Encontro com o Pastor

Sínodo para a Amazônia: reavivar a chama do dom recebido

No dia 6 de outubro, primeiro domingo do “Mês Missionário Extraordinário”, o Papa Francisco fez a abertura da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Amazônia. A assembleia se estenderá por três semanas, até dia 27 de outubro. A circunstância não podia ser mais significativa: o Papa estava rodeado pelos cardeais novos, “criados” no dia anterior, e de boa parte dos demais membros do Colégio Cardinalício, além dos bispos e demais participantes da assembleia sinodal especial. A Basílica de São Pedro estava repleta de gente de todas as raças, línguas e nações do mundo: uma bela amostra da Igreja missionária!

Francisco fez uma homilia muito significativa, baseada na segunda leitura do domingo (cf. 2Tm 1,6-8.13-14). Com referência ao mês missionário, refletiu sobre a recomendação de São Paulo ao jovem discípulo Timóteo, já encarregado como “epíscopo” (bispo) de tomar o cuidado de comunidades cristãs: “Exorto-te a reavivar a chama do dom que recebeste pela imposição das minhas mãos”. A Igreja recebeu um dom, como se fosse uma chama de amor e entusiasmo, que não devemos deixar esfriar em nós. Todo trabalho missionário começa por aí: a consciência do dom recebido por graça de Deus: a fé, o Batismo, a graça da salvação, o Evangelho como luz e caminho de vida nova no Espírito de Cristo, o patrimônio espiritual da vida da Igreja...

De fato, como já fez no final da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (2014) e em várias outras ocasiões, o Papa sinalizou que a nova evangelização depende de evangelizadores com “novo espírito”. É vinho novo que precisa de odres novos. A ação missionária renovada, tão necessária na Igreja de hoje, não depende tanto da mudança de estruturas, mas de um espírito novo na Igreja, sobretudo da renovação da fé e da consciência do dom precioso que recebemos. É isso também que se quer dizer com a “conversão pastoral e missionária”, enfocada pelo nosso sínodo arquidiocesano.

Quando há pouco entusiasmo no exercício do ministério sacerdotal, pouca participação na vida da comunidade paroquial, celebrações sem alegria e “unção espiritual”, poucos batizados, poucas crianças e adolescentes na catequese, ausência quase total de jovens na paróquia, poucos ou quase nenhum casamento religioso, é preciso se perguntar: o que acontece? Morreu a chama do dom recebido? Esquecemos ou valorizamos pouco esse dom? E então é a hora de ouvir a exortação de São Paulo a Timóteo e a todos nós: “Renova em ti o dom que recebeste”. É este também o propósito do “Mês Missionário Extraordinário”, que estamos vivendo. Algumas paróquias, comunidades e organizações eclesiais já abraçaram com entusiasmo esse apelo do Papa Francisco. Outras, talvez, nem tanto. Queira Deus que ninguém tenha desprezado esse apelo.

Mas o Papa, na sua homilia, não se dirigia à Igreja apenas de modo genérico, mas falava aos cardeais, bispos e sacerdotes, presentes em grande número na Basílica de São Pedro para a abertura do Sínodo Pan-Amazônico. Falava de “reavivar a chama” da ordenação para o ministério ordenado e o encargo missionário recebido por todos. E explicou que a palavra de Paulo a Timóteo lembra literalmente a ação de soprar para acender novamente o fogo, que está se apagando, ou já está apenas escondido debaixo das cinzas. De fato, Paulo refere-se à imposição das mãos, gesto de transmissão do ministério ordenado. E o Papa falou do reavivamento missionário na grande Amazônia, onde por séculos estiveram trabalhando muitos missionários dedicados e abnegados, que deram tudo de si para levar o Evangelho da vida aos povos da grande Amazônia. Esse “fogo missionário”, que vem do Espírito Santo, precisa ser aceso novamente no coração dos missionários de hoje. Novos caminhos para a missão precisam ser encontrados, para responder aos desafios atuais na Amazônia.

O contrário disso seria se resignar e deixar que esse fogo missionário se apague, permitindo que o “fogo” das paixões desordenadas tome conta da Amazônia, levando morte e destruição àqueles povos e à natureza da Amazônia. “Deus não nos deu um espírito de timidez, mas de fortaleza, amor e sobriedade”, diz São Paulo a Timóteo. Pois é nesse espírito que se abre o Sínodo para a grande Amazônia. Que o Espírito de Deus ilumine os trabalhos da assembleia sinodal e reacenda a chama missionária na grande Amazônia!

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Publicado em O SÃO PAULO, na edição de 09/10/2019

LEIA TAMBÉM: Minha história missionária

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.