Fé e Cidadania

Não matarás!

A Tailândia impressionou o mundo todo há poucos dias com o emocionante resgate de um grupo de jovens e seu professor. Um ato heroico em favor da vida. No entanto, nesse mesmo país, há pouco mais de um mês, foi executado, por força de decisão tomada pelo Poder Judiciário, um homem de 26 anos que matara um jovem para roubar-lhe o aparelho celular. 

Sei que, decerto, muitos de nós aplaudiram e se emocionaram com um dos casos. O problema está em que alguém pode ter pensado, quando tomou conhecimento do outro caso: “Bem feito! Quem manda praticar crime tão banal, tirando a vida de um jovem inocente, para ficar com um objeto supérfluo”. 

É bem verdade, todavia, que, depois da ira inicial passar, a imensa maioria de nós, justamente quem tiver a consciência bem formada, refletirá e dirá: “pensando bem, tudo justifica a luta heroica para a salvação de um grupo de jovens e nada justifica a barbárie da pena de morte, em nenhuma hipótese, por pior que seja o crime”. 

Incumbe à sociedade envidar os melhores esforços para intentar a recuperação daquele que delinquiu, mesmo em situações de reincidência. A ninguém, absolutamente a ninguém, deve ser denegada outra chance, outro recomeço! 

Por mais fútil ou torpe que tenha sido a motivação, é enorme a possibilidade de que o acusado caia em si e se comprometa perante a comunidade a voltar ao caminho do bem. 

Enquanto punição exemplar, também nada justifica a pena de morte. Para que servisse de exemplo, teria que atingir todos os que praticam o mal em maior ou menor escala: os que deixam morrer sem atendimento a quem procura os prontos-socorros e hospitais; os que defraudam a merenda escolar; os que causam acidentes graves por dirigirem embriagados e assim por diante. 

O que há de novo e grave nesse tema que, vira e mexe, retorna ao debate, é o fato do mesmo ter sido incluído como pauta do debate eleitoral brasileiro da atualidade. Há quem defenda a introdução da pena de morte no Brasil, por meio de formal apresentação de projeto de lei. Contudo, há mais: há quem defenda que matar certos tipos de delinquentes pode ser admitido em certos casos mais graves. 

Parece incrível que, quase todos os dias, se ouve o clamor pela aplicação de penas mais duras para os delinquentes. E o discurso a favor da pena de morte sobe de tom. 

Cerca de 150 países possuem moratória ou já aboliram a pena de morte. E há aqueles que embora registrem a pena em seus normativos não a aplicaram jamais.

Na legislação dos direitos humanos, quatro tratados estipulam a abolição da medida extrema. Mesmo sem interferir na autonomia dos estados que a integram, a Assembleia Geral da ONU, em junho do ano passado, mais uma vez, recomendou a moratória do uso da pena capital. 

Fica aqui, a conhecida advertência bíblica: “Não matarás!” (Ex 20,13). A vida é um dom sagrado, ninguém pode arrogar-se à prerrogativa de tirá-la e nenhum processo é meio moralmente legítimo para intentar contra esse dom. 

Nessa perspectiva, podemos entender todo o significado da recente alteração feita pelo Papa Francisco no Catecismo da Igreja Católica (n.2267), para tornar mais explícita a condenação do Magistério à pena de morte. 

 
Wagner Balera é professor titular de Direitos Humanos na Faculdade de Direito da PUC-SP e conselheiro do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP
 

 

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