Fé e Cidadania

Fraternidade e políticas públicas

Em termos estritos, a Carta Encíclica Rerum Novarum (1891), do Papa Leão XIII, inaugura a Doutrina Social da Igreja (DSI). Logo mais, esse corpus de escritos e documentos de crítica social e, ao mesmo tempo, de ensinamento evangélico, completará 130 anos. Sua coluna vertebral, ao longo de mais de um século, tem sido a defesa da dignidade da pessoa humana, de um lado, e, de outro, o respeito a seus direitos fundamentais.

A Campanha da Fraternidade de 2019 (CF 2019) representa um verdadeiro espelho do pensamento social da Igreja. O tempo da Quaresma, com efeito, nos convida a uma mudança em dupla dimensão: uma conversão pessoal, na busca de um reencontro com Deus e consigo mesmo, no contexto da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Depois, uma conversão social, no sentido de concretizar o caminho individual com uma reflexão e ação de caráter solidário.

O tema da Campanha – “Fraternidade e políticas públicas” – vem ao encontro de um momento de transição delicada e que requer uma postura firme nas diretrizes do empenho pastoral, social e político. A luz da Palavra de Deus nos ajuda a distinguir entre políticas públicas e políticas compensatórias. Estas últimas, além de representarem as migalhas que caem da mesa do rico opulento (cf. Lc 16,19-31), não fazem justiça à dignidade do trabalho, sendo este a chave da vida social. Tornam amargo o pão nosso de cada dia.

As políticas públicas, em seu sentido pleno, visam levar os trabalhadores e trabalhadoras a caminhar com as próprias pernas. Em lugar de criar famílias dependentes da caridade social e pública, tendem a inserir a pessoa humana, de forma concreta e vital, no contexto histórico em que vive. O pão que vem do suor do próprio trabalho adquire então um sabor especial. A médio e longo prazo, mantém a paz, a autonomia e a dignidade.

Já o lema da CF 2019 – “Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1,27) – retoma duas palavras, ou melhor, dois conceitos muito caros ao movimento profético e ao livro dos Salmos do Antigo Testamento: a justiça e o direito como caminho para a liberdade. Encontramos aqui uma crítica ao retorno de formas de trabalho análogas à escravidão. No mundo contemporâneo, o progresso e a tecnologia de ponta convivem, lado a lado, com uma exploração trabalhista informal e clandestina. Crescem simultaneamente o acúmulo da riqueza e a exclusão social.

Nesse quadro de profundas assimetrias e disparidades socioeconômicas, tanto em nível global quanto nacional, os desafios são múltiplos e gigantescos. A partir do Evangelho, tropeçamos aqui novamente com um duplo empenho: do ponto de vista pessoal-familiar, avizinharse ao tempo litúrgico da Páscoa significa renovar os laços de parentesco e de vizinhança. Do ponto de vista pastoral e sociopolítico, a luz do mistério pascal ilumina nossos compromissos com a construção de uma sociedade justa e fraterna. Um mundo plural solidário, mas também social e ecologicamente sustentável.

Disso resulta a dinâmica da liberdade. Esta consiste, ao mesmo tempo, em um meio e um fim. Livre e responsável, cada pessoa, grupo, movimento ou instituição se converte em instrumento do Espírito divino. A partir dos fatos e acontecimentos, Deus tece e transforma a história humana, abençoando-a e revestindo-a com o seu amor. Por outro lado, a liberdade é o fruto maduro desse mesmo esforço conjunto pela transformação. A história tem raízes na terra, mas, pouco a pouco, com a mão invisível do Senhor, transfigura-se na Jerusalém celeste.

Padre Alfredo José Gonçalves, CS, é missionário scalabriniano a serviço dos migrantes, foi Superior Provincial da Pia Sociedade dos Missionários de São Carlos.
 

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