Comportamento

A esperança está na busca do bem

Um amigo contava que, em sua infância, uma velha tia nunca falava mal de ninguém. Sempre encontrava um motivo para ver o bem nas pessoas. Como sabiam da sua grande piedade religiosa, os sobrinhos quiseramna colocar em saia-justa: “E o diabo, tia, o que a senhora fala dele?”. A anciã puxou das suas sobrancelhas enrugadas a seguinte resposta: “O diabo, meus amiguinhos, ele trabalha muito”.

O caso anedótico nos traz uma grande lição para o comportamento dos dias atuais. Como é difícil encontrar nas manchetes notícias do bem, no meio de tantas desanimadoras. As redes sociais têm sido um instrumento de comunicação. Temos colocado ressalvas no seu uso, mas é inegável que transmitem no seu infindável universo notícias e mensagens que nos tocam o coração pela beleza, pela alegria, pela solidariedade.

É evidente que não vivo no mundo da Lua, e, passados 60 anos, já vi o quanto o homem pode desvirtuar a sua missão nesta vida, que é se esforçar por viver para o bem. No entanto, o comportamento otimista é o que mais cativa e constrói para a esperança. A crítica pejorativa e maldosa, às vezes caluniosa, desanima, impacta no pessimismo e não nos deixa ver alguma coisa de bom que possa ter acontecido no fato ou envolvendo a pessoa em questão.

Gosto de trabalhar com as circunstâncias cotidianas que envolvem as pessoas na sua família, no seu trabalho, no seu lazer, nos esportes... Fugimos da filosofia abstrata e olhamos para o terreno em que pisamos, com as pessoas com quem convivemos no dia a dia. Iniciado o ano, e passado o seu primeiro mês, estamos em bom tempo de examinarmos se estamos caminhando para as mudanças que nos comprometemos no fim do ano passado para uma renovação ou um recomeço mais vigoroso.

Algumas perguntas poderiam nos ajudar. Na família, será que encontrei uma nova qualidade na minha esposa, no meu filho adolescente rebelde, no namorado da minha filha e em outros para poder sair da minha implicância de sempre e trocá-la pelo elogio? Consegui ter mais paciência e cordialidade com a cunhada tagarela porque reparei que também é muito carinhosa com meus pequenos, o que colabora com a saída do casal?

Venci o impulso de fazer comentários maldosos desnecessários (ainda que justos e verdadeiros) sobre política, filmes, parentes no horário das refeições, para, ao contrário, contar fatos que possam alegrar o ambiente?

No trabalho, estou procurando inverter o comentário pesado em função de uma catástrofe ocorrida, de um sofrimento que quebra o bom-dia de todos, para falar bem do espírito de solidariedade dos que passaram por aquilo? Comentar fatos arrasadores para quem já tem tantos problemas na vida, além de todas as mensagens negativas já lidas, não ajuda em nada, pelo contrário. Não deixar quebrar o ânimo do passeio, porque choveu um pouco. Não ficar falando mal do churrasqueiro que queimou a carne, em vez de comentar a alegria de tantas crianças das famílias que participaram do encontro em dia ensolarado.

São muitas as situações nas quais cada um de nós pode se colocar e avaliar se está se comportando para melhorar o ambiente, tornando-o mais leve, alegre e acolhedor. É certo que existem casos em que a escuridão parece ser tão forte, que se torna quase impossível encontrar um único ponto para se animar. Nessas horas, talvez a escuridão não venha tanto de fora, mas esteja dentro de nós. Nessas horas precisamos saber buscar ajuda e conselho que possam oferecer um ponto de luz. Com essa luz poderemos enxergar um caminho que conduz à mudança. Uma mudança que, unida a tantas outras, acenderá novos pontos de luzes que deixarão o caminho mais claro e de esperança para muitos. Perseverar na busca de olhar para o bem.

Termino com a narrativa de uma pobre viúva com sete filhos pequenos e famintos em casa. No seu desespero, contou sua triste história num programa de rádio para alguém ajudá-la, rogando pelo amor de Deus, com toda a fé. Um ateu, dono de mercado, enviou um caminhão cheio de mantimentos e ordenou aos funcionários que dissessem a ela que o “diabo” tinha enviado. Os funcionários não tiveram coragem de falar, diante da euforia da mulher agradecendo e louvando a Deus! Por fim, um perguntou: “A senhora não quer saber quem enviou tudo isto?”. Na sua simplicidade respondeu: “Não, senhor, porque quando Deus manda, até o diabo obedece”.

Doutor Valdir Reginato é médico de família. E-mail: vreginato@uol.com.br
 

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