Papa na FAO: incluir na linguagem da cooperação a categoria do amor

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16 de outubro de 2017

O Papa Francisco visitou, na manhã desta segunda-feira, 16, Dia Mundial da Alimentação, a sede do Fundo das Nações Unidos para Agricultura e Alimentação (FAO), em Roma.

Após agradecer ao diretor-geral da FAO, José Graziano da Silva, e demais autoridades, o Papa recordou, em seu discurso, que em 16 de outubro de 1945, os governos decidiram eliminar a fome no mundo através do desenvolvimento do setor agrícola, instituindo a FAO.

“Era um período de uma grave insegurança alimentar e grandes deslocamentos da população, com milhões de pessoas à procura de um lugar para sobreviver às misérias e adversidades causadas pela guerra. À luz desse contexto, refletir sobre os efeitos da segurança alimentar na mobilidade humana significa retornar ao compromisso pelo qual a FAO nasceu, a fim de renová-lo. A realidade atual exige uma maior responsabilidade em todos os níveis, não só para garantir a produção necessária ou a distribuição equitativa dos frutos da terra - isso deve ser dado por certo – mas sobretudo para garantir o direito de todo ser humano de alimentar-se segundo as próprias necessidades, participando das decisões que o afetam e na realização das próprias aspirações, sem ter que se separar de seus entes queridos.”

Segundo Francisco, “diante de tal objetivo, o que está em jogo é a credibilidade de todo o sistema internacional. Sabemos que a cooperação está cada vez mais condicionada por compromissos parciais, limitando inclusive a ajuda nas emergências. Também as mortes por causa da fome e o abandono da própria terra são notícias comuns, com o perigo da indiferença. Precisamos urgentemente encontrar novas maneiras de transformar as possibilidades que dispomos numa garantia que permita a cada pessoa encarar o futuro com confiança, e não apenas com alguma ilusão”.

O cenário das relações internacionais mostra uma capacidade crescente de responder às expectativas da família humana, também com o contribuição da ciência e da tecnologia que, ao estudarem os problemas, propõem soluções adequadas.

“No entanto, essas novas conquistas não conseguem eliminar a exclusão de grande parte da população mundial: quantos são vítimas da desnutrição, de guerras e  mudanças climáticas! Quantos precisam de trabalho ou dos bens necessários e são obrigados a abandonar suas terras, expondo-se a muitas e terríveis formas de exploração. Valorizar a tecnologia para o desenvolvimento é certamente um caminho a seguir, desde que sejam tomadas ações concretas para reduzir o número de pessoas que passam fome ou para controlar o fenômeno da migração forçada.”

Segundo o Papa, “a relação entre fome e migração só pode ser enfrentada se formos a raiz do problema. A este respeito, os estudos realizados pelas Nações Unidas, como tantos outros realizados por organizações da sociedade civil, concordam que existem dois obstáculos a serem superados: conflitos e mudanças climáticas”.

“Como os conflitos podem ser superados? O direito internacional nos indica os meios para preveni-los ou resolvê-los rapidamente, evitando que se prolonguem e produzam fome e destruição do tecido social. Pensemos nas populações martirizadas por guerras que duram décadas e que poderiam ter sido evitadas, propagando efeitos desastrosos e cruéis como a insegurança alimentar e o deslocamento forçado de pessoas.”

Para Francisco, “são necessários boa vontade e diálogo para frear os conflitos e um compromisso total contra o desarmamento gradual e sistemático, conforme previsto pela Carta das Nações Unidas, e para remediar a chaga do tráfico de armas. Do que adianta denunciar que por  causa dos conflitos milhões de pessoas são vítimas da fome e da desnutrição, se não agimos de forma eficaz em favor da paz e do desarmamento”?

“Quanto às mudanças climáticas, vemos suas consequências todos os dias. Graças aos conhecimentos científicos, sabemos como enfrentar os problemas; e a comunidade internacional também desenvolveu instrumentos jurídicos necessários, como o Acordo de Paris, que, infelizmente, alguns estão se afastando. No entanto, reaparece a negligência em relação aos delicados equilíbrios dos ecossistemas, a presunção de manipular e controlar os recursos limitados do Planeta, e a ganância do lucro. Portanto, é necessário  esforçar-se por um consenso concreto e prático, a fim de evitar os efeitos mais trágicos, que continuarão afetando os mais pobres e indefesos. Somos chamados a propor uma mudança nos estilos de vida, no uso dos recursos, nos critérios de produção, mesmo no consumo, que em termos de alimentos apresenta um aumento de perdas e de desperdício. Não podemos nos conformar em dizer ‘outro o fará’.”

Segundo o Papa, “estes são os pressupostos de qualquer discurso sério sobre segurança alimentar relacionada com o fenômeno da migração. É claro que as guerras e as mudanças climáticas provocam a fome, então evitemos apresentá-la como uma doença incurável”.

“As recentes previsões feitas por seus especialistas contemplam um aumento da produção global de cereais, a níveis que permitem dar maior consistência às reservas mundiais. Este dado nos dá esperança e nos ensina que, se trabalharmos, prestando atenção às necessidades e independentemente de especulações, os resultados chegam. Na verdade, os recursos alimentares são muitas vezes expostos à especulação, que os mede apenas em termos de benefício econômico dos grandes produtores ou em relação às estimativas de consumo, e não em relação às exigências reais das pessoas. Desta forma, os conflitos e o desperdício são favorecidos, e aumenta o número dos últimos da Terra que buscam um futuro distante de seus territórios de origem.”

Francisco afirmou que diante desta situação podemos e devemos mudar o rumo. Frente ao aumento da demanda de alimentos é preciso que os frutos da terra estejam a disposição de todos. Para alguns, bastaria diminuir o número das bocas a serem alimentadas e dessa maneira se resolveria o problema; porém esta é uma falsa solução se se leva em consideração o nível de desperdício de comida e os modelos de consumo que desperdiçam tantos recursos. Reduzir é fácil, compartilhar, ao contrário, implica una conversão, e isso é exigente.

O Santo Padre fez em seguida uma pergunta, a si mesmo e também aos presentes:

"Seria exagerado introduzir na linguagem da cooperação internacional a categoria do amor, conjugada como gratuidade, igualdade de tratamento, solidariedade, cultura do dom, fraternidade e misericórdia? Essas palavras efetivamente expressam o conteúdo prático do termo "humanitário", tão usado na atividade internacional. Amar os irmãos, tomando a iniciativa, sem esperar a ser correspondidos, é o princípio evangélico que encontra também  expressão em muitas culturas e religiões, convertendo-se em princípio de humanidade na linguagem das relações internacionais".

É necessário que a diplomacia e as instituições multilaterais alimentem e organizem essa capacidade de amar, porque é o caminho principal que garante, não só a segurança alimentar, mas também a segurança humana em seu aspecto global. Não podemos agir somente se os outros o fazem, nem nos limitarmos a piedade, porque a piedade se limita às ajudas de emergência, enquanto o amor inspira a justiça e é essencial para realizar uma ordem social justa entre realidades diferentes que aspiram o encontro recíproco. Amar significa contribuir para que cada país aumente a produção e alcance a autossuficiência alimentar. Amar se traduz em pensar em novos modelos de desenvolvimento e consumo, e em adotar políticas que não piorem a situação das populações menos avançadas ou sua dependência externa. Amar significa não continuar a dividir a família humana entre aqueles que gozam do supérfluo e aqueles que não têm o necessário.

Falando sobre o compromisso da diplomacia, o Papa salientou que a mesma nos mostrou, também em eventos recentes, que é possível deter o uso de armas de destruição em massa. Todos estamos cientes da destruição de tais instrumentos. Mas estamos igualmente conscientes dos efeitos da pobreza e da exclusão? Como deter as pessoas dispostas a arriscar tudo, a gerações inteiras que podem desaparecer porque não têm o pão cotidiano ou são vítimas de violência ou das mudanças climáticas? Eles se deslocam para onde veem uma luz ou percebem uma esperança de vida. Eles não podem ser detidos por barreiras físicas, econômicas, legislativas e ideológicas. Somente uma aplicação coerente do princípio de humanidade pode conseguir isso.

Por outro lado, vemos que diminui a ajuda pública ao desenvolvimento e se limita a atividade das instituições multilaterais, enquanto se utilizam acordos bilaterais que subordinam a cooperação ao cumprimento de agendas e alianças particulares ou, simplesmente, a uma momentânea tranquilidade.

Francisco fez um pedido:

"Vamos ouvir o grito de tantos nossos irmãos marginalizados e excluídos: "Tenho fome, sou estrangeiro, estou nu, doente, confinado em um campo de refugiados”. É um pedido de justiça, não uma súplica ou um chamado de emergência. É necessário, que em todos os níveis, se dialogue de forma ampla e sincera, para que se encontrem as melhores soluções e amadureça uma nova relação entre os vários atores do cenário internacional, caracterizada pela responsabilidade recíproca, a solidariedade e a comunhão".

O Santo Padre na conclusão do seu denso discurso afirmou que a Igreja Católica, com suas instituições, com um conhecimento direto e concreto das situações a serem enfrentadas ou das necessidades a serem satisfeitas, quer participar diretamente desse esforço em virtude de sua missão, que a leva a amar a todos e a faz lembrar àqueles que têm responsabilidade nacional ou internacional, o grande dever de enfrentar às necessidades dos mais pobres.
Gostaria que cada um descubra, no silêncio da própria fé ou das próprias convicções, as motivações, os princípios e as contribuições para infundir na FAO e outras instituições intergovernamentais, o valor de melhorar e trabalhar incansavelmente para o bem da família.

(MJ-SP)

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Solidariedade com vítimas do ataque à igreja na Nigéria

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08 de agosto de 2017

Ao ser informado do ataque contra uma igreja católica na Nigéria, em que 11 pessoas foram mortas domingo (06/08), o Papa Francisco enviou uma mensagem de pesar ao bispo de Nnewi, Dom Hilary Paul Odili Okeke. 

“Entristecido pelo violento ataque à Igreja Saint Philip, de Ozubulu, Sua Santidade estende suas condolências a todos os fiéis da Diocese de Nnewi, especialmente às famílias da vítimas e aos atingidos pela tragédia e invoca as bênçãos consoladoras para todos”.

A mensagem é assinada pelo Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado.

 

Conflitos étnicos na raiz do caso

As investigações iniciais apontam como causa da tragédia uma vingança tribal, e não o terrorismo. O local onde ocorreu o ataque não é ameaçado pelo grupo islâmico Boko Haram, que costuma perpetrar atentados contra cristãos e muçulmanos, tem como alvo principal o nordeste do país. Já a Diocese de Nnewi, onde se situa Ozubulu, está no estado meridional de Anambra e é habitada em maioria por cristãos.

Dom Ignatius Ayau Kaigama, arcebispo de Jos, no centro do país, se encontra em Roma e declarou à RV que “o sul da Nigéria é aonde a Igreja Católica está presente há mais tempo; os primeiros missionários chegaram em 1885. Neste território acontecem episódios ligados a questões de terra e agricultura, mas um ataque como este era inesperado”.

Dom Kaigama reza para que esta brutalidade permaneça um ‘caso isolado’ e acrescenta: “Vivemos tantos problemas na Nigéria e não queremos que a tensão aumente. Precisamos de paz porque nosso país tem muitos recursos, que se forem bem usados podem nos fazer viver em paz”. 

(cm)

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Da mesma massa do pão

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21 de julho de 2017

Eles vivem com a mão na massa, literalmente. Gilson Alves de Lima é o padeiro e auxiliado por Luiz Carlos da Silva fazem uma média de 1.300 pães por dia na padaria do Sítio São Miguel Arcanjo, que fica no município de Jarinu (SP). O Sítio é um dos cinco na região que acolhe e acompanha pessoas com dependências químicas, sobretudo o crack, idosos ou com alguma deficiência mental, encontrados em situação de rua pelos membros da Missão Belém.

Gilson tem 35 anos, dois filhos e, há seis meses, conheceu a Missão Belém. Trabalhou 18 anos em padarias na cidade de São Paulo e atualmente sua família mora no Itaim Paulista, bairro no extremo da zona Leste na capital. Sentado, com um caderninho quadriculado sobre a pequena mesa, Gilson marcava os pedidos de pão das casas onde moram os cerca de 420 internos do Sítio e logo mais iria para uma delas almoçar pontualmente ao meio-dia.

Disciplina, partilha de vida, trabalho e momentos de espiritualidade fazem parte da rotina daqueles que desejam se recuperar de um vício que, na maioria das vezes, os afastou da família e da profissão. A Missão Belém, que no dia 1º de outubro completou 10 anos em São Paulo, começou ali, naquele lugar escondido em Jarinu, a partir da inspiração do Padre Giampietro Carraro, que reuniu um grupo de moradores de rua e, com muitas doações, iniciou a construção de uma casa.

Além do São Miguel Arcanjo, há o Sítio Pai Ernesto, com atividades exclusivamente agrícolas, a Vila São Pedro e Santa Marta, o Rainha da Paz e o Nossa Senhora de Fátima, este último para as mulheres. Ao todo são mais de mil internos homens e cerca de 80 mulheres. Logo na entrada, a reportagem foi acolhida com um cafezinho e um lugar para se abrigar da chuva, que aquele dia não deu trégua em São Paulo. Ainda assim, todos trabalhavam em alguma das diversas oficinas do Sítio.

Maicon Lourenço Carmona estava na marcenaria terminando de fazer a réplica em miniatura de uma igreja com a qual iria presentear a esposa. Ali são feitos ou reformados todos os móveis utilizados nas casas, a maioria a partir de madeiras doadas. Logo à frente, estavam Moracy Moraes, mecânico, e Antônio Souza, funileiro na Oficina Mecânica, onde vão para o concerto os carros da instituição. Na serralheria, Francisco José Ramos trabalhava na produção de mais um beliche. Ele tem um filho e está no Sítio há quase um ano, mas pretende voltar para Mauá (SP), onde mora a família, após seu processo de recuperação.

A vida do Márcio, após sete anos

A reportagem foi acompanhada na visita às oficinas por Márcio Antônio dos Santos, que tem 52 anos e, aos 45 anos, conheceu a Missão Belém quando estava em Santos (SP). Márcio nasceu no interior de Minas Gerais, mas veio ainda bem pequeno para São Paulo com a família que era muito pobre. Aos 15 anos, ele começou a usar maconha e após a morte da mãe, passou também traficar, até que, com 25 anos, conheceu o crack. Aos 21, ele tinha conhecido uma moça e com ela chegou a se casar e ter uma filha. “Quando minha esposa soube do meu vício, tentou me ajudar, mas eu não aceitei”, contou. Ele, então, se afastou da família e entrou para o crime. Fez parte de uma quadrilha que roubava as estações de metrô de São Paulo e, em um dos assaltos à bilheteria da estação Trianon, foi preso.

Condenado a 20 anos, Márcio conseguiu a liberdade após oito anos cumprindo pena, quando resolveu morar em Santos. Lá, depois de um ano trabalhando, foi convidado por algumas pessoas que conheceu na prisão a roubar terminais de carga. “Era um tempo de muito perigo e dinheiro também. Às vezes, saía de um assalto com 50, 60 mil reais. Gastava todo o dinheiro com boates, drogas e prostitutas. Depois, partia para novos assaltos. Fui perseguido e baleado pela polícia, mas não conseguiram me prender novamente.”

Uma manhã, porém, após três dias em um hotel com uma mulher, Márcio sentiu que aquela vida não tinha mais sentido para ele. Pediu que a mulher fosse embora e levasse com ela a pedra de crack que eles estavam usando. Ele começou a rezar. Pediu a Deus que o ajudasse. “Saí sem rumo e comecei a perambular pelas ruas de Santos. Foi quando entrei numa igreja. Vi alguns irmãos limpando a Igreja, mas não tive coragem de falar com ninguém. Eles saíram e voltaram e eu ainda estava lá. Então, um deles se aproximou e me chamou para conhecer a Missão Belém. Relutei no início, mas acabei aceitando, com o objetivo de voltar logo. Quando cheguei à casa, começaram a me oferecer roupa, comida, me convidaram para rezar com eles. Fiquei impressionado, pois nunca os tinha visto antes.”

Márcio resolveu ficar e nunca mais voltou para a rua. Desde lá, já são sete anos. Hoje ele é o coordenador e responsável jurídico de todos os sítios da Missão Belém que estão em Jarinu e também daquele das mulheres, em Jundiaí (SP). Reaproximou-se da esposa e da filha, tem quatro netos e pretende continuar sendo voluntário na Missão Belém em Jarinu ou em outro lugar que precisarem dele.

O almoço com arroz, feijão, linguiça e salada da horta foi preparado por um dos acolhidos voluntários da casa onde Márcio mora atualmente. Do Sítio São Miguel, a reportagem seguiu para Jundiaí, para visitar o sítio feminino. Logo mais Gilson e Luiz iriam recomeçar a preparar a massa do pão que eles colocam no forno mais ou menos às duas horas da manhã. Juntos, eles fizeram um enorme bolo para o aniversário de 10 anos da Missão. “Estou aprendendo muito com o Gilson”, comentou Luiz. “Eu tinha feito um curso de auxiliar de padeiro, mas nem se compara à experiência vivida aqui. Da mesma massa, ele faz mais de sete receitas, apenas acrescentando mais ovos, leite ou açúcar. É incrível”, continuou o paulista, que está há sete meses no Sítio e pretende trabalhar como padeiro quando sair.

Percursos desconhecidos

De Jarinu até Jundiaí, onde está localizado o sítio Nossa Senhora de Fátima que acolhe mulheres, a reportagem do O SÃO PAULO foi acompanhada por Joana D’arc Silva de Oliveira, que aos 27 anos decidiu doar seu tempo e seus conhecimentos como voluntária para a Missão Belém. Ela formou-se em educação física e mora em Itatiba (SP) com a família, mas todos os dias, com uma ajuda de custo, se desloca até as casas em Jarinu para desenvolver atividades de ginástica com os internos, sobretudo os idosos e pessoas com deficiência.

Durante o percurso, Joana indicou uma barraquinha na estrada. “Essa banca de verduras é de responsabilidade dos internos do Sítio Pai Ernesto. Eles plantam, colhem e vendem aqui”, explicou. Lá estava Carlos Eduardo Dias da Silva, com suas hortaliças fresquinhas. Por causa da chuva, a conversa com Carlos foi interrompida e a viagem prosseguiu até Jundiaí por mais 40 minutos.

Cicatrizes e sentimentos

Ali, naquele espaço amplo e bonito funcionava uma granja. Mas o dono decidiu doar para que crescesse algo mais que o alimento do corpo. São mais de 70 mulheres no Sítio Nossa Senhora de Fátima em cinco casas independentes uma da outra. Cada uma tem sua coordenadora e monitora, assim como nos alojamentos masculinos. Em uma delas, o milho estava sendo cozido no fogão de lenha e o chá de erva cidreira espalhava seu cheiro por todos os lados. As mulheres estavam lá, ao redor do fogão

O atual espaço da igreja estava com as horas contadas, pois no dia seguinte seria derrubado para a construção de uma nova. Outras três casas também estão sendo construídas, o que ampliará o número de vagas para cerca de 150. Sheila de Jacinto é a responsável pelo Sítio. Aos 36 anos, por causa do vício do álcool, ela se afastou da família e dos filhos e hoje pretende continuar como missionária na instituição. “Quando cheguei aqui, fiquei responsável pela casa onde estão as idosas e no início foi muito difícil, pois eu não tinha nenhuma paciência. Mas com o tempo, fui me afeiçoando tanto por elas que, quando saí, senti muita falta”, contou.

No Sítio, há também uma pequena padaria, mas as mulheres ganham uma doação do pão já feito e só é necessário assar. Além da horta, elas estão montando uma oficina de costura, que ensinará o ofício para as mulheres que desejarem e, naquela tarde, estava acontecendo também uma formação para coordenadoras e monitoras. Adriana de Lima é coordenadora da Casa Maria Mãe de Deus e está no Sítio há três meses. “Fiquei 20 anos na Cracolândia e fui presa durante seis meses por uma tentativa de homicídio. Foi na cadeia que eu conheci a Missão Belém. No fim de 2014, cheguei a vir para cá, mas voltei para rua e foi pior do que antes. Tive uma amnésia e até hoje não me lembro onde morava”, disse.

Ela tem três filhos, uma menina com 23 anos, outra de 15 e um menino que tem 10 anos, mas há sete meses não tem notícias dos filhos. “Dou graças a Deus que não estou morta, pois fui ameaçada muitas vezes, inclusive pela polícia.” Adriana nasceu em Campinas (SP) e foi a terceira criança a ser achada no lixão da cidade, em 1986. “Fui desencantada pelos médicos, mas depois de um ano, fui adotada pelos próprios médicos que fizeram o parto da minha mãe. Vivia numa grande família, mas quando cheguei à adolescência, queria sair, conhecer o mundo e minha mãe não permitia. Comecei, então, a fugir de casa e a usar drogas. Primeiro cola, depois tíner e benzina e fui direto para o crack. Tudo isso com menos de 15 anos.”

Ela ficou na rua durante cerca de oito anos. “Sofri estupro, aborto e minha vida é cheia de fatos ruins. Aos 38 anos, nunca consegui ficar em pé, sempre indo e voltando, mesmo com apoio da minha família. Ultimamente, tinha até uma barraca para vender crack na Cracolândia; mas agora, sinto que estou recomeçando porque eu quero. A pessoa precisa querer recomeçar. Se amo meus filhos e minha família, tenho que me cuidar primeiro”, reconheceu Adriana, enquanto mostrava as cicatrizes do último conflito com a polícia, e um quadro pequeno que pintou durante a permanência no Sítio. “Aqui, descobri que pinto e ganhei telas e tintas para desenvolver meu dom”, disse sorrindo a paulista que, enquanto estava cumprindo sua pena participou de um concurso de música e ganhou um violão, roubado após dois dias que ela deixou o cárcere.

Nos alojamentos masculinos, a permanência chega a 63%, mas no feminino esse percentual é significativamente menor. Todos os dias, chegam e vão embora meninas do Sítio Nossa Senhora de Fátima. Sheila acredita que um dos motivos é a maior facilidade que a mulher tem de sobreviver na rua. A vida delas em Jundiaí está em constante transformação, mesmo que algumas feridas demorem a cicatrizar. Lá, se pode ver as construções que uma a uma vão dando ao lugar uma cara nova. O pão para o lanche da tarde tinha acabado de sair do forno quando deixamos o lugar. Belém em hebraico significa “casa do pão”, e assim, as portas das casas da Missão Belém, seja no interior do Estado ou na Capital, estão sempre abertas para quem quer colocar a mão na massa, sobretudo naquela massa que faz modificar o coração e o desejo para crescer a liberdade.

Publicado originalmente no jornal O SÃO PAULO, edição 3075, de 28 de outubro a 3 de novembro de 2015.

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Defesa da vida até o fim, um compromisso de amor

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06 de julho de 2017

A Sala de Imprensa da Santa Sé divulgou um comunicado afirmando que “o Santo Padre acompanha com afeto e comoção o caso do pequeno Charlie Gard e manifesta a sua proximidade aos seus pais. Ele reza por eles, fazendo votos de que não seja negligenciado o seu desejo de acompanhar e cuidar do próprio filho até o fim”.

Charlie Gard, de apenas 10 meses de vida, sofre de uma doença genética rara tida por incurável, a Síndrome da Depleção do DNA Mitocondrial. Contra o desejo de seus pais, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos autorizou o desligamento dos aparelhos que o mantêm vivo.

O caso de Charlie está no centro de uma batalha judicial: os pais de Charlie haviam lançado uma campanha de coleta de recursos para poder levar o pequeno aos Estados Unidos, onde seria submetido a um tratamento experimental. No entanto, os tribunais britânico e europeu haviam decidido que manter o bebê com aparelhos somente prolongaria seu sofrimento, pois não havia esperança de recuperação da doença, que provoca fra-queza muscular progressiva, inclusive em órgãos-chave, como o coração.

O Papa já havia se manifestado sobre o caso na noite da sexta-feira, 30 de junho, com um tweet, que dizia: “Defender a vida humana, sobretudo quando é ferida pela doença, é um compromisso de amor que Deus confia a cada ser humano”.

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Arquidiocese inicia Campanha do Agasalho

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26 de mai de 2017

Com a chegada de baixas temperaturas, todos os cristãos são convidados a um gesto de solidariedade com aqueles que precisam se proteger do frio. Por isso, a Arquidiocese de São Paulo, por meio da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, com o apoio do jornal O SÃO PAULO, do portal ArquiSP e da rádio 9 de Julho, inicia a Campanha do Agasalho 2017, com o tema “O frio mata! A caridade acolhe, aquece e promove a vida”.

“Diariamente, nos deparamos, na cidade de São Paulo, com o número crescente de pessoas que estão morando nas ruas; com irmãos desempregados; familias vivendo em condições indignas de moradia; migrantes e refugiados que buscam uma vida melhor; entre tantas outras situações. Em meio a tantos sofrimentos, não podemos fechar nossos corações. O inverno é momento de olharmos mais atentamente para nossos irmãos e irmãs desagasalhados, que sofrem com o frio nas ruas, em casas ou em instituições sem ter a quem recorrer”, se manifesta a Cáritas Arquidiocesana por meio a nota.

Com espirito de serviço, as instituições pedem que se coloquem caixas de papelão em lugares visíveis para arrecadação dos agasalhos, assim como se motive e sensibilize para a participação.

Podem ser doados cobertores, blusas, casacos, meias, calças e tudo que ajude os mais necessitados a aquecerem-se.

Há também a possibilidade de enviar as doações para as instituições sociais: Centro de Referência para Refugiados, Aliança de Misericórdia, Missão Belém, Arsenal da Esperança, Casa do Migrante e Casa de Oração do Povo da Rua; além de outras organizações que trabalham em conjunto com a Igreja de São Paulo.

Outros detalhes da iniciativa podem ser consultados pelo site www.caritassp.org.br ou pelo telefone (11) 4890-0350.

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Em busca de soluções para os problemas do mundo

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26 de mai de 2017

No sábado, 20, cerca de 300 pessoas, provenientes de 18 países, foram recebidas pelo Papa na Conferência Internacional da Fundação Centesimus Annus Pro-Pontefice, que tratou de temas que são “verdadeiras emergências planetárias”.

Aos numerosos participantes, Francisco expressou seu apreço pelos esforços realizados para buscar modos alternativos de compreensão da economia, do desenvolvimento e do comércio.

“A sua Fundação oferece uma preciosa contribuição ao levar em conta as atividades comerciais e financeiras, à luz da rica tradição da Doutrina Social da Igreja e de uma busca inteligente de alternativas construtivas. Vocês desenvolvem modelos de crescimento econômico centrados na dignidade, liberdade e criatividade, características peculiares da pessoa humana”, afirmou.

O Pontífice acrescentou, ainda, que “promover o desenvolvimento humano integral requer diálogo e envolvimento nas necessidades e aspirações das pessoas; requer escuta dos pobres e respostas a situações concretas. Isso requer animar as comunidades e suas relações com o mundo dos negócios; criar meios para unir recursos e pessoas, pelos quais os pobres sejam protagonistas e beneficiários. Somente assim, se poderá favorecer uma maior inclusão social e o crescimento de uma cultura de solidariedade eficaz”.

 

Fonte: Rádio Vaticano

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