Opinião

Um jeito de ser

A tradição monástica ensina um jeito de ser que nos permite agir em tudo aquilo que fazemos com muita inteligência e discernimento. Podemos chamá-lo de “sobriedade, vigilância” ou usar o termo em grego cunhado pelos antigos monges: nêpsis.
Nêpsis é um modo de viver com qualidade a relação consigo mesmo, com os outros e com as coisas. É viver esses relacionamentos com atenção, não sendo excessivo em nada. A sobriedade nas relações contrasta com todo e qualquer abuso, excesso, perversão, mostrando a beleza das coisas simples e límpidas. Quem vive a sobriedade respeita cada coisa, não abusa de nada, aprende a gustar das pequenas coisas, é hospitaleiro e capaz de acolher a todos. A nêpsis nos ensina o equilíbrio, a medida justa, a harmonia, sem falta ou excesso, sem ter nem pouco nem demais. Nos dá um olhar atento, vigilante, que procura discernir a relação com cada coisa. Na língua grega, o verbo népheim e o substantivo nêpsis, que definem a sobriedade e a vigilância, representam o contrário de embriaguez e sonolência, indicado pelo verbo metŷhein.
A sobriedade ou nêpsis é também a resposta mais adequada para a nossa sociedade e sua voracidade no possuir. É de sobriedade que precisamos e não de aumento de consumo para vencer a pobreza. É falso que o aumento da riqueza econômica de um país é suficiente para acabar com a pobreza. É preciso sobriedade, porque só o exercício de sobriedade leva ao desejo de compartilhar; ao passo que a voracidade destrói a relação consigo mesmo, com os outros e com as coisas. A sociedade moderna nos ensina a ser consumidores vorazes, violentando as coisas e as pessoas. 
O Papa Francisco retoma essa antiga tradição monástica, quando diz na Carta Encíclica Laudato si’, 224: “A sobriedade e a humildade não gozaram de positiva consideração no século passado. Mas, quando se debilita de forma generalizada o exercício dalguma virtude na vida pessoal e social, isso acaba por provocar variados desequilíbrios, mesmo ambientais. Por isso, não basta falar apenas da integridade dos ecossistemas; é preciso ter a coragem de falar da integridade da vida humana, da necessidade de incentivar e conjugar todos os grandes valores. O desaparecimento da humildade, num ser humano excessivamente entusiasmado com a possibilidade de dominar tudo sem limite algum, só pode acabar por prejudicar a sociedade e o meio ambiente. Não é fácil desenvolver esta humildade sadia e uma sobriedade feliz, se nos tornamos autônomos, se excluímos Deus da nossa vida fazendo o nosso eu ocupar o seu lugar, se pensamos ser a nossa subjetividade que determina o que é bem e o que é mal”.
Mas como aprender a viver a vigilância e a sobriedade nas relações? Ela é o fruto natural da inclusão da oração diária em nossa vida; lendo e meditando a Bíblia, a vida dos santos, a Liturgia das Horas. A oração é a obra de purificação dos nossos desejos. É a oração que nos ensina a sobriedade, a justa medida nas relações com as coisas, a deixar que cada coisa tenha o seu valor, seja respeitada no seu “porque existe”. Isso vale tanto para roupas ou computadores quanto para o sono, a música e a outra pessoa. A sobriedade é respeitar o motivo pelo qual cada coisa existe – o que cada coisa “é” na sua identidade inerente, na sua individualidade que não coincide com a minha vontade voraz de assimilar tudo a mim; a não querer colocar o meu eu em tudo e a reduzir o resto das coisas ou pessoas a nada, num egocentrismo gigante e alucinante. Se agarro uma linda flor com minha mão voraz, eu simplesmente a destruo.
A falta de nêpsis, portanto, está na raiz do aumento crescente da desigualdade no mundo e do vazio interior. O eu voraz é sempre um eu insatisfeito.

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