Espiritualidade

Quem vai atirar a primeira pedra?

A Palavra de Deus é sempre uma luz para os nossos passos, e o encontro de Jesus com a mulher pecadora oferece uma ocasião para refletir sobre dois aspectos da violência: o físico e moral. Um é mais explícito, enquanto o outro é mais oculto, mas nem por isso o sofrimento é menor.

A violência física é mais visível e aparece nos gestos e nas palavras de ódio. Ela acontece nas atitudes cotidianas, nos conflitos entre pessoas, por motivos pequenos e fúteis, mas que, infelizmente, parecem comuns. São as brigas no trânsito que provocam acenos de desafio e xingamento; são as discussões por causa de um lugar na fila; são mulheres ou crianças espancadas; são filhos que desrespeitam os pais, e pais que oprimem os filhos; são casais que se desafiam e não se respeitam; são pessoas violentadas nos seus direitos ou na sua dignidade até a exaustão, nas filas ou nos corredores dos hospitais; e ainda tantas outras formas. A violência física é tão presente, que parece não despertar mais atenção ou reação: quem passa e olha já não se deixa mais tocar pelo sofrimento do outro.

O outro aspecto da violência é o sofrimento moral, sentido no silêncio e na solidão. Essa forma da violência não pode ser medida ou confirmada facilmente, aparece apenas por um olhar cabisbaixo, por uma expressão de tristeza ou pelo silêncio. Sofre violência moral quem é vítima de preconceito e discriminação, quem é alvo de boatos e difamação, quem é rotulado ou sofre bullying. Muitas vezes, a violência moral é também um desdobramento da violência física, mas permanece oculta: enquanto as feridas e os hematomas desaparecem, permanecem a humilhação e a vergonha

No encontro entre Jesus e a mulher pecadora, esses dois aspectos da violência são bem definidos e também é bem definida a reação dos expectadores e a resposta do Senhor. A mulher foi arrancada do lugar onde praticava adultério e arrastada à força até a presença de Jesus. Estava sozinha e talvez tenha sido insultada com palavras e gestos de desprezo, possivelmente foi amarrada, e, quando chegou ao lugar onde Jesus estava, foi lançada ao chão. No seu íntimo, a mulher também sofria a violência da humilhação, sem encontrar nenhuma forma de misericórdia dos seus acusadores ou da multidão, uma dor silenciosa. As palavras de Jesus são como um bálsamo, que primeiro refreia os ânimos da multidão e depois cuida das feridas da mulher. 

O pecado é uma condição comum que une cada pessoa da multidão à mulher pecadora. Por esse caminho, todos precisam receber o perdão, independentemente de qual seja o pecado. Talvez as pessoas da multidão e os anciãos nunca tenham pensado assim, imaginando estar acima de tudo, porque eram boas pessoas, que pagavam o dízimo ou davam alguns trocados de esmolas, que repartiam um pouco de comida ou roupas usadas. A fé sem a misericórdia e o perdão não tem sentido, e quem não é capaz de perdoar o próximo também não encontra a misericórdia de Deus. Sendo assim, mesmo que alguém não tivesse pecado jamais atiraria uma pedra, em atenção à misericórdia ao amor de Deus. A mulher caída não encontrou mais os seus acusadores quando levantou seu olhar, mas encontrou Jesus, que entrou em sua dor silenciosa. Talvez ela não esperasse mais que uma palavra de repreensão e despedida, mas recebeu misericórdia e, além do perdão, viu aberta uma nova oportunidade. Assim, Jesus superou a violência física e moral, ensinando o caminho do perdão e da misericórdia como remédio para curar a ferida do pecado.

 

Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo Auxiliar sa Arquidiocese na Região Brasilândia
e Vigário Episcopal para a Pastoral da Comunicação

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.