Opinião

Para evitar que a lama cubra mais vidas

O professor Aristides Rocha, da Faculdade de Saúde Pública da USP, sempre dizia que os problemas que envolvem as questões da água são dois: ganância e ignorância. Em um artigo escrito para o livro “Água – Esperança e Futuro”, publicado por ocasião da Campanha da Fraternidade 2004, o professor pondera que o ser humano tem uma percepção natural da importância da água. Daí as cidades se formarem às margens ou na proximidade de rios. Infelizmente, essa condição de morar perto da água que preserva a vida pode também trazer a morte, a partir do momento que poluímos, provocando enchentes, ou nos colocamos no caminho das águas com barragens que se rompem. Só aprendemos com as catástrofes (naturais ou não) e à custa de muita perda de vidas.

Essas perdas poderiam ser evitadas se não houvesse a ganância e a ignorância, como lembra o professor. A ganância gera corrupção, ausência de fiscalização e ausência de soluções técnicas mitigatórias desses desastres. A ignorância não avalia nem questiona os riscos potenciais de ações irresponsáveis do ponto de vista socioambiental.

Barragens de rejeitos como a de Brumadinho foram construídas na década de 1970. A evolução tecnológica e legislativa, os novos conceitos de responsabilidade socioambiental e o aumento da população deveriam ter obrigado os seus gestores, privados e públicos, a terem guarnecido de segurança esses depósitos de rejeitos minerais e investido na manutenção para preservação da vida humana e do ambiente. Mas isso custa caro. Após oito anos da sua promulgação, a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), que é a lei com o objetivo de garantir que padrões de segurança de barragens sejam seguidos, pouco tem servido até agora.

Três fatores sociais nos movem: lei, moral e cultura. Comportamo-nos por medo da lei, pelo código de conduta moral que aprendemos em casa e pela cultura – aprovação ou desaprovação social. Cadê a lei? A corrupção comeu. Cadê o código de conduta moral ou a desaprovação da população? Perdeuse na ignorância. Devemos tentar harmonizar a lei, a moral e a cultura entre os atores públicos e privados para adotarmos um comportamento sustentável. No caso das barragens, Ministério Público, Ministério do Meio Ambiente, Ministério das Minas e Energia, entidades de classe das mineradoras, dos engenheiros responsáveis pelos laudos técnicos, sociedade civil organizada e a Defesa Civil teriam que estar alinhados com a lei que regulamenta a segurança de barragens. Por outro lado, as lideranças municipais das comunidades dos entornos precisam ser informadas e entender/perceber quais os procedimentos que os responsáveis pelas barragens estão tomando para sua segurança.

Tais barragens poderiam até não mais existir se as pesquisas para aproveitamento sustentável desses rejeitos fossem mais apoiadas e utilizadas. Fernando Lameiras, pesquisador do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), por exemplo, estuda o uso desse lodo para a fabricação de tijolos.

Precisamos desarmar essas verdadeiras bombas, que deveriam estar submetidas ao Plano de Segurança de Barragens. Não podemos continuar reféns de sirenes de alerta que não funcionam ou sacrificar vidas humanas. Infelizmente, após cada catástrofe como a de Mariana e Brumadinho, presenciaremos mães, pais, esposas, maridos implorando por notícias dos seus familiares sepultados pela lama que cobre as nossas mentes.

Gilmar Altamirano é especialista em Meio Ambiente e Sociedade e presidente da OSC Universidade da Água.
 

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