marroquina e para os imigrantes vindos de países ao sul do Saara, que estão tentando alcançar a Europa ou permanecer no norte da África. “A Igreja aceita e cuida dos necessitados, ou seja, é uma Igreja samaritana”, disse o entrevistado.

Por meio da Caritas local, o Marrocos cuida de milhares de migrantes que atravessam o Saara e, depois de completarem essa difícil travessia, “permanecem presos” no País, sem poder continuar para a Europa. “Essas pessoas precisam de cuidados e de um ouvido solidário. A maioria delas está doente quando chegam e muitas mulheres estão grávidas. A Igreja os “absorve, protege, promove e integra, assim como o Papa Francisco nos pediu”, afirma o Bispo. O trabalho da Igreja no Marrocos é tão importante que “até as autoridades muçulmanas apreciam seus esforços”.

 

MIGRAÇÃO E DESIGUALDADE

Quando perguntado por que os jovens estão fugindo da África, Dom Cristóbal explicou que as razões econômicas são o principal impulso para a maioria dos jovens migrantes. Eles estão fugindo da pobreza e do desemprego, mas muitos também estão fugindo de guerras, hostilidades, perseguições ou desastres naturais. De acordo com o Arcebispo de Rabat, o problema da migração na África será impossível de resolver, contanto que “30% dos alimentos produzidos continuem a ser jogados fora na Europa”, e as pessoas continuem a viver “em excessos e grandeza”, enquanto que, ao mesmo tempo, esperam que aqueles “que vivem em circunstâncias miseráveis aceitem passivamente seu destino” e a sociedade permaneça inconsciente de seu comportamento. “Certamente, não é cristão e pode até ser chamado de desumano que a Europa proteja suas fronteiras para que não tenha que compartilhar o que pertence a todos e o que a Europa se apropriou”, expressou sua indignação.

O Arcebispo lembrou as palavras do Papa Francisco: “O capitalismo mata”. “Em vez de fornecer ajuda, devemos pagar pelas matérias-primas que exploramos. Devemos ter certeza de que as corporações multinacionais pagam os impostos que devem.” Ele acredita que a África não pode ser ajudada com “migalhas, mas com planos de justiça e desenvolvimento. Nós não somos nada sem amor, somos menos ainda sem justiça.”

Ainda segundo Dom Cristóbal, “o jovem marroquino está preso em seu próprio País”. O Marrocos está sofrendo por causa de sua localização geográfica, pelo fato de não haver uma maneira realista de deixar o País. Para o sul está o vasto deserto do Saara; para o oeste, o Atlântico; para o leste, a Argélia – e a fronteira para esse País está fechada devido à guerra – e para o norte, a Europa. “Muitos jovens do Marrocos apontam para a Espanha e perguntam: ‘Por que eles podem vir aqui, mas eu não posso ir lá?’”.

 

LIBERDADE RELIGIOSA?

Uma questão totalmente diferente, com a qual o Papa Francisco foi confrontado, durante sua viagem, é o status da liberdade religiosa no País. Como a fundação pontifícia ACN concluiu no Relatório Liberdade Religiosa no Mundo de 2018, de acordo com a sua constituição, o Reino do Marrocos é um Estado soberano muçulmano. O Artigo 3 diz: “O Islã é a religião do Estado, com a garantia a todos ao livre exercício de crenças”. No entanto, a Constituição proíbe partidos políticos, parlamentares ou emendas constitucionais que infrinjam o Islã. O Parlamento Europeu reconhece que a liberdade religiosa está consagrada constitucionalmente no Marrocos, mas acrescenta que “os cristãos e especialmente os muçulmanos que se converteram ao Cristianismo enfrentam numerosas formas de discriminação e não podem pisar em uma igreja”. Sob o Código Penal marroquino, proselitismo para os não muçulmanos, isto é, “abalar a fé” da população muçulmana, é ilegal. A distribuição de materiais religiosos não islâmicos também é restringida pelo governo.

 

As opiniões expressas na seção “Com a Palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.

Comente

Papa Francisco convoca "24 horas de oração para o Senhor"

Por
27 de março de 2019

O Papa Francisco dará início à 6ª edição da tradicional iniciativa “24 horas de Oração para o Senhor”, com a celebração penitencial na Basílica de São Pedro na próxima sexta-feira, dia 29 de março. A iniciativa nasceu em Roma há seis anos, mas logo se tornou mundial, unindo espiritualmente ao Santo Padre as Igrejas espalhadas nos cinco continentes, e oferecendo a todos a possibilidade de fazer experiência pessoal da infinita misericórdia de Deus.

Nem eu te condeno

O tema deste ano será a frase do Evangelho de João: “Nem eu te condeno (Jo 8, 11). A jornada, que será marcada pela Adoração Eucarística, pela reflexão e pelo convite à conversão pessoal, propõe a contemplação da imagem de Jesus, que ao invés da multidão reunida para julgar e condenar, oferece a sua infinita Misericórdia como ocasião de graça e de vida nova.

Reconciliação

Como recorda o Santo Padre na Carta Apostólica Misericordia et Misera “O sacramento da Reconciliação precisa voltar a ter o seu lugar central na vida cristã (…), uma ocasião propícia pode ser a celebração da iniciativa 24 horas para o Senhor nas proximidades do IV Domingo da Quaresma, que goza já de amplo consenso nas dioceses e continua a ser um forte apelo pastoral para viver intensamente o sacramento da Confissão”.

O mundo inteiro está convidado para abrir-se à Misericórdia de Deus com as “24 horas para o Senhor” que o Papa Francisco dará início com a Celebração Penitencial desta sexta-feira (29).

Comente

Papa Francisco: "alimento não é propriedade privada"

Por
27 de março de 2019

Alimento não é propriedade privada, mas providência a compartilhar, com a graça de Deus: palavras do Papa Francisco na Audiência Geral desta quarta-feira, na Praça São Pedro.

Na catequese, o Pontífice começou a analisar a segunda parte da oração do Pai-Nosso, aquela em que apresentamos a Deus as nossas necessidades. E a súplica analisada foi: o pão nosso de cada dia nos dai hoje.

Jesus não está indiferente

Esta oração provém de uma evidência que frequentemente esquecemos, isto é, de que não somos criaturas autossuficientes e que precisamos nos nutrir todos os dias.  Jesus não exige súplicas refinadas. Nos Evangelhos, há uma multidão de mendigos que suplicam libertação e salvação: há quem pede pão, cura, purificação, a visão... Jesus jamais passa indiferente ao lado desses pedidos e dores.

Jesus, portanto, nos ensina a pedir o pão cotidiano:

“ Quantas mães e pais, ainda hoje, vão dormir com o tormento de não ter no dia seguinte pão suficiente para os próprios filhos! Imaginemos esta oração rezada não na segurança de um cômodo apartamento, mas na precariedade de um quarto onde as pessoas se adaptam, onde falta o necessário para viver. As palavras de Jesus assumem uma força nova. ”

A oração cristã começa deste nível. Não é um exercício para ascetas, mas parte da realidade, do coração, da carne de pessoas que estão na necessidade.

Nem mesmo os mais altos místicos cristãos podem prescindir da simplicidade deste pedido: e o pão significa também água, remédio, casa, trabalho... O pão que o cristão pede na oração não é o “meu”, mas o “nosso”. Jesus quer assim. Ele nos ensina a pedi-lo não só para si mesmo, mas para toda a fraternidade do mundo. Se não for rezado assim, o “Pai-Nosso deixa de ser uma oração cristã. Se Deus é nosso Pai, como podemos nos apresentar a Ele senão de mãos dadas?”

Empatia e solidariedade

E se o pão que Ele nos dá o roubamos entre nós, como podemos declarar-nos seus filhos? Esta invocação contém uma atitude de empatia e de solidariedade. Na minha fome sinto a fome das multidões, e então rezarei a Deus até que o pedido não seja realizado.

Francisco convidou os fiéis a pensarem nas crianças famintas nos países que estão em guerra:

“ Crianças famintas no Iêmen, na Síria, em muitos países onde não há pão, no Sudão do Sul. Pensemos nessas crianças e vamos rezar juntos: Pai, nos dai hoje o pão nosso de cada dia. ”

Alimento não é propriedade privada

Jesus nos educa a pedir a Deus as necessidades de todos e nos repreende o fato de não estarmos acostumados a dividir o pão com quem está próximo de nós.

“Era um pão entregue a toda a humanidade e, ao invés, foi consumido somente por alguns: o amor não pode tolerar isto. O amor de Deus também não pode tolerar este egoísmo”, disse o Papa, acrescentando:

“ Alimento não é propriedade privada, vamos colocar isso na cabeça, mas providência a compartilhar, com a graça de Deus. ”

Ao multiplicar os pães e peixes, Jesus realiza o milagre da compartilha. Ele próprio, multiplicando aquele pão oferecido, antecipou a oferta de Si no Pão eucarístico. De fato, somente a Eucaristia é capaz de saciar a fome de infinito e o desejo de Deus que anima o homem, inclusive na busca do pão cotidiano.

 

Comente

São José, o inspirador dos Papas

Por
19 de março de 2019

A silhueta de São José estendida no sono, ao lado da mesa onde estuda e assegura as necessidades da Igreja universal, está ali para recordar que também em um sonho pode se esconder a voz de Deus. Papa Francisco tem ao seu lado, desde sempre, nos quartos onde morou e estudou a pequena estátua de São José dormindo.

O “solucionador”

Até hoje a estátua de São José está sobre a sua escrivaninha na Casa Santa Marta. Esta imagem, e a devoção de Francisco por aquilo que representa, teve uma imprevista popularidade mundial quando alguns anos atrás o próprio Papa falou durante o Encontro Mundial das Famílias em Manila.

Uma confidência que revelou uma confiança total na força mediadora do pai putativo de Jesus e uma admiração pelo papel e pelo estilo que José sempre encarnou:

Amo muito São José, porque é um homem forte e silencioso. Na minha escrivaninha, tenho uma imagem de São José que dorme e, quando tenho um problema, uma dificuldade, escrevo um bilhetinho e meto-o debaixo de São José, para que o sonhe. Este gesto significa: reza por este problema! (Encontro com as famílias em Manila – 16 de janeiro de 2015).

Um nome para muitos Papas

Depois de Pedro, muitos Joãos, Bentos, Paulos, Gregórios, mas nenhum José. Nunca teve um Papa com este nome. Porém, muitos deles, especialmente no último século, o tiveram como nome de Batismo, como se os homens chamados para custodiar Jesus fosse um viático para os homens chamados para custodiar a Igreja. No início do século XX José Melchiorre Sarto torna-se Pio X e mais tarde sobem ao trono de Pedro Angelo José Rocalli, Karol Józef Wojtyla e Joseph Ratzinger. Francisco não se chama José, mas celebra, agradecido, a sua Missa de início de ministério dia 19 de março. Invocações que recordam o discreto modelo que inspira.

Muitos Papas por um nome

As etapas que levaram a Igreja a estabelecer o culto de São José foram muito longas, desde Sisto V que no final do século XV fixou a data da festa para 19 de março até a última decisão de Papa Francisco que, confirmando a vontade Bento XVI, no dia 1º de maio de 2013 decreta o acréscimo do nome de São José, Esposo da Bem-Aventurada Virgem Maria, nas Orações eucarísticas II, III e IV (precedentemente João XXIII tinha estabelecido em 13 de novembro de 1962 a introdução no antigo Cânone romano da Missa, ao lado do nome de Maria e antes dos Apóstolos). Foi também João XXIII, que querendo confiar ao “pai” terreno de Jesus o Concílio Vaticano II, escreveu em 1961 a Carta Apostólica Le Voci, na qual faz um tipo de sumário da devoção a São José sustentada pelos seus predecessores. Não são opacas operações de “burocracia” litúrgica. Por trás de cada novo decreto colhe-se um sentimento e uma consciência eclesial cada vez mais enraizada como por exemplo, como aconteceu a Pio XII, podem chegar a marcar também na vida civil.

Um Santo que trabalha

No dia primeiro de maio de 1955, era um domingo e a Praça São Pedro estava repleta de fiéis. Pio XII faz um discurso enérgico aos presentes exortando todos a se orgulharem da sua identidade cristã frente às ideologias socialistas que pareciam dominar . No final surpreende a multidão com um “presente” que entusiasma todos:

Para que todos entendam este significado (…) queremos anunciar a Nossa determinação de instituir – como de fato instituímos – a festa litúrgica de São José operário, marcando-a no dia 1º de maio. Trabalhadores e trabalhadoras, agrada-vos o nosso dom? Temos certeza que sim, porque o humilde artesão de Nazaré não só personifica junto a Deus e a Santa Igreja a dignidade do trabalhador, mas é também sempre providente guardião vosso e de vossas famílias” (Festa de S. José Operário – 1º de maio de 1955).

“Papa José” não é possível

Quatro anos mais tarde a Igreja estava sendo guiada por um homem que queria se chamar “Papa José”. Renunciou, disse, porque “não é usado entre os Papas”, mas a explicação revela a nostalgia e a forte devoção que João XXIII tinha por São José:

“Faça com que também os teus protegidos compreendam que não estão sós no seu trabalho, mas saibam descobrir Jesus ao seu lado, acolhê-lo com a graça, custodiá-lo com a fé como tu o fazes. E faça com que em cada família, em cada fábrica, oficina, onde quer que trabalhe um cristão, tudo seja santificado na caridade, na paciência, na justiça, na busca do fazer bem, para que desçam abundantes dons da celeste predileção” (19 de março de 1959)

O homem dos riscos

Paulo VI também não se chama José, mas de 1963 a 1969 em particular, não deixa de celebrar uma Missa na solenidade de 19 de março. Cada homilia torna-se uma peça que forma um retrato pessoal com o qual Paulo VI mostra-se fascinado pela “completa e submissa dedicação” de José à sua missão, do homem “talvez tímido” mas dotado “de uma grandeza sobre-humana que encanta”.

São José, um homem ‘comprometido’ como se diz agora, por Maria, a eleita entre todas as mulheres da terra e da história, sempre sua virgem esposa, também fisicamente sua mulher, e por Jesus, em virtude da descendência legal, não natural, sua prole. A ele, os pesos, as responsabilidades, os riscos, as preocupações da pequena e singular sagrada família. A ele o serviço, a ele o trabalho, a ele o sacrifício, na penumbra do quadro evangélico, no qual nos agrada contemplá-lo, e certamente, sem dúvida, agora que tudo conhecemos, chamá-lo feliz, bem-aventurado. Isso é Evangelho. Nele os valores da existência humana assumem medidas diferentes daquela que somos acostumados a apreciar: aqui o que é pequeno torna-se grande” (Homilia de 19 de março de 1969).

O esposo sublime

Em 26 anos de pontificado João Paulo II falou de São José em infinitas ocasiões e, sempre disse que rezava intensamente pelo santo todos os dias. Essa devoção se resume no documento que lhe dedica em 15 de agosto de 1989, com a publicação da Exortação Apostólica Redemptoris Custos, escrita 100 anos depois da Quamquam Pluries de Leão XIII. No documento Papa Wojtyla aprofunda a vida de José em vários aspectos principalmente o do matrimônio cristão no qual oferece uma profunda leitura da relações entre os dois esposos de Nazaré.

A dificuldade de se aproximar ao mistério sublime da sua comunhão esponsal levou todos, desde o século II, a atribuir a José uma idade avançada e a considerá-lo guardião, mais do que esposo de Maria. É o caso de supor, ao invés, que na época ele não fosse um homem idoso, mas que a sua perfeição interior, fruto da graça, o levasse a viver com afeto virginal a relação esponsal com Maria” (Audiência Geral de 1996).

O pai silencioso

De São José não se conhecem as palavras, apenas os silêncios. Bento XVI aprofunda-se na aparente ausência de São José e extrai dela a riqueza de uma vida completa, de um homem fundamental que com seu exemplo sem proclamações marcou o crescimento de Jesus o homem-Deus:

Um silêncio graças ao qual José, em união com Maria, custodia a Palavra de Deus (…) um silêncio marcado pela oração constante, oração de bênção do Senhor, de adoração da sua santa vontade e de confiança sem reservas à sua providência. Não se exagera quando se pensa que do próprio “pai” José, Jesus tenha tomado – no plano humano – a robusta interioridade que é pressuposto da autêntica justiça, a “justiça superior”, que ele um dia ensinará aos seus discípulos”. (Angelus de 2005)

 O Santo da ternura

Da pequena “paróquia” de Santa Marta, Papa Francisco refletiu muito sobre o Santo ao qual confia todas suas preocupações. “O homem que custodia, o homem que faz crescer, o homem que leva adiante toda paternidade, todo mistério, mas não pega nada para si”, disse um uma das Missas matutinas. Por fim, em 20 de março de 2017 sublinha que José é o homem que age também quando dorme porque sonha o que Deus quer.

Hoje gostaria de pedir que nos conceda a todos a capacidade de sonhar, porque quando sonhamos coisas grandes, bonitas, aproximamo-nos do sonho de Deus, daquilo que Deus sonha sobre nós. Que conceda aos jovens — porque ele era jovem — a capacidade de sonhar, de arriscar e de cumprir as tarefas difíceis que viram nos sonhos. E conceda a nós a fidelidade que em geral cresce numa atitude correta, cresce no silêncio e na ternura que é capaz de guardar as próprias debilidades e as dos outros”.

 

Comente

Exercícios espirituais: na Quaresma deixar que Deus restaure a nossa beleza

Por
12 de março de 2019

Um convite a refletir sobre a indiferença, “proteção de si” para proteger-se dos outros e da responsabilidade para com a realidade, sobre a erradicação da vida da cidade, procurando a beleza e a medida que vem do ser amado por Deus e amá-lo também nós.

Este é o centro da terceira meditação oferecida, na manhã desta terça-feira (12/03), pelo abade de São Miniato ao Monte em Florença, Bernardo Francesco Maria Gianni, beneditino, ao Papa Francisco e seus colaboradores da Cúria Romana. O tema das reflexões do pregador “O presente de infâmia, de sangue e indiferença”, é extraído dos versos de Mario Luzi em “Felicità turbate”, a poesia dedicada à abadia florentina em dezembro de 1997.

Olhar paras as feridas da cidade

Quando ele escreve, recordou o abade beneditino, Luzi tem nos olhos o massacre perpetrado pela máfia quatro anos antes na Via dei Georgofili, as cinco vítimas inocentes e a destruição de “uma parte preciosa do centro artístico de nossa cidade”, disse ele.

“Somos convidados, a partir daquele evento dramático, a olhar, como sempre estamos procurando fazer, as feridas das cidades do mundo inteiro, até mesmo aquelas muito mais complexas e marcadas pelas injustiças de todos os tipos, em todo o nosso planeta, e fazê-lo com um olhar sobre a realidade que o nosso Papa nos ensinou, como prevalente respeito à ideia.

A indiferença, “proteção de si” para proteger-se dos outros

O pregador se deteve num dos três “sinais do mal”, a indiferença, tão distante do “alcance caritativo” da poesia de Luzi e da ação política de Giorgio La Pira. A indiferença “que muitas vezes de forma sutil paralisa o nosso coração, torna o nosso olhar” opaco, nebuloso. O que Charles Taylor descreveu como a “proteção do eu”.

É como se a nossa pessoa vestisse uma tela, da qual e com a qual se proteger dos outros, daquela responsabilidade que os problemas do nosso tempo solicitam, à luz daquela paixão evangélica que o Senhor quer acender com a força do seu Santo Espírito em nosso coração.

Olhar para a realidade sem sonhar cidades ideais

Citando o teólogo luterano Dietrich Bonhoeffer e sua preocupação pela vida das gerações futuras, o abade Gianni sublinhou que deve estar em nosso coração a possibilidade de deixar para as novas gerações “um futuro melhor que o presente que vivemos, confiando nele, com um espírito radicalmente contrário à indiferença, mas todos movidos pela ardente participação”. Romano Guardini nos convidou ontem, recordou o beneditino, a acolher o futuro com responsabilidade “realizando-o o mais próximo possível junto com o Senhor”:

Olhar para a realidade evidentemente sem sonhar cidades ideais ou utópicas de nenhum tipo. A utopia não é uma perspectiva autenticamente evangélica. A Jerusalém celeste, que o visionário do Apocalipse contempla, não é uma utopia: é de fato o conteúdo de uma promessa real e confiável que o Senhor dá às suas igrejas na provação.

“A ação da Igreja e dos homens e mulheres de boa vontade”, esclareceu o abade Bernardo Francesco Maria Gianni, “acredito que seja realmente essa fecundidade gerada pela escuta obediente e apaixonada do Evangelho da vida” de Jesus. E a poesia de Mario Luzi, segundo o pregador, nos restitui a consciência “da tradição representada pelo fogo de seus antigos santos”. É aquela brasa que “com a santidade do tempo presente”, “pode realmente voltar a inflamar para ser uma luz de esperança na noite das cidades do nosso mundo”.

A erradicação da pessoa da vida da cidade

O abade de São Miniato ao Monte relatou as palavras de La Pira num encontro de prefeitos do mundo inteiro, em 2 de outubro de 1955: a crise do nosso tempo, disse o prefeito de Florença, “é uma crise de desproporção e desmedida em relação ao que é verdadeiramente humano”.

“A crise do nosso tempo pode ser definida como a erradicação da pessoa do contexto orgânico - isto é, vivo, conectivo - da cidade. Bem, essa crise só pode ser resolvida através de uma nova radicação, mais profunda, mais orgânica, da pessoa na cidade em que nasceu e em cuja história e tradição está organicamente inserida”.

Os remédios da beleza e medida

Deve ser vencida a tentação da indiferença, da “proteção de si”, da erradicação que também leva os homens da Igreja, a “sentirem-se estranhos, não interpelados pelo tecido vivo com as suas dificuldades, os  seus problemas, suas contradições, que são as cidades onde somos chamados a levar, seja qual for o custo, a Palavra de Deus, encarnando-a”. Por isso, o pregador propõe os medicamentos da beleza e da medida: “Uma dimensão coral contra todo individualismo, um grande testemunho que a Igreja não pode deixar de dar, com sua índole radicalmente fraterna”.

Santo Agostinho: amando a Deus nos tornamos belos

Santo Agostinho, comentando a Primeira Carta de São João, “nos lembra o que é a verdadeira beleza e como é recebida”. “Que fundamento”, diz Agostinho, “teremos para amar se Ele não nos tivesse amado por primeiro? Amando, tornamo-nos amigos, mas Ele nos amou quando éramos seus inimigos para nos tornar amigos”:

Novamente, a primazia de Deus, a anterioridade de seu agir, o nosso ser amados, ser feitos e ser decorados por sua beleza. Ele nos amou por primeiro e nos deu a capacidade de amá-lo: amando-o, nos tornamos belos.

Falar aos jovens da beleza, é a sua única medida

“Num mundo que olha muito para as aparências”, concluiu o pregador dos Exercícios ao Papa Francisco e à Cúria Romana, “a beleza é a única medida com a qual os jovens se aceitam e aceitam outros jovens”. Então, voltamos a Agostinho: “A nossa alma, irmãos, é feia por causa do pecado. Ela torna-se bonita amando a Deus”:

“Como seremos belos? Amando Ele que é sempre belo. Quanto mais cresce o amor em nós, cresce também a beleza, a caridade, de fato, a beleza da alma. No entanto, Agostinho reconhece que o Senhor Jesus, a fim de nos dar a sua beleza, também se tornou feio, e o fez na cruz, aceitando aquela mudança também em seu corpo.”

 

Comente

Exercícios espirituais: cultivemos saudáveis utopias, não as cinzas do mundo

Por
12 de março de 2019

Pinceladas de poesias, entremeadas com sonhos. O abade Bernardo Francesco Maria Gianni, que está propondo ao Papa Francisco e aos membros da Cúria romana as meditações para os exercícios espirituais, oferece copiosamente citações e invocações: um sopro delicado sobre as brasas da esperança e da confiança. O incansável construtor da paz Giorgio La Pira volta às suas reflexões, assim como a força evocativa da poesia de Mário Luzi e de Romano Gardini. Tudo orientado para propor um olhar evangélico sobre as cidades, para que possam se tornar “lugares ardentes de amor, de paz e de justiça”.

É o que nos faz celebrar Mário Luzi. A cidade que foi o sonho de Giorgio La Pira, é uma cidade na qual reavivar o fogo, para que a humanidade volte a contemplá-la com renovada esperança, reconhecendo-nos, como seguidamente tentamos dizer, um lugar onde passa o Senhor, um lugar visitado e visitável pelo Senhor.

Reavivar a chama do carisma de Deus

O beneditino olivetano, abade de São Miniato no Monte em Florença, recorda aos presentes que o fogo do amor de Jesus é confiado também ao “testemunho”, à “custódia” e à “paixão” de cada um. E este tempo da Quaresma permite reavivar o fogo que ficou menos ardente “por resignação, por hábito, por aquela “mornidão” justamente repreendida por importantes páginas do Apocalipse”.

É verdade, a Carta aos Romanos, capítulo 11 versículo 20 nos recorda: os dons e o chamado de Deus são irrevogáveis. Mas como podemos nos considerar dispensados da busca apaixonada do combustível necessário para manter acesa, ardente, e em crescimento a chama da vocação que recebemos?

A presunção de não precisar de nada

O abade alerta sobre a presunção de não “precisar de nada”, com o qual, frisa, “nos consideramos realmente dispensados de considerar seriamente e cuidar deste dom imenso que o Senhor nos doou”, com “uma vida de oração, de escuta da sua Palavra, alimentando-nos da santa e divina Eucaristia, vivendo uma fraternidade radical que derive da escuta da Palavra e da conformação à lógica eucarística com a qual a vida divina se abre entrando dentro de nós”. “E realmente se entra”, insiste, “misticamente com a força do Espírito Santo”.

Um sopro que é a força do Espírito Santo que se digna de passar através de nós, que se digna transformar as nossas fraquezas, as nossas fragilidades, tornando-nos capazes de reacender novamente aquela chama dos desejos ardentes.

A sinfonia das estações

Recordando mais uma vez as palavras do profeta da esperança Giorgio La Pira, o monge lembra que um homem pode “nascer quando é velho”: e isso acontece “se nos sentimos necessitados da necessidade e desejosos do desejo”, quando realmente participamos “a este evento pascal de um autêntico renascimento a partir do alto”.

E então trata-se de redescobrir que dentro de nós há uma sinfonia, há uma polifonia no espírito muito mais rica e articulada do que aquela que o tempo mecânico dos nossos relógios parecem nos sugerir. São Paulo na Segunda Carta aos Coríntios, usa palavras de extraordinária força evocativa e de grande verdade espiritual e antropológica: “Por isso, não desanimamos. Mesmo se o nosso físico vai se arruinando, o nosso interior, pelo contrário, vai-se renovando dia a dia”.

Resistir às cinzas do mundo

Portanto, não se deve se render “às cinzas dentro e fora de nós” porque esta “segunda criação pode se realizar em cada homem, através de cada palavra, através de cada acontecimento”.

Uma perspectiva que a mim parece restituir à condição humana uma dignidade à qual não se deve banalmente se congratular com uma auto referencialidade pecaminosa. Pelo contrário, leva-a a uma inquietude que gere Páscoa por tudo e de qualquer modo em uma perspectiva que decidimos contemplar no espaço da convivência citadina, porque advertimos que principalmente ali, está reunida a grande tentação de se reconhecer só e somente como cinza inerte, fruto de uma combustão que deflagrou as esperanças e os sonhos principalmente - permitam-me dizer – das novas gerações.

A partir disso a importância de não buscar “resultados imediatos que produzam rendimentos políticos fáceis, rápidos e efêmeros”, mas ações capazes de gerar “novos dinamismos na sociedade”, capazes de dar plena floração ao ser humano.  

A possibilidade de um novo início

Certamente a vida é “hábito, como uma constrição, como um relógio”, mas há sempre “o momento da decisão”: e esta é a “força do início”, a “força da novidade” que “nasce do espírito, do coração”. Na escolha ganha intensidade a liberdade do homem, que deveria se plasmar no exemplo de Cristo ao invés de dar “atenção às pessoas desiludidas e infelizes”, a “quem recomenda cinicamente de não cultivar esperanças na vida”, a quem “derrota logo todo o entusiasmo dizendo que nada vale o sacrifício de uma vida toda”.

Não ouçamos os “velhos” de coração que sufocam a euforia juvenil; vamos aos velhos que têm os olhos que brilham de esperança. Cultivemos saudáveis utopias. Deus nos quer capazes de sonhar como Ele e com Ele enquanto caminhamos atentos à realidade. Sonho, fogo, chama. Sonhar um mundo diverso e se um sonho se apaga voltar a sonhá-lo de novo, extraindo com esperança da memória das origens, e das brasas que talvez depois de uma vida não tão boa, estejam escondidas sob as cinzas do primeiro encontro com Jesus.

 

LEIA TAMBÉM: Papa Francisco: na Quaresma, pedir a graça da coerência e deixar de ser hipócrita

Comente

Papa Francisco: na Quaresma, pedir a graça da coerência e deixar de ser hipócrita

Por
08 de março de 2019

Peçamos esta graça na Quaresma: a coerência entre o formal e o real, entre a realidade e as aparências: palavras do Papa Francisco na homilia desta sexta-feira (08/03), ao celebrar a missa na capela da Casa Santa Marta. O Pontífice inspirou sua reflexão no trecho extraído do livro do profeta Isaías.

A alegria da penitência

A simplicidade das aparências deveria ser redescoberta sobretudo no período da Quaresma, através do exercício do jejum, da esmola e da oração. Os cristãos, de fato, deveriam fazer penitência mostrando-se alegres; ser generosos com quem se encontra na necessidade sem “tocar os tambores”; dirigir-se ao Pai quase “escondido”, sem buscar a admiração dos outros. No tempo de Jesus, explicou o Papa, o exemplo era nítido na conduta do fariseu e do publicano; hoje, os católicos se sentem “justos” porque pertencem a certa “associação”, vão à “missa todos os domingos” e não são “como aqueles pobretões que não entendem nada”.

As pessoas que buscam as aparências jamais se reconhecem pecadores e se você disser a elas: “Mas você também é pecador!” – “Mas sim, todos temos pecados!”, e relativizam tudo e voltam a se tornar justos. Buscam até aparecer com cara de santinhos: tudo aparência. E quando existe esta diferença entre a realidade e a aparência, o Senhor usa o adjetivo: “Hipócrita”.

A hipocrisia dos "profissionais da religião"

Cada pessoa é tentada pelas hipocrisias e o tempo que nos conduz à Páscoa pode ser ocasião para reconhecer as próprias incoerências, para identificar as camadas de maquiagem de modo a “esconder a realidade”. Francisco insistiu no aspecto da hipocrisia, um tema que emergiu com força durante a XV Assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos sobre o tema: “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”. Os jovens, afirmou, ficam impressionados com aqueles que buscam aparecer, mas depois se comportam consequentemente, sobretudo quando esta hipocrisia é vivida por “profissionais da religião”. O Senhor, ao invés, pede coerência.

Muitos cristãos, mesmo católicos, que se dizem católicos praticantes, como exploram as pessoas! Como exploram os operários! Como os mandam para casa no início do verão para readmiti-los no final, de modo que não têm direito à aposentadoria, não têm direito de ir avante. E muitos deles se dizem católicos: vão à missa no domingo… mas agem assim. E isso é pecado mortal! Quantas pessoas humilham seus operários...

Beleza da simplicidade

Neste tempo da Quaresma, o Pontífice convidou os fiéis a redescobrirem a beleza da simplicidade, da realidade que “deve estar unida à aparência”.

Peça ao Senhor a força e vai humildemente avante, com aquilo que pode. Mas não maquie a alma, porque, se fizer isso, o Senhor não o irá reconhecer. Peçamos ao Senhor a graça de sermos coerentes, de não sermos vaidosos, de não aparecer mais dignos daquilo que somos. Peçamos esta graça nesta Quaresma: a coerência entre o formal e o real, entre a realidade e as aparências.

Comente

Quaresma 2019: converter-nos para fazer da criação um jardim, não um deserto

Por
26 de fevereiro de 2019

O tema da criação inspirou a mensagem do Papa Francisco para a Quaresma de 2019.

O texto foi divulgado esta terça-feira (26/02) na Sala de Imprensa da Santa Sé, com o título “A criação encontra-se em expectativa ansiosa, aguardando a revelação dos filhos de Deus”, extraído de Romanos 8,19.

O Pontífice oferece algumas propostas de reflexão para acompanharem o caminho de conversão nesta Quaresma.

 

A redenção da criação

O Pontífice destaca que a criação se beneficia da redenção do homem quando este vive como filho de Deus, isto é, como pessoa redimida. Neste mundo, porém, adverte Francisco, “a harmonia gerada pela redenção continua ainda – e sempre estará – ameaçada pela força negativa do pecado e da morte”.

 

A força destruidora do pecado

Com efeito, prossegue o Papa, quando não vivemos como filhos de Deus, muitas vezes adotamos comportamentos destruidores do próximo, das outras criaturas, mas também de nós mesmos. Isso leva a um estilo de vida que viola os limites que a nossa condição humana e a natureza nos pedem para respeitar, seguindo desejos incontrolados.

“ Se não estivermos voltados continuamente para a Páscoa, para o horizonte da Ressurreição, é claro que acaba por se impor a lógica do tudo e imediatamente, do possuir cada vez mais. ”

A aparição do mal no meio dos homens interrompeu a comunhão com Deus, com os outros e com a criação, a ponto de o jardim se transformar num deserto.
Trata-se daquele pecado que leva o homem a considerar-se como deus da criação, explica o Papa, a sentir-se o seu senhor absoluto. Quando se abandona a lei de Deus, a lei do amor, acaba por se afirmar a lei do mais forte sobre o mais fraco.

“O pecado, manifestando-se como avidez, ambição desmedida de bem-estar, desinteresse pelo bem dos outros – leva à exploração da criação (pessoas e meio ambiente), movidos por aquela ganância insaciável que considera todo o desejo um direito e que, mais cedo ou mais tarde, acabará por destruir inclusive quem está dominado por ela.”

 

A força sanadora do arrependimento e do perdão

Por isso, a criação tem impelente necessidade que se revelem os filhos de Deus. E o caminho rumo à Páscoa chama-nos precisamente a restaurar a nossa fisionomia e o nosso coração de cristãos, através do arrependimento, a conversão e o perdão, para podermos viver toda a riqueza da graça do mistério pascal.

A Quaresma chama os cristãos a encarnarem, de forma mais intensa e concreta, o mistério pascal na sua vida pessoal, familiar e social, particularmente através do jejum, da oração e da esmola.

Jejuar, isto é, aprender a modificar a nossa atitude para com os outros e as criaturas: passar da tentação de «devorar» tudo para satisfazer a nossa voracidade, à capacidade de sofrer por amor, que pode preencher o vazio do nosso coração. Orar, para saber renunciar à idolatria e à autossuficiência do nosso eu, e nos declararmos necessitados do Senhor e da sua misericórdia. Dar esmola, para sair da insensatez de viver e acumular tudo para nós mesmos.

“ Queridos irmãos e irmãs, a ‘quaresma’ do Filho de Deus consistiu em entrar no deserto da criação para fazê-la voltar a ser aquele jardim da comunhão com Deus. Que a nossa Quaresma seja percorrer o mesmo caminho, para levar a esperança de Cristo também à criação. ”

“Não deixemos que passe em vão este tempo favorável!”, é o apelo final do Papa.

Comente

Papa na Liturgia Penitencial: há um longo caminho pela frente

Por
23 de fevereiro de 2019

No final do terceiro dia do Encontro sobre a Proteção dos Menores na Igreja, o Papa Francisco presidiu na Sala Regia do Palácio Apostólico, uma Liturgia Penitencial na presença dos presidentes das Conferências Episcopais de todo o mundo. Eis suas palavras:

“Irmãos e irmãs, 

todos conhecemos a Parábola do Filho Pródigo. Nós a contamos frequentemente e frequentemente fizemos homilias sobre ela.  Nas nossas congregações e nas nossas comunidades a consideramos nada mais que óbvia: declama-se aos pecadores para induzi-los ao arrependimento. Talvez tenha se tornado um hábito tão comum, que esquecemos algo importante. Esquecemos rapidamente de aplicar essa Escritura para nós mesmos, de nos ver pelo que somos, ou seja filhos pródigos.  

Precisamente como o filho pródigo do Evangelho, pedimos nossa parte da herança, ganhamo-la e agora a estamos esbanjando com muito desempenho. Essa crise dos abusos é uma expressão disso. O Senhor nos confiou a administração dos bens da salvação, Ele confia e acredita que nós vamos cumprir Sua missão, que vamos proclamar a Boa Nova e vamos construir a estabelecer o Reino de Deus.

Muito pelo contrário, o que fazemos? Fazemos jus ao que nos foi confiado? Nós não poderíamos responder a essa pergunta com um "sim" honesto, não se tem dúvida disso. 

Frequentemente ficamos por demais parados, olhamos para outro lado, evitamos conflitos - estávamos demasiadamente confortáveis para nos confrontarmos com o lado escuro da Igreja.  Traímos portanto a confiança  em nós depostiada, de modo especial em relação ao abuso no âmbito da responsabilidade da Igreja, que é substancialmente nossa responsabilidade. Não garantimos às pessoas a proteção que elas têm direito de ter, destruímos a esperança e as pessoas foram brutalmente violadas no corpo e no espírito.

O filho pródigo do Evangelho perde tudo: não apenas sua herança, mas também seu estado social, sua boa posição, sua reputação. Não seria de se admirar se coubesse a nós um destino semelhante, se as pessoas falam mal de nós, se há desconfiança em nós, se alguns ameaçam retirar seu apoio moral. Não devemos reclamar por causa disso: mais do que isso, precisaríamos nos perguntar o que deveríamos fazer diferente. Ninguém pode se furtar, ninguém pode dizer: mas eu pessoalmente não fiz nada de mal. Nós somos irmãos (no episcopado) e não somos responsáveis apenas por nós mesmos, mas também por cada membro da fraternidade e pela própria fraternidade.

O que precisamos fazer de modo diferente e por onde precisamos começar? Olhemos mais uma vez o filho pródigo do Evangelho. Para ele a situação começa a melhorar ao resolver ser muito humilde, desempenhar cargos muito simples e não pretender nenhum privilégio. Sua situação muda quando ele se reconhece e admite ter cometido um erro, ele confessa isso ao Pai, fala com ele abertamente e está pronto para sofrer as consequências disso. Deste modo, o Pai experimenta a grande alegria pela volta do seu filho pródigo e ajuda a fazer com que os irmãos se ajudem mutuamente. 

Seremos capazes de fazer isso? Desejaremos fazer isso? O atual encontro vai desvendar isso, deve desvendá-lo, se quisermos demonstrar que somos dignos filhos do Senhor, nosso Pai celeste. Como ouvimos e discutimos hoje e nos dois dias precedentes, isso implica assumirmos responsabilidades, mostrarmos a accountability (a obrigação de se dar conta daquilo que se faz) e instituirmos a transparência.

O caminho à nossa frente para implementarmos de verdade tudo isso de modo sustentável e apropriado é longo. Conseguimos progressos variados caminhando com velocidades diferentes. O encontro atual foi somente um passo entre muitos. Não acreditemos que apenas porque começamos a trocar algo entre nós, todas as dificuldades tenham sido eliminadas. E como para o filho do Evangelho que volta para casa, nem tudo está resolvido – quanto mais não seja, ele vai precisar reconquistar seu irmão. Nós precisamos fazer a mesma coisa: precisamos reconquistar nossos irmãos e irmãs nas congregações e nas comunidades, reconquistar sua confiança e conseguir novamente sua disponibilidade para colaborarem conosco, para estabelecermos juntos o Reino de Deus".

Testemunho

 

Durante a liturgia penitencial, também um testemunho:

O abuso, de qualquer tipo, é a maior humilhação que um indivíduo possa sofrer. É preciso confrontar com a consciência de que não se pode defender contra a força superior do agressor. Você não pode escapar do que acontece, mas você tem que suportar, não importa o quão ruim seja. Quando se vive o abuso, gostaríamos de acabar com tudo. Mas isso não é possível.

Gostaria de escapar, então acontece que você não é mais si mesmo. Gostaria de fugir tentando escapar de si mesmo. Assim, com o tempo, a pessoa fica completamente sozinha. Você está sozinho, porque se retirou para outro lugar e não pode ou não quer voltar para si mesmo. Quanto mais acontece, menos você retorna a si mesmo. Você é outra pessoa e sempre permanecerá assim. O que você carrega dentro é como um fantasma, que os outros não são capazes de ver. Nunca verão você e não conhecerão você completamente. O que mais magoa é a certeza de que ninguém vai entender você. E isso fica com você pelo resto da vida.

As tentativas de retornar ao verdadeiro eu e de participar do mundo "precedente", como antes do abuso, são tão dolorosas quanto o próprio abuso. Você sempre vive em dois mundos ao mesmo tempo. Eu gostaria que os agressores pudessem entender que criam essa divisão nas vítimas. Pelo resto de nossas vidas.

Quanto maior o seu desejo e as suas tentativas de reconciliar esses dois mundos, mais dolorosa é a certeza de que isso não é possível. Não há sonho sem lembranças do que aconteceu, nenhum dia sem recordações (flashbacks).

Agora consigo administrar melhor essa situação, aprendendo a viver com essas duas vidas. Eu tento me concentrar sobre o meu direito divino de estar vivo. Eu posso e devo estar aqui. Isso me dá coragem. Acabou agora. Eu posso continuar. Eu tenho que continuar. Se eu desistisse agora ou parasse, eu deixaria que essa injustiça interferisse na minha vida. Eu posso evitar que isso aconteça aprendendo a controlá-lo e aprendendo a falar sobre isso.

Exame de consciência

 

A Parábola do Pai misericordioso nos mostra que Deus oferece o perdão e uma esperança futura. O Filho que deixou o Pai, porém, não pode permanecer longe, mas deve reconhecer sua culpa, arrepender-se e retornar ao Pai.

Durante três dias, conversamos entre nós e ouvimos as vozes das vítimas sobreviventes sobre os crimes que as crianças e os jovens sofreram na nossa Igreja. Perguntamos um ao outro: como podemos agir com responsabilidade e quais são as medidas que precisamos tomar agora? Mas para enfrentar o futuro com nova coragem, devemos dizer, como o filho pródigo: "Pai, pequei". Devemos avaliar onde há necessidade de ações concretas para as Igrejas locais, para os membros de nossas Conferências Episcopais, para nós mesmos. E isso exigirá de nossa parte uma visão honesta da situação em nossos países e de nossas ações.

Que abusos foram cometidos contra crianças e jovens por clérigos e outros membros da Igreja em meu país? O que eu sei sobre as pessoas da minha diocese que foram abusadas e violentadas por padres, diáconos e religiosos? Como a Igreja em meu país respondeu àqueles que foram submetidos a abusos de poder, consciência e abuso sexual? Que obstáculos colocamos na frente deles? Nós os ouvimos? Nós procuramos ajudá-los? Procuramos justiça para eles? Eu mantive minhas responsabilidades?

Na Igreja do meu país, como nos comportamos com os bispos, sacerdotes, diáconos e religiosos acusados de abuso sexual? Como tratamos aqueles cujos crimes foram estabelecidos? E o que eu pessoalmente fiz para evitar essa injustiça e estabelecer justiça? O que eu deixei de fazer? Que atenção demos em nosso país às pessoas cuja fé foi abalada e às pessoas que sofreram e foram indiretamente feridas e afetadas por tais horríveis eventos? Há ajuda para famílias e parentes de pessoas que foram abusadas? Ajudamos pessoas nas paróquia onde o acusado e os criminosos estavam trabalhando? Eu me permiti acompanhar os sofrimentos dessas pessoas? Que medidas adotamos em nosso país para evitar uma nova injustiça? Trabalhamos para sermos coerentes em nossas ações? Fomos coerentes? Na minha diocese, fiz todo o possível para fazer justiça e aliviar as feridas das vítimas e das pessoas que sofrem por causa delas? Eu negligenciei o que é importante?

 

Comente

Páginas

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.