Editorial

‘Vede, ó Senhor, a aflição do vosso povo, e enviai Aquele que prometestes!’

Os grandes eventos da vida costumam ser precedidos de um período de preparação: assim, o noivado prepara a noite de núpcias; os anos de estudo preparam a colação de grau. Da mesma forma acontece em nossa vida espiritual e litúrgica: a Páscoa é precedida da Quaresma, e o Natal do Senhor é precedido pelos quatro Domingos do tempo do Advento (do latim adventus, “chegada”, “vinda até nós”).
Dentre os vários tesouros que a Igreja nos oferece para bem vivermos a espiri-
tualidade deste período, um dos mais belos é o canto “Rorate Caeli”, que já foi chamado de “o mais sublime em todo o repertório gregoriano”. Também chamado “Prosa do Advento” – por simular uma conversa entre Deus e o padecente povo de Israel, à espera da redenção –, a obra é composta de passagens da Escritura, principalmente do profeta Isaías, e estrutura-se em quatro partes.
Após o refrão Rorate Caeli desuper... (“Derramai, ó céus, o vosso orvalho do alto, e que as nuvens chovam sobre a terra a santidade!” – cf. Is 45,8), a primeira parte imita os gemidos que a humanidade dirige a Deus, após tê-Lo abandonado: “Ó Senhor, não vos irriteis excessivamente, nem guardeis mais a lembrança de nossa culpa! Eis que a cidade do Santuário ficou deserta: Sião tornou-se um ermo. Jerusalém está desolada: a casa da Vossa santificação e da Vossa glória, onde os nossos pais Vos louvaram” (cf. Is 64,8-11). Pensemos, aqui, em todas as misérias que assolam nosso mundo: doenças, injustiças, desavenças, ódios e todo tipo de maldade.
Na segunda parte, revela-se a origem de todas estas desgraças: a trágica opção da humanidade pelo pecado: “Nós pecamos, Senhor, e nos tornamos impuros; e murchamos todos, como uma folha. Fomos levados por nossas maldades como folhas pelo vento. Escondestes de nós a Vossa face, e nos abandonastes ao capricho de nossa iniquidade” (cf. Is 64,4-7). E, de fato, como nos criou para que o amássemos com seu perfeitíssimo amor – que só pode existir na plena liberdade –, Deus tem um respeito imenso por nossas escolhas. Se, deliberadamente, optamos por rejeitá-Lo, Ele respeita nossa liberdade, e permite que nos afastemos Dele – embora nos convide sempre a retornar ao seu amor.
É justamente este desejo de retornar aos braços amorosos do Criador que se manifesta na terceira parte: “Vede, ó Senhor, a aflição do vosso povo, e enviai Aquele que prometestes! Enviai-nos o Cordeiro, o Dominador da terra, para que Ele remova-nos o jugo do nosso cativeiro” (cf. Ex  3,7; 4,13; Is16,1). A humanidade, arrependida de seu pecado, clama aos céus pela vinda do Messias, pela redenção que Deus prometera a nossos primeiros pais, desde a queda (Catecismo, § 55).
A quarta e última parte traz, enfim, o socorro de Deus à humanidade, a única verdadeiramente grande novidade na história do mundo: “Consola-te, meu povo, consola-te; depressa virá a tua salvação! Por que te consomes na tristeza, por que se renovou em ti a dor? Eu te salvarei, não tenhas medo! Pois Eu sou o Senhor teu Deus, o Santo de Israel, o teu Redentor” (cf. Is 40,1; Ap  22,12; Is 35,4; 41,14).
Esta é a mensagem que Deus, por meio de sua Igreja, nos quer passar neste tempo do Advento, e o canto “Rorate Caeli” pode servir até de tema para meditação: Consolemo-nos, consolemo-nos em nossa miséria presente! – pois Deus está bem ciente dela, e manda já a Salvação (que é, aliás, o significado de “Jesus”). Rorate Caeli desuper et nubes pluant justum! – “Derramai, ó céus, o vosso orvalho do alto, e que as nuvens chovam sobre a terra a santidade!”.

LEIA TAMBÉMLuz dos povos: a missão dos leigos na Igreja

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.