Fé e Cidadania

Mercado, Estado e os economistas

Qual modelo de economia de mercado? Essa é uma questão fundamental entre aqueles que reconhecem que há diferenças substanciais entre os modelos de economia de mercado realmente existentes e o espantalho criado tanto pelos que o criticam quanto pelos que o consideram a oitava maravilha. 

O modelo anglo-americano é bem diferente daquele adotado na maioria dos países europeus, e mesmo entre esses há diferenças importantes. Para não mencionarmos o caso sui generis que é o modelo chinês. Nos países em desenvolvimento, poucos resistem à tentação de copiar um desses modelos, com a preferência recaindo, no plano da retórica, ao anglo-americano, mas o capitalismo realmente existente, não raro, é melhor descrito como uma variante do modelo social spenceriano (a lei do mais forte). 

Para quem considera o capitalismo como a fonte de todos os males, impossível de ser reformado para adquirir uma face humana, essa discussão é irrelevante. É uma posição, intelectualmente respeitável, mas, também, a melhor expressão do niilismo de cátedra. 

O que diferencia os diferentes modelos de economia de mercado é sua visão sobre o papel do Estado na economia. Para alguns, o Estado deveria intervir diretamente na economia por meio de empresas estatais, que não deveriam ficar limitadas apenas às empresas prestadoras de serviços de utilidade pública. Um segundo grupo defende uma intervenção indireta do Estado na economia por meio de um ordenamento jurídico criado para garantir (por regulamentações) o bom funcionamento da economia de mercado e o respeito à pessoa humana. 

Esses modelos, principalmente o segundo, estão em conformidade com os documentos sociais da Igreja. Com efeito, “a tarefa fundamental do Estado em âmbito econômico é o de definir um quadro jurídico apto a regular as relações econômicas” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, CDSI 532), sendo que “é necessário que mercado e Estado ajam de concerto um com outro e se tornem complementares” (CDSI 533). A tensão existente entre o mercado e o Estado não se resolve em uma dialética na qual a síntese seria a negação de um dos polos, mas na contribuição de ambos ao bem comum: a tensão existe, mas é benéfica por corrigir as imperfeições do Estado e do mercado. Como fazê-lo depende do estudo de cada situação.

Há, ainda, um terceiro grupo, minoritário entre os economistas, mas que apresenta um crescente sucesso entre os jovens, que defende um modelo de economia de mercado totalmente desregulamentado. Nele, o mercado reina soberano e não apresenta nenhuma imperfeição que justificasse a regulamentação estatal. A compatibilidade dessa visão com a Doutrina Social da Igreja é problemática, pois pode levar a uma concepção de liberdade humana “que a desvincula da obediência à verdade e, por conseguinte, também, ao dever de respeitar os direitos dos outros [...] que conduz à afirmação ilimitada do interesse próprio, sem se deixar conter por qualquer obrigação de justiça” ( Centesimus Annu s, 17). 

A maioria da comunidade de economistas, o chamado mainstream da profissão, reconhece que a intervenção do Estado na economia, na forma de regulamentação de alguns de seus setores, é de fato necessária. O que se debate é quais setores deveriam ser regulamentados, assim como qual seria o tipo e extensão dessa regulamentação. 

A intervenção direta do Estado, na forma de estatização de empresas, não é muito popular, exceto entre os economistas heterodoxos, no Brasil conhecidos como desenvolvimentistas ou neodesenvolvimentistas. Mas isso é tema para outro artigo. 

As opiniões da seção “Fé e Cidadania” são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do O SÃO PAULO.
 
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