Espiritualidade

O Bom Pastor

Os escritos bíblicos brotam de uma forte experiência com a realidade rural, do cultivo da terra, do plantio das sementes, da chuva, do sol, dos campos e de tantas outras expressões que revelam a grandeza e a beleza da criação. Com isso, buscam mostrar como Deus vai se revelando em nossa história. A bela imagem do pastor com o seu rebanho, muito usada pelos profetas, é um dos retratos mais comuns e reveladores da experiência de fé do povo de Israel.

“O Senhor é meu pastor e nada me faltará.” Acredito que este versículo do Salmo 22 (23) seja um dos textos mais conhecidos, revelando a confiança das ovelhas em seu pastor, mesmo que surpreendidas em meio à escuridão. Em outra passagem, mostra também o sofrimento do inocente perseguido por opressores que querem matá-lo. Foragido e cansado, encontra hospitalidade em uma tenda onde se refugia, sendo-lhe oferecido banho, óleo perfumado e banquete festivo; seus perseguidores, porém, são humilhados. Reproduzindo, assim, a imagem de um Deus que dá segurança e proteção aos indefesos como o pastor que protege o seu rebanho.

O profeta Natã conta ao rei Davi a bela parábola de dois homens: um rico e um pobre. “O pobre não tinha nada, somente uma pequena ovelha que havia comprado. Ele a criara, e ela tinha crescido com ele e com seus filhos. Ela comia do seu pão e bebia da sua taça. Dormia em seu colo e era para ele como uma filha. Um viajante foi ao homem rico e este se recusou a tomar uma de suas ovelhas ou algum de seus bois e prepará-los para o peregrino que tinha vindo a ele. Pegou, então, a ovelha do homem pobre e a preparou para o homem que o visitava” (2Sm 12,1-4). Esta passagem foi escrita para denunciar o rei Davi, que tentou encobertar um grave erro pessoal ao enviar propositalmente um de seus combatentes para morrer na guerra. O poder já lhe tinha subido à cabeça e o bem do povo foi ficando de lado, interessando-lhe somente gozar das mordomias do poder. O clamor sobe aos céus quando os grandes se aproveitam da fragilidade das ovelhas e dos pobres para engordar e aumentar o seu rebanho, já gordo e numeroso.

O profeta Ezequiel escreve: “Ai dos pastores de Israel que são pastores de si mesmos! Não é do rebanho que os pastores deveriam cuidar? Vocês bebem o leite, vestem a lã, sacrificam as ovelhas gordas, mas não cuidam do rebanho. Vocês não procuram fortalecer as ovelhas fracas, não curam as que estão doentes, não tratam as feridas daquelas que sofrem fratura, não trazem de volta aquelas que se desgarraram e não procuram aquelas que se extraviaram. Pelo contrário, vocês dominam sobre elas com violência e opressão” (Ez 34,2-4). É uma grave denúncia contra quem tem a responsabilidade de cuidar, proteger e direcionar o povo, contudo usa o poder que tem para sugar o máximo do rebanho já fragilizado. Hoje, o povo clama por pastores cuidadores, que não o deixe à mercê da própria sorte diante da doença e da fome.

O Evangelho está repleto de citações que reproduzem a imagem do Pastor entregue aos cuidados do seu rebanho: Jesus é o Bom Pastor. Como narra São Marcos, depois de um dia cansativo, Jesus chama os discípulos para um momento de descanso, entram numa barca e se dirigem a um lugar afastado. “No entanto, muitos os viram partir e, sabendo disso, foram até lá a pé e chegaram antes deles. Ao descer da barca, Jesus viu uma grande multidão e se encheu de compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor. E começou a ensinar- -lhes muitas coisas” (Mc 6,33-34). São Lucas também fala de um pastor, aquele que deixou as 99 ovelhas no deserto e foi atrás de apenas uma que havia se perdido. “Quando a encontra, todo alegre, coloca- -a nos ombros e, de volta para casa, chama os amigos e vizinhos, e lhes diz: ‘Alegrem- -se comigo, porque encontrei minha ovelha perdida’” (Lc 15,6).

O próprio Jesus se revela como pastor, aquele que tem grande empatia com suas ovelhas, pois conhece cada uma pelo nome e elas o conhecem pela voz. Ele entra pela porta do redil e se torna a porta pela qual as ovelhas podem sair, diferentemente dos ladrões e assaltantes que entram pelos fundos para matar, roubar e destruir (Jo 10). Acima de tudo está o cuidado pela vida! Como Bom Pastor, sempre foi visto pensando nos mais frágeis: nas crianças, nos doentes, nos pobres, nos pecadores, nos estrangeiros e em tantos outros.

A mística que envolve a atuação do Bom Pastor nos remete à mística do cuidado. Tudo o que existe precisa de cuidados: um animal, uma planta, uma criança, um idoso, um enfermo. A vulnerabilidade da vida está escancarada diante dos nossos olhos, especialmente hoje, quando nos sentimos inseguros diante da possibilidade do contágio pela COVID-19. Além dos cuidados e atitudes necessários no enfrentamento desta pandemia, faz-se necessário conservar o rebanho unido. Das lideranças depende a aproximação ou a dispersão. O verdadeiro pastor não abandona o seu rebanho. Sejamos, portanto, pastores corajosos à semelhança de Jesus, que, sendo Pastor, se fez cordeiro e se deixou imolar para assumir os nossos pecados.

Que as palavras do apóstolo Paulo despertem em nós a sensibilidade de cuidarmos uns dos outros: “Tratamos vocês com bondade, qual mãe aquecendo os filhos que amamenta. Tínhamos tanto carinho por vocês, que estávamos dispostos a dar-lhes não somente o Evangelho de Deus, mas até a nossa própria vida, tão amados vocês se tornaram para nós” (1Ts 2,7-8).

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