Opinião

A Igreja e as ações afirmativas

Arte: Sergio Ricciuto Conte 

“Ações afirmativas” são políticas, ações, atos ou medidas especiais e temporárias, tomadas ou determinadas pelo Estado, pelo direito e pela sociedade civil, com o objetivo de garantir a dignidade da pessoa humana.

Na sua aplicação, ganham destaque os diversos organismos e pastorais da Igreja, cujas ações, sejam afirmativas, pastorais ou de outra natureza, são guiadas por Jesus Cristo, “caminho, verdade e a vida” (Jo 14,6), cujas palavras estão presentes “ontem, hoje, sempre” (Hb 13,8). Justamente porque é guiada pelo “mistério da fé” (1 Tm 3,9), ao longo de sua história, sempre procurou desenvolver ações afirmativas de garantia da dignidade da pessoa humana. Por exemplo, já no tempo apostólico, tinha por princípio não haver “necessitado algum; porque todos os que possuíam herdades ou casas, vendendo-as, traziam o preço do que fora vendido e o depositavam aos pés dos apóstolos” (At 4,34). Na Idade Média, criou casas de proteção para os peregrinos, para os necessitados e outros grupos sociais.

A preocupação com o resgate da dignidade da pessoa humana é uma constante na vida da Igreja. Muito antes do termo “ação afirmativa” entrar para a produção intelectual das ciências humanas e dos debates em torno das políticas públicas, a Igreja já executava ações de resgate da dignidade humana.

No entanto, a partir da Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, os esforços da Igreja em prol do resgate da dignidade da pessoa humana e, por conseguinte, das ações afirmativas, se multiplicaram. Apenas a título de exemplo, tem-se o grande esforço da Igreja, nas primeiras décadas do século XX, para integrar socialmente os camponeses pobres da Europa, de proteger e garantir a vida de grupos sociais perseguidos pelo nazismo (judeus, ciganos etc.) e, no pós-Segunda Guerra Mundial, a ação de resgate da dignidade da pessoa humana de populações que viviam nos portos de países, como, por exemplo, a Itália e a França. Vale lembrar que tais ações foram uma das inspirações para o Concílio Vaticano II.

A sociedade contemporânea está marcada por profundos problemas, rupturas sociais e crises: do Estado, das políticas públicas, dos sindicatos, da família, causada pelas drogas, pelo abandono, pela negação da vida (aborto, eutanásia etc.). A consequência de todo esse complexo de crises é a formação, por exemplo, das cracolândias espalhadas pelo País; dos presidiários, com penas leves, que necessitam de reinserção social, de pessoas vítimas das várias formas de violência, e o abandono de crianças e idosos que necessitam de proteção.

Dentro deste contexto, a Igreja, enquanto sacramento da salvação e construtora do “reino de Deus” (At 1, 3), é convocada a ser um agente eficaz do resgate da dignidade da pessoa humana. Ela mantém toda uma rede de ações afirmativas que se estendem das pastorais sociais, passando por escolas, creches e faculdades até culminar em hospitais e na rede das Santas Casas de Misericórdia.

As Fazendas da Esperança que trabalham com a restauração da dignidade de pessoas vítimas do mundo das drogas são um exemplo dessa ação. Nos últimos tempos tem se debatido a possibilidade de ter Fazendas da Esperança que trabalhem com o processo de reinserção de presos ao convívio social.

Dentro do atual quadro de crises e rupturas sociais o desafio da Igreja é ser fiel a Jesus Cristo Salvador e, por conseguinte, a doutrina social cristã e, guiada por essa fidelidade, aumentar as ações afirmativas e o trabalho de resgate da dignidade da pessoa humana.

 

As opiniões expressas na seção “Opinião” são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editorais do jornal O SÃO PAULO.

 

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