Fé e Cidadania

Misericórdia para a Amazônia

No Sínodo para a Amazônia, há duas vias capazes de “dar uma resposta renovada às diferentes situações e a procurar novos caminhos que possibilitem um kairós para a Igreja e o mundo” (Instrumentum Laboris, 147): são as vias da Beleza (via pulchritudinis: cf. Francisco, Evangelii Gaudiun, 167) e da Misericórdia, que se unificam no dinamismo da liturgia cósmica, a qual, só ela, tem a virtude de conferir a devida tensão pascal, missionária e escatológica às novas formas de evangelização daquela porção do povo de Deus, de modo a se estenderem à Igreja universal.

Com a expressão “liturgia cósmica”, cara a Joseph Ratzinger, Hans Urs von Balthasar definiu a doutrina de um Padre da Igreja do Oriente tardio, São Máximo, o Confessor: “Jesus Cristo é o ponto de referência que dá luz a todos os demais valores. Ele constitui o ponto de chegada do testemunho deste grande Confessor. E, assim, no final, Cristo indica-nos que o cosmos deve tornar-se liturgia, glória de Deus, e que a adoração é o início da verdadeira transformação, da genuína renovação do mundo” (Bento XVI, Audiência Geral, 25/06/2008).

O Sínodo é “filho” da encíclica social Laudato Si’ (LS), afirmou o Papa Francisco em entrevista a La Stampa (09.08.2019), o que nos remete à encíclica quanto aos sinais sacramentais (LS,233 ss): “Unido ao Filho encarnado, presente na Eucaristia, todo o cosmos dá graças a Deus. Com efeito, a Eucaristia, por si mesma, é um ato de amor cósmico. [...] O mundo, saído das mãos de Deus, volta a Ele em feliz e plena adoração: no Pão Eucarístico, ‘a criação propende para a divinização, para as santas núpcias, para a unificação com o próprio Criador’. Por isso, a Eucaristia é também fonte de luz e motivação para as nossas preocupações pelo meio ambiente, e leva-nos a ser guardiões da criação inteira” (LS,236).

Em “O Sínodo para a Amazônia” (São Paulo: Paulus, 2019, p.54), o Cardeal Cláudio Hummes, Relator-geral do Sínodo, ao lançar a pergunta de como inculturar nessas Igrejas locais o “rosto amazônico”, recordou Bento XVI, na Encíclica Deus Caritas Est, 25: “A natureza íntima da Igreja exprime-se num tríplice dever: anúncio da Palavra de Deus, celebração dos Sacramentos, serviço da caridade”. Mas isso precisa ser compreendido no dinamismo da economia sacramental, pois, no seu documento sobre a Eucaristia, o próprio Papa esclareceu: “Pretendo colocar esta Exortação na linha da minha primeira Carta Encíclica, na qual várias vezes falei do sacramento da Eucaristia pondo em evidência a sua relação com o amor cristão, tanto para com Deus como para com o próximo” (Sacramentum Caritatis, 5), isto na perspectiva – enfatizou – do mistério acreditado, celebrado e vivido.

Visando a este Ágape, o Cardeal Hummes dedicou o capítulo 17 do seu livro a “Uma Igreja misericordiosa”: “Na Amazônia, é fundamental encontrar o caminho da misericórdia, sobretudo para com os povos indígenas. A misericórdia deve prevalecer sobre estruturas rígidas, disciplina, hábitos e leis. Do contrário, como encontrar ‘novos caminhos’?” (p. 75). De fato, é necessário ingressar num novo tempo da misericórdia, do culto e da cultura, para atender à finalidade da Laudato Si’ quanto à ecologia integral (LS,137 ss), espiritualidade ecológica, conversão ecológica e sinais sacramentais (cf. LS,202 ss). 
 

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