Fé e Cidadania

A violência e o perdão

O Brasil está na lista dos países mais violentos do mundo. No ano passado, foram assassinados 60 mil brasileiros. Por quê? Atribui-se à instabilidade econômica, ao desemprego e à desigualdade de oportunidades. Um grande estudioso sobre violência relata que ela não explode por causa da pobreza, mas devido à percepção de injustiça. Ou seja, a violência explode onde as pessoas percebem, com clareza, que estão sendo excluídas daquilo que a sociedade considera um valor e um bem para si. Por isso, é a percepção de exclusão e injustiça que faz explodir a violência. 

O Brasil não é particularmente pobre - é uma economia emergente. Sua riqueza, porém, é extremamente mal distribuída. Sabe- -se, também, que um dos fatores que mais influência a má distribuição de riqueza é a qualidade da educação. E é exatamente nesse quesito que o Brasil mostra péssimas estatísticas. Não tem havido melhora na qualidade da educação no País, e em proporção a outros países tem havido piora. 

Outro dado impressionante, e que também está associado a esse quadro geral, é a grande mudança que vem ocorrendo do ponto de vista religioso. Há algumas décadas, os brasileiros diziam-se católicos em 90% dos casos. Esse número caiu para 50%, segundo as últimas estatísticas, enquanto a proporção dos que se tornaram evangélicos aumentou 61% nos últimos dez anos. É evidente, portanto, a grande instabilidade e insatisfação que está ocorrendo na experiência religiosa dos brasileiros. Mas há um dado novo ainda mais exemplificativo dessa sociedade em profunda mudança e crise. O número de evangélicos tem decrescido nas regiões onde primeiro se expandiram, como a região Sudeste, e o número de evangélicos que hoje se declaram não praticantes chegou a 4 milhões de pessoas nas últimas estatísticas. 

É inegável, portanto, as dificuldades que tantos brasileiros têm encontrado para achar uma casa que os acolha na profundidade de sua vida e de seu ser e na resposta aos anseios mais profundos do seu coração. A experiência religiosa parece uma zona movediça e insegura, que faz milhões de pessoas buscarem e correrem para lá e para cá, indo de igreja em igreja, do pastor A para o B ou C, de uma paróquia para outra, em busca de algo profundamente sólido, seguro e que os ajude a viver. Algo, sobretudo, que lhes dê o sentido para viver. 

Ainda podemos descrever um nível mais íntimo da vida das pessoas e que também está profundamente em crise e pertence a essa areia movediça que engole a tantos: a perda da segurança familiar, e, consequentemente, social e econômica. Quantos jovens não vão para o tráfico porque seu “novo grupo” substitui sua família, gerando laços fortes e promessas reais de inclusão na sociedade de consumo pelo dinheiro fácil, que não precisa de uma boa escola, nem do ingresso no mercado de trabalho. 

O que fazer diante desse quadro cada vez mais claro e estabelecido, que faz alguns estudiosos relatarem que o Brasil pode estar sofrendo um processo descivilizatório (ou seja, está indo para trás em termos de civilização)? 

O que podemos fazer nós que somos católicos? Repercorrer o caminho dos primeiros cristãos. Reconstruir comunidades de leigos onde o amor e o perdão sejam experiências reais, possíveis de serem encontradas e experimentadas. Comunidades onde se compartilhe a vida real, as alegrias, as tristezas, as dificuldades econômicas, e onde se ajudem os casais a viver seu casamento e a educar seus filhos; e onde a mensagem de Cristo e seu anúncio de perdão e amor possam ser vividos comunitariamente no dia a dia.

 

As opiniões da seção “Fé e Cidadania” são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do O SÃO PAULO.
 

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