SÃO PAULO

Maria Stela Graciani

Superar a violência por meio da mediação de conflitos

Por Fernando Geronazzo
27 de fevereiro de 2018

A Professora Titular da Faculdade de Educação da PUC-SP, coordenou um projeto político-pedagógico junto à Guarda Civil Metropolitana que tinha por objetivo de promover uma formação interdisciplinar dos agentes da segurança urbana a partir da prevenção e mediação de conflitos.

Arquivo Pessoal

A prática da mediação na segurança urbana é o que defende Maria Stela Graciani, Doutora e Professora Titular da Faculdade de Educação da PUC-SP e Coordenadora do Núcleo de Trabalhos Comunitários da mesma universidade. Entre 2001 e 2004, ela coordenou um projeto político-pedagógico junto à Guarda Civil Metropolitana (GCM) de São Paulo, que tinha o objetivo de promover uma formação interdisciplinar dos agentes da segurança urbana a partir da prevenção e mediação de conflitos. 

Por ocasião da Campanha da Fraternidade 2018, que trata da superação da violência, Maria Stela enfatizou, em entrevista ao O SÃO PAULO , que a GCM, como próprio nome diz, tem a missão de “guardar”, isto é, garantir a segurança da população e dos lugares públicos. Por isso, o recurso da violência é uma das alternativas em uma situação extrema. “Nesse sentido, é de fundamental importância que esses agentes conheçam o que eles estão ‘guardando’, isto é, a população e as instituições públicas a serviço da sociedade”, afirmou. Confira a entrevista. 

 

O SÃO PAULO – COMO COMEÇOU O PROJETO JUNTO À GCM?

Maria Stela Graciani – Quando o então Secretário de Segurança Urbana, Benedito Mariano, assumiu o cargo, em 2001, ele me convidou para implantar um projeto político-pedagógico na GCM em vista de uma formação que fosse além da preparação policial que os agentes recebiam. Então, por meio do Núcleo de Trabalhos Comunitários da PUC-SP, constituímos uma equipe interdisciplinar, das áreas da Educação, Serviço Social e Direito e até Geografia. Não fomos lá para ensiná-los, mas para ampliar seu conhecimento em relação a atitudes, comportamento, relação entre a Guarda e o atendimento à comunidade e mesmo com a hierarquia da corporação. Foi uma experiência inédita e desafiadora. Mas digo que nunca tive um acolhimento como lá. Eram cerca de 300 agentes alinhados diante de mim, que me respeitavam até na forma de olhar.

 

COMO A FORMAÇÃO ERA REALIZADA?

Por meio de aulas, debates e muita troca de experiências, pudemos conhecer melhor a realidade dos agentes da GCM e, a partir daí, oferecer uma formação integral, tendo o diálogo como um aspecto fundamental. Para desempenhar um trabalho dessa natureza, não basta só o conhecimento militar, policial, saber usar a arma, marchar, bater continências etc. Tudo isso é importante, mas, antes, é preciso ser humano que se relaciona com respeito, dignidade, e em posse dos valores de uma dada sociedade. Conhecê-los melhor e entender a lógica de seu trabalho favoreceu muito na eficácia desse projeto. Não chegamos apenas com referenciais teóricos de como deve agir ou não um guarda civil, até porque não tínhamos essa experiência concreta, mas os ajudamos a perceber a amplitude de sua missão e serviço na sociedade. Umas das formas de colaborar nessa compreensão foi fazer um mapeamento de todas as regiões da cidade com suas especificidades, a fim de compreender qual era o desafio próprio para ação da GCM em cada localidade. Ao mesmo tempo que acompanhamos os trabalhos descentralizados pela cidade, unimos esses grupos diversificados para as formações sistemáticas e trocas de experiências.

 

EM QUE CONSISTE A MEDIAÇÃO NA SEGURANÇA?

A mediação na segurança urbana não é como na Psicologia, na política etc. Há vários níveis, a começar pelo hierárquico, que diz respeito à relação com os superiores e às diretrizes do comando. Há também a mediação entre o agente e a realidade à qual ele é responsável pela segurança. Para isso, ele precisa conhecer bem a comunidade onde desempenha o serviço para identificar os potenciais conflitos e, assim, preveni-los. Outra mediação é a corporal, maneira de olhar, a postura, o posicionamento das mãos, o tom da voz. Tudo isso é mediação. A mediação do conflito é fundamental para que analisemos, interpretemos e saibamos o momento exato de agir. Isso foi aprendido com o referencial teórico, e também com a prática dos agentes nas ruas. 

 

A SENHORA PODE DAR UM EXEMPLO?

Diante de uma situação de aglomeração ou ocupação de um espaço público que precisa ser dispersado pela GCM, a orientação seria de, antes de realizar a operação, analisar a situação e pensar nas estratégias seguras a serem utilizadas, de modo que o recurso da violência seja a última opção. Na experiência em que vivemos, em situações extremas de conflito, os agentes da GCM eram acompanhados por uma equipe técnica para ajudar a pensar em como atuar. Um erro em um momento como esse pode ser fatal e desencadear mais violência e conflito. Por isso, o agente de segurança precisa de uma preparação em várias dimensões. Numa situação como a desse exemplo, a postura, um gesto brusco, mesmo o modo de respiração, que mostre insegurança ou despreparo do guarda, pode piorar a situação. O nosso corpo fala, o nosso olhar emite um determinado foco, a nossa fala define a situação. Apontar uma arma já é um limite. Puxar o gatilho é o último caso, quando há uma situação de ameaça.

 

MAS HÁ CASOS EM QUE A FORÇA ARMADA É NECESSÁRIA?

Certamente. Não estou dizendo que não haja uma guarda armada, mas que essa exerça o seu papel específico de gerar segurança, prevenir o conflito e não criar mais conflito, usando de todo o seu preparo para isso, até porque estou falando especificamente da GCM, que não é Polícia Militar. Guarda é aquele que guarda, que previne, que protege, que garante a ordem. Não uma polícia ostensiva, mas preventiva. Essa é uma das dimensões da segurança urbana. Aquela que, inclusive, deve estar mais próxima do povo e da comunidade. Nesse sentido, é de fundamental importância que esses agentes conheçam o que eles estão guardando, isto é, a população e as instituições públicas a serviço da sociedade. Eu sempre dizia aos agentes que se a corporação não tem a concepção de serviço à comunidade pela mediação de conflito, precisamos reinventar a GCM de São Paulo. 

 

ESSA PRÁTICA PODERIA SER APLICADA À POLÍCIA MILITAR? 

Sem dúvida. O fato de ser uma polícia ostensiva não impede de que haja um preparo mais integral. Esse deveria ser o ingrediente fundamental da formação na segurança pública. Usando a máxima popular de que a “violência gera violência”, percebemos que, infelizmente, muitos policiais recebem uma formação violenta, o que traz uma concepção de vida e de profissão violenta para esses servidores públicos.

 

AINDA HOJE HÁ SINAIS DESSE PROJETO NA GCM?

Essa mentalidade ainda paira na cabeça dos atuais comandantes. Alguns continuam no comando da GCM dando as mesmas diretrizes. Eu continuo sendo convidada para falar com os mais novos do comando sobre essa experiência vivida. Ainda exerço influência pedagógica na corporação pelo trabalho realizado na PUC-SP. Há um respeito por parte dos agentes da GCM. Mas, para que essa mentalidade perdure, deve haver uma política integrada. A decisão superior deve corresponder à cultura da mediação. Nesse sentido, é possível perceber alguns recuos em relação ao período em que realizamos a formação mais integral. O que esperamos é segurança no sentido lato da palavra. O recurso da violência é uma das alternativas, em uma situação extrema, mas não a única, nem a primeira. Estamos falando de uma mudança de lógica. Por isso, reafirmo, se não houver uma compreensão do gestor público sobre a missão da guarda civil, continuarão as diretrizes e políticas públicas de segurança violentas, incompatíveis com a proposta da mediação de conflitos que trabalhamos. 

 

As opiniões expressas na seção “Com a palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.

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