NACIONAL

CAMPANHA DA FRATERNIDADE

‘Jovens: não deixem que lhes roubem a esperança’

Por Nayá Fernandes ESPECIAL PARA O SÃO PAULO
13 de março de 2020

Por que adolescentes e jovens se sentem desmotivados diante da vida e como ajudá-los a superar esta fase?

Eles têm entre 14 e 25 anos, não estudam nem trabalham, não têm amigos e passam a maior parte do dia fechados em seus quartos. Comunicam-se com dificuldade e podem ter hábitos noturnos para evitar confronto com outras pessoas, até mesmo com pais e parentes. Sim! São adolescentes e jovens, que precisam de atenção e acompanhamento.
Há os casos extremos, como os dos “hikikomori”, que em japonês significa “isolado em casa”. O termo foi cunhado em 2013, por Tamaki Saito, psicólogo e investigador japonês e autor do livro “Isolamento Social: Uma Adolescência sem Fim”. 
Nem todos os jovens, contudo, chegam à situação de isolamento, mas o simples fato de se mostrarem cada vez mais apáticos, sem sonhos ou projetos, ainda que por um período mais curto de tempo, preocupa pais, educadores e, de certa forma, toda a sociedade. São jovens que parecem desistir da vida antes mesmo de começá-la.
É comum ouvir queixas sobre a perda de interesse dos filhos adolescentes, que passam horas em jogos on-line ou em aplicativos do celular. Concluem o Ensino Médio por volta dos 16 ou 17 anos e não sabem qual curso superior querem cursar e não apresentam uma perspectiva profissional. Muitos não têm amigos ou não se encontram com eles, e a maioria não participa de algum grupo com o qual se identifica. Mas por que isso acontece?

MUDANÇA DE HÁBITOS

Desirée Ruas, jornalista e membro do Movimento pela Infância e da Rede Brasileira Infância e Consumo (Rebrinc), explicou que a mudança de interesses na transição da infância para a adolescência é muito comum, mas que toda alteração brusca de hábitos deve ser acompanhada de perto.
“As prioridades mudam e o brincar é substituído por outros interesses. O que preocupa é quando a criança ou o adolescente perde o interesse, repentinamente, por aquilo que sempre gostou. Nestes casos, é preciso um olhar cuidadoso da família, da escola e de psicólogos para descobrir os motivos desta mudança”, disse Desirée.
Severina Epifânio, conhecida por Neta, mãe dos jovens Carolina Epifânio Lopes, 22, e Rafael Epifânio Lopes, 16, mora no Rio de Janeiro (RJ) e contou ao O SÃO PAULO a experiência que teve com seus filhos.
“Como trabalhei muitos anos em uma livraria, sempre presenteei minha filha mais velha com livros e incentivava a leitura. Com o tempo, porém, vi que ela foi perdendo o interesse até pela escola, e, quando chegou aos 15 anos, passamos por uma fase muito difícil”, relembra Neta.
Carolina perdeu o interesse pela escola e tornou-se uma jovem sem motivação quando começou a se comparar com os amigos e a se sentir inferior a eles. “Ela se sentia incapaz e, com isso, acabou indo mal nos estudos até perder a bolsa que tinha”, contou a mãe, que viu a filha se matricular num supletivo para conseguir concluir o Ensino Médio.
Foram quase quatro anos de desmotivação total, até que a jovem começou a namorar um rapaz da sua idade que, aos poucos, a ajudou a recuperar a autoestima e retomar os estudos. Hoje, Carolina está no último semestre de Biologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e se prepara para ingressar no mestrado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). 
“Percebi que a identificação com outros jovens é muito importante. Engraçado é que o primeiro presente do namorado para ela foi um livro. Foi como se aquele presente tivesse ajudado minha filha a retornar às suas origens”, lembrou Neta. 
Em relação ao filho, Rafael, Neta percebe uma dificuldade em acreditar nos próprios sonhos ou fazer escolhas que tenham mais a ver com ele do que com as cobranças econômicas e sociais. 
“Ele tem medo de cursar o que gosta, porque se sente inseguro quanto ao retorno financeiro”, disse a mãe, que tenta ajudá-lo na decisão, apoiando-o o máximo possível. Recentemente, o adolescente foi aprovado no vestibular para o curso de Engenharia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“Algo muito interessante que tenho observado é o seu despertar vocacional, e tenho apoiado sempre. Ele faz acompanhamento espiritual com um padre. Percebo que isso, independentemente do caminho a ser traçado, é positivo”, continuou a mãe.

ESTÍMULOS DEMAIS?

Do quarto andar de uma escola na zona Norte da capital paulista, pode-se ouvir o barulho das crianças na hora do intervalo e, vez ou outra, a conversa dos adolescentes que concluem seu período escolar matinal. 
Ali, na mesma sala em que concedeu esta entrevista à reportagem do O SÃO PAULO, Everaldo Ferreira Garcia, 48, orienta pais e educadores e os ajuda a lidar com diferentes situações, sobretudo no que se refere à saúde emocional de adolescentes e jovens. Consultor educacional da Rede Passionista de Ensino, Everaldo é psicanalista, filósofo e orientador em diferentes instituições de ensino.
“Vivemos uma época em que os adolescentes e jovens não têm motivação. Muitos não encontram sentido para a vida”, afirmou o psicanalista, ao explicar que existe uma apatia juvenil causada por fatores como imaturidade e falta de autoestima.
Garcia apontou fatores como a falta de vínculo e da presença efetiva dos pais, que geram pessoas frágeis emocionalmente e sem capacidade de escolha; mas insistiu que os excessos são igualmente prejudiciais. “Às vezes, os pais agem como intrusos, decidindo sempre pela criança e tornando-a incapaz de fazer escolhas”, disse.
O psicanalista falou sobre o movimento oposto, quando crianças que receberam muito e tiveram uma infância maravilhosa parecem ter dificuldades para sair dessa fase: “É muito cômodo para um jovem continuar sendo mantido pelos pais e não buscar construir algo com o próprio esforço”.
“Recentemente, fui visitar um jovem que estava se automutilando e chegou a tentar o suicídio. Entrei no quarto dele e comecei a observar os quadros nas paredes. Aos 5 anos, ele foi à Disney com os pais. Aos 8, foi para a Austrália, e aos 11 aprendeu a esquiar em Bariloche, na Argentina. Descobri que, embora já tivesse realizado muitos sonhos, ele sentia-se sozinho, sem ninguém. Talvez o pai e a mãe poderiam, além das viagens, ter brincado com o filho no parquinho perto de casa mais frequentemente, pois a presença vale mais do que muitos presentes”, ressaltou Garcia.

PRESENÇA DOS PAIS

O filósofo, sociólogo e psicanalista italiano Umberto Galimberti, referência mundial em reflexões sobre juventude e contemporaneidade, afirmou, em uma de suas conferências sobre a juventude disponíveis no 
YouTube, que os pais acabam se descuidando da educação dos filhos por muitos motivos, sobretudo pelo excesso de trabalho.
“Nos primeiros seis anos de vida, formam-se os mapas cognitivos e emotivos de uma pessoa, ou seja, o modo como se conhece o mundo e como ressoam, dentro dela, os eventos do mundo. Alguns cientistas dizem que esse mapa se forma antes, até os 3 anos de vida. Mas o que acontece na nossa sociedade? Ambos os pais devem trabalhar para sustentar a família. Em muitos casos, falta presença afetiva. É importante lembrar que as pessoas formam a identidade de acordo com as relações sociais e o retorno dos outros”, explicou Galimberti.
Ele disse ainda que, até os 12 anos, é essencial que os pais estejam muito presentes na vida dos filhos e os acompanhem de perto. Após essa idade, os adolescentes se guiarão pelo exemplo dos pais, bem como na juventude, quando precisam de referências sólidas.  
“Hoje, as crianças têm que fazer mil coisas: ir à escola, aprender futebol, dança, inglês e a ler e escrever. Falta-lhes o ócio. Quando não temos tudo, inventamos o caminho. As crianças precisam inventar os próprios jogos. Mata-se nas crianças o desejo, não há mais o que desejar – pois elas já têm tudo – e, desse modo, quando crescem, o jovens não têm desejo de nada, nem mesmo de mudar o mundo”, acrescentou.
Everaldo Garcia considera que é preciso ajudar os adolescentes e jovens a encontrar motivações mais profundas: “A vocação é muito importante. Cada pessoa precisa descobrir o porquê veio a este mundo e a forma com que pode colaborar para que ele seja melhor. Neste sentido, a espiritualidade e a formação de valores sólidos devem ser prioritários na formação”.

DEPENDÊNCIAS REAIS E VIRTUAIS

Aos 21 anos, o filho de Carlos, que prefere não ser identificado por completo, vive o drama da dependência química. “Ele trabalha como entregador alguns dias da semana, o suficiente para conseguir dinheiro e comprar mais entorpecentes. Depois, passa os dias em casa jogando e dormindo. Não colabora com as tarefas domésticas, não interage com as pessoas, não tem projeto algum para o futuro e não aceita ajuda. É muito complicado”, disse o pai.
A situação é vivida por muitas famílias, em que jovens fogem do convívio dos outros por meio dos vícios. E, se por um lado, a dependência pode significar a busca pelo prazer, pode, igualmente, ser uma forma de 
alienar-se do mundo.
A partir de sua experiência como educador e orientador educacional, Garcia salientou o fato de os jovens serem extremamente frágeis emocionalmente. 
“Essa fragilidade, fruto de uma educação que não ajuda a criança a se desenvolver autonomamente por excesso de cuidado ou, por outro lado, por uma carência afetiva extrema, é causadora de muitos males. Também as escolas se descuidaram do fator humano, preocupando-se, exageradamente, com a técnica ou as aprovações nos vestibulares. A consequência é uma geração que não consegue se equilibrar sobre as próprias pernas, pois lhes faltou o básico. É muito mais simples aprender uma competência técnica do que aprender uma competência de vida”, explicou.
Além da dependência química, a dependência das telas é uma realidade cada vez mais frequente. “Não se pode desconectar o jovem da tecnologia, mas precisamos encontrar caminhos para que este uso não cause um isolamento e o retire da vida social real. O tempo que as crianças e os jovens passam em frente às telas é preocupante. O que pode ser considerado saudável e o que acarreta prejuízos para estas meninas e meninos?”, indagou Desirée Ruas, que ajuda pais e educadores a pensar alternativas sobre o tema.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) referendou que “vício em games” entrará na sua classificação internacional de doenças, como um transtorno mental, a partir de 1º de janeiro de 2022. 
“Viver mergulhado em telas, internet e redes sociais é algo extremamente sedutor, pois o jogo nunca acaba, as mensagens não param de chegar e o universo de conteúdo a ser explorado é infinito. Como definir limites? As crianças e os jovens são capazes de perceber os prejuízos? Estudos mostram a relação entre as redes sociais e a depressão em jovens. É uma dependência que causa impacto nos estudos, na vida familiar e social. Nós, adultos, não sabemos o que é isso, porque não vivemos esta situação na juventude. A tecnologia trouxe muitas vantagens para todos. É preciso reforçar o uso positivo e ficar alerta quanto às consequências negativas de se viver tão conectado”, alertou Desirée.

CAMINHOS ABERTOS

Artes, música, esportes e ações de voluntariado são caminhos importantes para que os jovens possam se sentir inseridos e parte de um grupo. 
“É preciso trabalhar o valor da pessoa de forma real e debater sobre a ilusão de perfeição mostrada pelas redes sociais. O diálogo sobre valores humanos, sobre empatia e cuidado com o outro e o meio em que vivemos é fundamental, como também incentivar o engajamento dos adolescentes em projetos transformadores em que eles são os protagonistas, acreditar no potencial dos jovens e dar condições para que eles se expressem de forma plena”, aconselhou Desirée.
Garcia, por sua vez, disse que movimentos religiosos e pastorais devem se empenhar, sempre mais, em prol da juventude: “Escola de Pais, orientação clínica profissional, saúde emocional e o cultivo da espiritualidade são caminhos que as escolas podem promover sem medo”.
Em algumas escolas mantidas por instituições católicas em São Paulo, há setores que se empenham em promover os valores cristãos para crianças, adolescentes e jovens. Nas paróquias e comunidades católicas, existem grupos de jovens que se reúnem semanalmente e promovem encontros, retiros e atividades de entretenimento. 
Na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Christus vivit (CV), o Papa Francisco recorda aos jovens algumas convicções da fé cristã e os encoraja a crescer na santidade e no compromisso em prol da própria vocação: “A Palavra de Deus diz que os jovens devem ser tratados como irmãos, e recomenda aos pais: ‘Não irriteis os vossos filhos, para que não caiam em desânimo’. Um jovem não pode estar desanimado; é próprio dele sonhar coisas grandes, buscar horizontes amplos, ousar mais, ter vontade de conquistar o mundo, ser capaz de aceitar propostas desafiadoras e desejar contribuir com o melhor de si mesmo para construir algo superior. Por isso, insisto com os jovens para não deixar que lhes roubem a esperança, repetindo a cada um: ‘Ninguém escarneça da tua juventude’” (CV 15).

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