Fé e Cidadania

Finanças e políticas públicas

Neste ano em que a Campanha da Fraternidade trabalha com o tema das políticas públicas, as maiores interrogações e desafios que surgem dizem respeito à sustentação econômica de tais políticas por parte do governo.

O Estado brasileiro, tanto em nível federal quanto estadual e municipal, enfrenta uma séria crise financeira. Endividamento crescente, falta de recursos até para pagar salários, descumprimento da legislação referente à responsabilidade fiscal são os sinais mais evidentes e alarmantes do problema.

A culpa é da corrupção? Da irresponsabilidade dos políticos? Da crise econômica globalizada, que afetou as exportações brasileiras? Da Constituição, que criou obrigações sociais com as quais o Estado não podia arcar? Dos ricos e privilegiados que não pagam tributos proporcionais a seus ganhos, não contribuindo adequadamente para o sustento da Nação?

Dependendo da posição ideológica e partidária, cada um irá dar mais peso a um fator ou outro na explicação do problema. Certo bom senso nos leva a dizer que “onde há fumaça, há fogo”. Se fosse totalmente despropositada, nenhuma dessas causas teria sido aventada. Todas devem ter algo de verdadeiro.

Para superar a crise financeira, é fundamental compreender quais são suas causas principais e o que pode ser apenas fruto de um equívoco na formulação do problema. Mas a crise está aí e, ao se formular políticas públicas, temos de trabalhar com a perspectiva de recursos limitados.

Como a Doutrina Social da Igreja nos ilumina nessa situação? Em primeiro lugar, convida-nos a uma postura de “realismo sadio”, que reconhece os fatos, sem com isso se entregar a um pragmatismo que procura ignorar os problemas sociais e “banir o direito e a moral da arena política” (cf. João Paulo II, Centesimus Annus, 1991, CA 25; Francisco, Laudato Si’, 2015, 217).

Esse realismo nos leva a procurar uma posição responsável em relação aos gastos e finanças públicos. Contudo, devemos ter claro que essa responsabilidade deve estar orientada para o bem comum, o desenvolvimento social e a solidariedade. Por isso, toda ação pública deve orientarse pelos critérios da equidade, racionalidade e eficiência (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 2004, 354-355).

Nesse campo, equidade e solidariedade se tornam critérios particularmente importantes. O princípio da equidade nos mostra que a distribuição dos recursos públicos não pode ser igual para todos: aqueles que estão numa situação mais fragilizada, seja por questões particulares, seja por situação social, precisam de uma atenção especial – que implica investimentos próprios – da parte dos sistemas públicos. Não se trata de um favorecimento especial, mas de um imperativo da justiça, com vistas à construção do bem comum.

O papel da solidariedade na vida social sempre foi salientado pela Doutrina Social da Igreja. É oportuno, contudo, lembrar que Bento XVI, diante da crise financeira internacional de 2008, escreveu uma encíclica em que justamente apresenta a solidariedade como condição para superar as dificuldades e a crise daquele momento (Caritas in veritate, 2009).

Se cada um procura apenas defender seus interesses particulares, numa lógica do “cada um por si”, num momento como o atual, todos acabarão perdendo. Numa perspectiva solidária, temos de estar atentos também às necessidades de nossos irmãos, para construirmos o bem comum e uma sociedade melhor para todos os brasileiros.

Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo e biólogo, é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP
 

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