Síndrome de Down: estimular sempre e comemorar cada conquista

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01 de abril de 2020

Pessoas com síndrome de Down estão cada dia mais integradas nas escolas, empresas e em outros espaços da convivência humana. Isso porque a condição dessas pessoas, com estímulos e acompanhamentos adequados, é potencializada. É importante salientar que a síndrome ou o T21, como é conhecida, não é considerada uma doença, mas uma condição genética que, por sua vez, pode estar associada a patologias e deficiências, entre elas, a deficiência intelectual.

BERNARDO, 8 ANOS

Bernardo Custódio do Amaral, 8, é filho de Marilia Amaral Marcondes, 46, e de Angelo Custódio de Oliveira Sobrinho, 48.  Tem duas irmãs: Maria Catarina Custódio do Amaral, 12, e Emanuele Custódio do Amaral, 9. 
Marilia, que descobriu a trissomia de Bernardo ainda durante a gravidez, falou sobre a dificuldade de encontrar lugares e centros de informação e terapias que facilitem o dia a dia da família. “Desde o início, o médico disse que ele precisaria de muitos estímulos: fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional. Aos 5 meses, ele teve o primeiro probleminha no pulmão e, em seguida, várias pneumonias, com diversas passagens pela UTI. Todas essas coisas mexeram bastante conosco, sobretudo nossa estrutura emocional”, contou Marilia.
A mãe disse, ainda, que ele passou por diferentes instituições e sempre foi bem recebido, mas um dos lugares em que a família se sentiu realmente bem foi na comunidade católica. 
“Ele é muito bem recebido na Igreja, foi batizado na Páscoa, já foi o Menino Jesus durante o Natal e gosta de frequentar a paróquia, rezar. Nas paróquias em que participamos, ele vai ao altar, pega na mão do padre na homilia, fica perto durante as leituras”, salientou.
Além disso, Marilia confirma que eles se sentiram agraciados, devido aos profissionais que acompanharam o filho, além do apoio da família e das irmãs mais velhas. Bernardo gosta de tudo o que envolve brincadeira e diversão, sobretudo instrumentos musicais, futebol e jogos em geral. “Trabalhamos, especialmente, para que ele tenha autonomia, que consiga ser o mais independente possível”, disse.
A mãe faz um apelo para que a sociedade evite pensar as pessoas com rótulos: “Rótulos atrapalham. Eles servem para caracterizar produtos, não pessoas. As crianças com síndrome de Down sentem raiva, choram, são teimosas como outras crianças. Tirar os rótulos é muito importante para que a criança possa existir como ela mesma”.
Angelo, o pai de Bernardo, por sua vez, disse que se assustou quando soube da condição do filho, mas que a família sempre permaneceu unida. “As principais preocupações foram com os cuidados com ele, mas sempre fomos bem assessorados e, à medida que o tempo foi passando, recebemos muitas graças. O meu maior medo era de bulliyng, sobretudo com o crescimento dele. Mas o que vimos, até hoje, foi bem mais positivo que negativo. Ele recebe muito carinho e atenção”, disse. 

JULIANA, 36 ANOS

Maria de Sá, 60, é viúva há 18 anos e mora com a filha mais velha, Juliana de Sá, 36, e a mãe, Angelina Raimundo, 93. A filha mais nova, Paula Beatriz de Sá, 33, já está casada. 
Juliana nasceu em 1982, na pequena cidade de Osvaldo Cruz (SP). “Naquela época, nem nossa família, nem a cidade tinha recursos que possibilitassem qualquer diagnóstico sobre o Down. Por isso, descobrimos no nascimento. Estávamos diante de algo desconhecido. Foi um choque. Os médicos deram um prognóstico muito ruim, listando todas as limitações que ela teria. Era nossa primeira filha e não contávamos com esse acontecimento”, recordou Maria.
Apesar do susto, a mãe relatou, em entrevista ao O SÃO PAULO, que a família sempre teve muita fé e sabia que teria apoio. “No princípio, tememos não ter acesso a cuidados que pudessem colaborar no desenvolvimento dela, mas, dentro do que tínhamos disponível, tudo foi feito. Nossa Senhora sempre foi o nosso amparo e pudemos contar com pessoas muito generosas que nos orientaram no desenvolvimento da Juliana”, detalhou. 
Maria passou a dedicar-se totalmente à filha, enquanto o marido provia o sustento da família. “Não foi fácil, pois os recursos eram escassos, mas nunca faltou amor”.
A família optou, desde sempre, por não poupar Juliana e levá-la a todos os ambientes frequentados. Sua primeira escola foi o jardim de infância em um colégio particular. Em seguida, passou a frequentar a APAE, onde passou muitos anos. Juliana estudou ainda em outras duas escolas públicas até concluir os estudos. 
“A Juliana é alfabetizada e muito esforçada! Sempre frequentou a Igreja Católica, recebeu formação na Catequese, Primeira Comunhão e Crisma. Ela se reinventa a cada dia. Gosta de ler, cozinhar, pesquisar receitas na internet, cantar e ir à academia. É muito dedicada em tudo o que faz. Participa das atividades da Igreja e cuida muito bem de sua avó materna, uma senhora de 93 anos que mora conosco”, continuou a mãe.

JOÃO, 6 ANOS

Luiz Fernando Grande Di Santi, 44, e Fabiana Nery Calarga Di Santi, 38, são pais de João Luiz Grande Nery Calarga Di Santi, 6, e de Luiz Felipe Grande Nery Calarga Di Santi, 17.
Eles descobriram a síndrome de Down de João na noite em que ele nasceu. “A médica disse que ele tinha as características, e, no princípio, ficamos com muito medo, pois nos sentimos despreparados diante do desconhecido”, disse a mãe.
A rotina mudou bastante e, como acontece com a maior parte das famílias, começaram a buscar profissionais que pudessem colaborar com o desenvolvimento do filho. “Quando pensávamos na escola, meu coração disparava e meu olho marejava, até o dia em que João foi para escola com três aninhos. Foi maravilhoso. Acompanha bem a turma e já está escrevendo. Adora ir à igreja e ficar no presbitério”, contou a mãe.
Aos 6 anos, João ama jogar bola, brincar de carrinho e música, é muito criativo e gosta de brincadeiras de mímica. Tem uma personalidade forte e muita autoestima. 
“Acreditamos que nosso papel também é mostrar para a sociedade que, independentemente de qualquer coisa, todos nós temos nossas habilidades. Por isso, nunca infantilize. Trate seu filho de acordo com a idade, dê atenção e muito amor. Com toda certeza, vieram ao mundo para melhorá-lo e nos melhorar”, disse Fabiana.

DAVI, 7 ANOS

Aline Heyn, 39, e Jônatas Vinícius Bastianelli, 39, são pais de Vinícius Heyn Bastianelli, 9; Davi Heyn Bastianelli, 7, e Júlia Heyn Bastianelli, 3. 
Eles descobriram que Davi tinha a síndrome ainda durante o primeiro trimestre de gestação e optaram por realizar a amniocentese, que confirmou a trissomia do cromossomo 21. 
“Ficamos assustados. Não era algo esperado e, como pediatra, pensava nas possíveis patologias associadas à síndrome, o que me deixava com muitas preocupações. A primeira preparação foi procurar por locais onde seria realizada a estimulação precoce (que são as terapias multidisciplinares que os bebês com T21 precisam fazer, para auxiliar em seu desenvolvimento neuropsicomotor)”, contou Aline.
Davi não apresentou cardiopatia congênita, que é a patologia clínica mais frequentemente associada à T21 e que demanda mais cuidados no início da vida. “Isso nos deixou mais seguros. As terapias, no entanto, fizeram com que a rotina de toda a família fosse adaptada, para que eu conseguisse prover as atividades que ele precisava e continuasse trabalhando. Com a participação de todos (mãe, pai e avó), a rotina de terapias foi sendo ajustada. Descartada a cardiopatia, a maior preocupação passou a ser como o Davi seria, de fato, incluído no mundo. Como escolher a escola? O que esperar da escola? Como reagir nas situações de exclusão? Quão autônomo ele será?”, questionava-se a mãe e os demais membros da família.
Como está na escola desde os 3 anos, os pais sentem que o filho foi muito bem acolhido, mas se preocupam quanto a algumas atividades pedagógicas. “Tenho tido uma ótima parceria com a escola. Realizamos reuniões periódicas. Os profissionais têm um olhar atento, respeitando as necessidades individuais do meu filho”, explicou a mãe.
Aline afirma que, para ela, o apoio da família toda foi fundamental, além do conforto do marido. “Sempre comemoramos com muita alegria e emoção cada uma de suas conquistas: o primeiro passo, a primeira palavra, aprender a escrever o próprio nome, iniciar a alfabetização... é assim com todos os filhos! Mas com o Davi essa alegria vem acompanhada por uma história de muito treinamento e dedicação, o que torna a vitória ainda mais saborosa”, continuou. 
Davi, como toda criança de sua idade, gosta de brincar, correr e se movimentar. “Dança e movimento parecem ser necessidades do seu corpo. Mas também gosta muito de assistir a desenhos e jogar no tablet/computador”, contou Aline. 
Para a mãe, o mais importante é enxergar a pessoa por trás da síndrome de Down. “Ver o indivíduo, com suas características, personalidade e potencialidades próprias”, afirmou Aline.

BIANCA, 9 ANOS

Vitorio Kazuaki Assakawa, 60, e Marcia Maria Marques Caldeira Assakawa, 45, são pais de Bianca Miwa Assakawa, 9; Victoria Yumi Assakawa, 18, e Felipe Yudi Assakawa, 13.
Eles descobriram a síndrome quando Bianca nasceu e afirmaram que foi muito difícil num primeiro momento.  Além da síndrome, Bianca teve cardiopatia detectada ao nascer.
A família passou por grandes mudanças na rotina, pois Bianca encontrava-se muito frágil. “Começamos a nos deparar com preconceitos e discriminação, mas fomos mais fortes e buscamos a estimulação. Descobrimos, então, a primeira grande qualidade da Bianca , que é a vontade de viver”, disse Marcia, que salienta o apoio da família desde o início. 
Ela gosta de dançar, desenhar, de música, livros e tem muita imaginação. “É carismática, alegre, amorosa, educada, organizada, tem ótima memória, é compreensiva e tem opinião própria”, continuou a mãe.

MARIA, 3 ANOS

Gustavo Messi, 41, e Camila Messi, 41, são pais de Esther Messi, 10; Isabel Messi, 6, e Maria Messi, 3. Eles descobriram que Maria tinha síndrome de Down ainda no início da gravidez. “Nossa reação foi de susto e até um pouco de tristeza, porque acredito que nenhuma família planeja ter filho com algum tipo de deficiência. Mas procuramos apoio psicológico com parentes, amigos e na comunidade católica”, contou a mãe.
Por serem da área da saúde, os pais tentaram encontrar pessoas que já tivessem passado por esta experiência, sobretudo para saber a respeito do desenvolvimento até a fase adulta. 
“Nossa rotina não mudou muito. Sempre procuramos fazer com ela as mesmas coisas que com as irmãs mais velhas, mas sempre respeitando o tempo dela. Por exemplo: sempre colocamos nossas filhas para almoçar na mesa junto com os adultos, mas com a Maria foi diferente. Demorou um pouco mais para ela usar os talheres e participar da dinâmica familiar. Sabemos que ela é capaz de fazer tudo o que as outras crianças fazem, mas num tempo diferente”, explicou.
A família não teve dificuldades com o convívio social. “Ela foi muito bem recebida e acolhida pelos professores e demais crianças na escola. A Igreja foi o lugar em que nos sentimos mais acolhidos”, disse Camila.
A família afirmou que ficou muito feliz em ver como a comunidade da Paróquia Nossa Senhora do Brasil uniu-se e demonstrou carinho com orações, telefonemas e apoio de diferentes formas. “Isso porque, além da síndrome de Down, Maria fez uma cirurgia cardíaca aos 6 meses. Tivemos o acompanhamento espiritual do Padre Michelino Roberto, que foi muito importante desde a gravidez”, afirmou.
O casal temia que a criança fosse totalmente dependente. Maria, porém, fala, entende tudo e é muito sociável.  “Cada conquista é uma alegria. Na síndrome de Down, tudo é conquistado. Levantar a cabeça, sentar, andar. Tudo é conquista e, por isso, aprendemos a valorizar as pequenas coisas e entender que, independentemente da síndrome ou não, temos que trabalhar as dificuldades e priorizar as habilidades”.
Maria gosta de brincar de boneca, carrinho, massinha, piquenique. “Ama interagir com as pessoas e é muito amorosa, mas tem uma personalidade bem forte e demonstra sempre quando não quer algo”, detalhou Camila.
“Quando você procura, encontra. O apoio espiritual foi essencial para toda a família e fez com que vivêssemos mais próximos de Deus. Conseguimos ver o belo nas coisas pequenas”, disse.

 

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‘Jovens: não deixem que lhes roubem a esperança’

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13 de março de 2020

Eles têm entre 14 e 25 anos, não estudam nem trabalham, não têm amigos e passam a maior parte do dia fechados em seus quartos. Comunicam-se com dificuldade e podem ter hábitos noturnos para evitar confronto com outras pessoas, até mesmo com pais e parentes. Sim! São adolescentes e jovens, que precisam de atenção e acompanhamento.
Há os casos extremos, como os dos “hikikomori”, que em japonês significa “isolado em casa”. O termo foi cunhado em 2013, por Tamaki Saito, psicólogo e investigador japonês e autor do livro “Isolamento Social: Uma Adolescência sem Fim”. 
Nem todos os jovens, contudo, chegam à situação de isolamento, mas o simples fato de se mostrarem cada vez mais apáticos, sem sonhos ou projetos, ainda que por um período mais curto de tempo, preocupa pais, educadores e, de certa forma, toda a sociedade. São jovens que parecem desistir da vida antes mesmo de começá-la.
É comum ouvir queixas sobre a perda de interesse dos filhos adolescentes, que passam horas em jogos on-line ou em aplicativos do celular. Concluem o Ensino Médio por volta dos 16 ou 17 anos e não sabem qual curso superior querem cursar e não apresentam uma perspectiva profissional. Muitos não têm amigos ou não se encontram com eles, e a maioria não participa de algum grupo com o qual se identifica. Mas por que isso acontece?

MUDANÇA DE HÁBITOS

Desirée Ruas, jornalista e membro do Movimento pela Infância e da Rede Brasileira Infância e Consumo (Rebrinc), explicou que a mudança de interesses na transição da infância para a adolescência é muito comum, mas que toda alteração brusca de hábitos deve ser acompanhada de perto.
“As prioridades mudam e o brincar é substituído por outros interesses. O que preocupa é quando a criança ou o adolescente perde o interesse, repentinamente, por aquilo que sempre gostou. Nestes casos, é preciso um olhar cuidadoso da família, da escola e de psicólogos para descobrir os motivos desta mudança”, disse Desirée.
Severina Epifânio, conhecida por Neta, mãe dos jovens Carolina Epifânio Lopes, 22, e Rafael Epifânio Lopes, 16, mora no Rio de Janeiro (RJ) e contou ao O SÃO PAULO a experiência que teve com seus filhos.
“Como trabalhei muitos anos em uma livraria, sempre presenteei minha filha mais velha com livros e incentivava a leitura. Com o tempo, porém, vi que ela foi perdendo o interesse até pela escola, e, quando chegou aos 15 anos, passamos por uma fase muito difícil”, relembra Neta.
Carolina perdeu o interesse pela escola e tornou-se uma jovem sem motivação quando começou a se comparar com os amigos e a se sentir inferior a eles. “Ela se sentia incapaz e, com isso, acabou indo mal nos estudos até perder a bolsa que tinha”, contou a mãe, que viu a filha se matricular num supletivo para conseguir concluir o Ensino Médio.
Foram quase quatro anos de desmotivação total, até que a jovem começou a namorar um rapaz da sua idade que, aos poucos, a ajudou a recuperar a autoestima e retomar os estudos. Hoje, Carolina está no último semestre de Biologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e se prepara para ingressar no mestrado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). 
“Percebi que a identificação com outros jovens é muito importante. Engraçado é que o primeiro presente do namorado para ela foi um livro. Foi como se aquele presente tivesse ajudado minha filha a retornar às suas origens”, lembrou Neta. 
Em relação ao filho, Rafael, Neta percebe uma dificuldade em acreditar nos próprios sonhos ou fazer escolhas que tenham mais a ver com ele do que com as cobranças econômicas e sociais. 
“Ele tem medo de cursar o que gosta, porque se sente inseguro quanto ao retorno financeiro”, disse a mãe, que tenta ajudá-lo na decisão, apoiando-o o máximo possível. Recentemente, o adolescente foi aprovado no vestibular para o curso de Engenharia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“Algo muito interessante que tenho observado é o seu despertar vocacional, e tenho apoiado sempre. Ele faz acompanhamento espiritual com um padre. Percebo que isso, independentemente do caminho a ser traçado, é positivo”, continuou a mãe.

ESTÍMULOS DEMAIS?

Do quarto andar de uma escola na zona Norte da capital paulista, pode-se ouvir o barulho das crianças na hora do intervalo e, vez ou outra, a conversa dos adolescentes que concluem seu período escolar matinal. 
Ali, na mesma sala em que concedeu esta entrevista à reportagem do O SÃO PAULO, Everaldo Ferreira Garcia, 48, orienta pais e educadores e os ajuda a lidar com diferentes situações, sobretudo no que se refere à saúde emocional de adolescentes e jovens. Consultor educacional da Rede Passionista de Ensino, Everaldo é psicanalista, filósofo e orientador em diferentes instituições de ensino.
“Vivemos uma época em que os adolescentes e jovens não têm motivação. Muitos não encontram sentido para a vida”, afirmou o psicanalista, ao explicar que existe uma apatia juvenil causada por fatores como imaturidade e falta de autoestima.
Garcia apontou fatores como a falta de vínculo e da presença efetiva dos pais, que geram pessoas frágeis emocionalmente e sem capacidade de escolha; mas insistiu que os excessos são igualmente prejudiciais. “Às vezes, os pais agem como intrusos, decidindo sempre pela criança e tornando-a incapaz de fazer escolhas”, disse.
O psicanalista falou sobre o movimento oposto, quando crianças que receberam muito e tiveram uma infância maravilhosa parecem ter dificuldades para sair dessa fase: “É muito cômodo para um jovem continuar sendo mantido pelos pais e não buscar construir algo com o próprio esforço”.
“Recentemente, fui visitar um jovem que estava se automutilando e chegou a tentar o suicídio. Entrei no quarto dele e comecei a observar os quadros nas paredes. Aos 5 anos, ele foi à Disney com os pais. Aos 8, foi para a Austrália, e aos 11 aprendeu a esquiar em Bariloche, na Argentina. Descobri que, embora já tivesse realizado muitos sonhos, ele sentia-se sozinho, sem ninguém. Talvez o pai e a mãe poderiam, além das viagens, ter brincado com o filho no parquinho perto de casa mais frequentemente, pois a presença vale mais do que muitos presentes”, ressaltou Garcia.

PRESENÇA DOS PAIS

O filósofo, sociólogo e psicanalista italiano Umberto Galimberti, referência mundial em reflexões sobre juventude e contemporaneidade, afirmou, em uma de suas conferências sobre a juventude disponíveis no 
YouTube, que os pais acabam se descuidando da educação dos filhos por muitos motivos, sobretudo pelo excesso de trabalho.
“Nos primeiros seis anos de vida, formam-se os mapas cognitivos e emotivos de uma pessoa, ou seja, o modo como se conhece o mundo e como ressoam, dentro dela, os eventos do mundo. Alguns cientistas dizem que esse mapa se forma antes, até os 3 anos de vida. Mas o que acontece na nossa sociedade? Ambos os pais devem trabalhar para sustentar a família. Em muitos casos, falta presença afetiva. É importante lembrar que as pessoas formam a identidade de acordo com as relações sociais e o retorno dos outros”, explicou Galimberti.
Ele disse ainda que, até os 12 anos, é essencial que os pais estejam muito presentes na vida dos filhos e os acompanhem de perto. Após essa idade, os adolescentes se guiarão pelo exemplo dos pais, bem como na juventude, quando precisam de referências sólidas.  
“Hoje, as crianças têm que fazer mil coisas: ir à escola, aprender futebol, dança, inglês e a ler e escrever. Falta-lhes o ócio. Quando não temos tudo, inventamos o caminho. As crianças precisam inventar os próprios jogos. Mata-se nas crianças o desejo, não há mais o que desejar – pois elas já têm tudo – e, desse modo, quando crescem, o jovens não têm desejo de nada, nem mesmo de mudar o mundo”, acrescentou.
Everaldo Garcia considera que é preciso ajudar os adolescentes e jovens a encontrar motivações mais profundas: “A vocação é muito importante. Cada pessoa precisa descobrir o porquê veio a este mundo e a forma com que pode colaborar para que ele seja melhor. Neste sentido, a espiritualidade e a formação de valores sólidos devem ser prioritários na formação”.

DEPENDÊNCIAS REAIS E VIRTUAIS

Aos 21 anos, o filho de Carlos, que prefere não ser identificado por completo, vive o drama da dependência química. “Ele trabalha como entregador alguns dias da semana, o suficiente para conseguir dinheiro e comprar mais entorpecentes. Depois, passa os dias em casa jogando e dormindo. Não colabora com as tarefas domésticas, não interage com as pessoas, não tem projeto algum para o futuro e não aceita ajuda. É muito complicado”, disse o pai.
A situação é vivida por muitas famílias, em que jovens fogem do convívio dos outros por meio dos vícios. E, se por um lado, a dependência pode significar a busca pelo prazer, pode, igualmente, ser uma forma de 
alienar-se do mundo.
A partir de sua experiência como educador e orientador educacional, Garcia salientou o fato de os jovens serem extremamente frágeis emocionalmente. 
“Essa fragilidade, fruto de uma educação que não ajuda a criança a se desenvolver autonomamente por excesso de cuidado ou, por outro lado, por uma carência afetiva extrema, é causadora de muitos males. Também as escolas se descuidaram do fator humano, preocupando-se, exageradamente, com a técnica ou as aprovações nos vestibulares. A consequência é uma geração que não consegue se equilibrar sobre as próprias pernas, pois lhes faltou o básico. É muito mais simples aprender uma competência técnica do que aprender uma competência de vida”, explicou.
Além da dependência química, a dependência das telas é uma realidade cada vez mais frequente. “Não se pode desconectar o jovem da tecnologia, mas precisamos encontrar caminhos para que este uso não cause um isolamento e o retire da vida social real. O tempo que as crianças e os jovens passam em frente às telas é preocupante. O que pode ser considerado saudável e o que acarreta prejuízos para estas meninas e meninos?”, indagou Desirée Ruas, que ajuda pais e educadores a pensar alternativas sobre o tema.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) referendou que “vício em games” entrará na sua classificação internacional de doenças, como um transtorno mental, a partir de 1º de janeiro de 2022. 
“Viver mergulhado em telas, internet e redes sociais é algo extremamente sedutor, pois o jogo nunca acaba, as mensagens não param de chegar e o universo de conteúdo a ser explorado é infinito. Como definir limites? As crianças e os jovens são capazes de perceber os prejuízos? Estudos mostram a relação entre as redes sociais e a depressão em jovens. É uma dependência que causa impacto nos estudos, na vida familiar e social. Nós, adultos, não sabemos o que é isso, porque não vivemos esta situação na juventude. A tecnologia trouxe muitas vantagens para todos. É preciso reforçar o uso positivo e ficar alerta quanto às consequências negativas de se viver tão conectado”, alertou Desirée.

CAMINHOS ABERTOS

Artes, música, esportes e ações de voluntariado são caminhos importantes para que os jovens possam se sentir inseridos e parte de um grupo. 
“É preciso trabalhar o valor da pessoa de forma real e debater sobre a ilusão de perfeição mostrada pelas redes sociais. O diálogo sobre valores humanos, sobre empatia e cuidado com o outro e o meio em que vivemos é fundamental, como também incentivar o engajamento dos adolescentes em projetos transformadores em que eles são os protagonistas, acreditar no potencial dos jovens e dar condições para que eles se expressem de forma plena”, aconselhou Desirée.
Garcia, por sua vez, disse que movimentos religiosos e pastorais devem se empenhar, sempre mais, em prol da juventude: “Escola de Pais, orientação clínica profissional, saúde emocional e o cultivo da espiritualidade são caminhos que as escolas podem promover sem medo”.
Em algumas escolas mantidas por instituições católicas em São Paulo, há setores que se empenham em promover os valores cristãos para crianças, adolescentes e jovens. Nas paróquias e comunidades católicas, existem grupos de jovens que se reúnem semanalmente e promovem encontros, retiros e atividades de entretenimento. 
Na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Christus vivit (CV), o Papa Francisco recorda aos jovens algumas convicções da fé cristã e os encoraja a crescer na santidade e no compromisso em prol da própria vocação: “A Palavra de Deus diz que os jovens devem ser tratados como irmãos, e recomenda aos pais: ‘Não irriteis os vossos filhos, para que não caiam em desânimo’. Um jovem não pode estar desanimado; é próprio dele sonhar coisas grandes, buscar horizontes amplos, ousar mais, ter vontade de conquistar o mundo, ser capaz de aceitar propostas desafiadoras e desejar contribuir com o melhor de si mesmo para construir algo superior. Por isso, insisto com os jovens para não deixar que lhes roubem a esperança, repetindo a cada um: ‘Ninguém escarneça da tua juventude’” (CV 15).

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Dom Luiz Carlos: ‘Precisamos construir a cultura do encontro’

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06 de março de 2020

Na tarde do domingo, dia 1º, na Paróquia São Pio X e Santa Luzia, ocorreu a apresentação regional da Campanha da Fraternidade (CF) 2020, ocasião em que também se realizou uma formação da Pastoral da Pessoa com Deficiência a respeito da Campanha, organizada por membros da Pastoral e do Setor Sapopemba, com a participação de cerca de 200 pessoas. 


Inicialmente, Peterson Prates, que faz parte da coordenação do Setor Sapopemba, explicou diversos pontos da CF, e recordou seus principais pilares, ligando-os com as realidades vividas na Arquidiocese.


A celebração da Palavra, presidida por Dom Luiz Carlos Dias, Bispo Auxiliar da Arquidiocese na Região Belém, recordou as diversas faces da CF. Em sua reflexão, ele falou sobre dois grandes mandamentos: amar a Deus e amar ao próximo. Disse, ainda, que é importante buscar o amor a Deus e amar ao próximo como expressão do amor de Deus. O Bispo também encorajou os fiéis a olhar para a CF como um grande dom de Deus para a Arquidiocese, que nos ajuda a refletir sobre temas da realidade brasileira.


O Bispo também falou sobre Santa Dulce dos Pobres, cuja imagem ilustra o cartaz da Campanha. Ele disse que a Santa é o exemplo de alguém que muito fez em prol da humanidade, e que deve ter seu exemplo seguido pelos demais cristãos. 


Dom Luiz Carlos também recordou que a Quaresma é um tempo para a luta contra o mal e encorajou os fiéis a ser uma Igreja samaritana, que cuida e olha para o próximo, sente compaixão e cuida. “Temos uma sociedade que precisa de socorro”, afirmou, exortando as pessoas a ir ao encontro do próximo e cuidar da humanidade como um todo: “Precisamos construir uma nova cultura: a cultura do encontro”.


Ao término da celebração, uma pessoa que já esteve em situação de rua, chamada  Aparecida, deu seu testemunho de vida, falando sobre a ajuda que recebeu da Igreja para sair daquela condição.
 

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CF 2020: é compromisso cristão cuidar do próximo

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06 de março de 2020

A Campanha da Fraternidade (CF) foi apresentada na Região Brasilândia no domingo, dia 1º, em evento com a participação de 700 pessoas, na igreja matriz da Paróquia Santos Apóstolos, no Jardim Maracanã. A atividade teve transmissão ao vivo pelo Facebook da Pastoral da Comunicação da Região Brasilândia. 
A CF 2020 tem como tema “Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso”, e lema “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34). O objetivo geral da Campanha é “conscientizar, à luz da Palavra de Deus, para o sentido da vida como dom e compromisso, que se traduz em relação de mútuo cuidado entre as pessoas, na família, na comunidade, na sociedade e no planeta, nossa ‘casa comum’”. 
Durante a atividade, foi recordada a missão de Santa Dulce dos Pobres, que é retratada no cartaz da CF deste ano, e falou-se sobre os desafios de ir ao encontro do outro, assim como fez o Bom Samaritano. 
Padres, diáconos, seminaristas, religiosos e leigos de diferentes paróquias da Região participaram da apresentação regional da CF 2020, assim como Dom Devair Araújo da Fonseca, Bispo Auxiliar da Arquidiocese na Região Brasilândia. Ele destacou a importância de que o tema deste ano seja tratado com seriedade na Região Brasilândia e exortou todos ao compromisso de cuidar especialmente dos mais necessitados, assim como fez Santa Dulce dos Pobres. 
Durante a atividade, também houve a apresentação dos trabalhos realizados pelas Pastorais Carcerária e da Criança, exemplos de ações da Igreja que viabilizam o encontro com o próximo. Foram expostas, ainda, as imagens de Santa Dulce dos Pobres e do Senhor do Bonfim. 
 

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Igreja atua na proteção da vida da mulher e do nascituro

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06 de março de 2020

Um dos assuntos da Campanha da Fraternidade (CF) 2020, cujo tema é “Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso”, diz respeito à defesa da vida humana desde a sua concepção. 
O texto-base da CF aborda o assunto no ponto 33, quando ressalta o aborto como um risco à vida das crianças desde o ventre materno. “Vemos claramente o desprezo pelo nascituro e pela sua dignidade em tantas tentativas de legislar a favor do aborto... Da mesma forma, o desprezo pela vida se manifesta, também, por meio de projetos que querem regularizar a eutanásia e o suicídio assistido, garantindo o que chamam direito de antecipação da morte”, diz o texto. No ponto 34, cita o Papa Francisco, na Exortação Apostólica Gaudete et exsultate, quando ressalta que a defesa do nascituro deve ser “clara, firme e apaixonada”.
São muitas as iniciativas católicas de promoção e defesa da vida, posicionando-se no debate público sobre o tema do aborto e na luta contra os projetos de lei que visam a legalizar a prática no País. Também são muitos os grupos ligados à Igreja que atuam na conscientização e acolhida de mulheres que passam por uma gestação em crise e pensam em realizar um aborto. 

AUXÍLIO
Essas entidades oferecem atendimento, ajuda psicológica, material e espiritual a gestantes e seus familiares. Uma dessas organizações é a Associação Filhos da Luz, entidade sem fins lucrativos, ligada à Diocese de Santo Amaro, que atua desde 2014 na acolhida, escuta e apoio a mulheres que passam por crises gestacionais. “Para nós, as duas vidas interessam: a da mamãe e a da criança, dentro e fora de seus ventres”, explicou ao O SÃO PAULO Ana Paula Zanini, 33, voluntária da associação.  
O primeiro contato com as mulheres é feito geralmente pela internet ou por telefone. Em seguida, é agendado um atendimento presencial. Também voluntário da entidade, Wanderley Klinger destacou que a maioria das mulheres que procura a associação chega tomada de muito desespero. “Isso é causado por várias razões: porque elas acham que a família não vai aceitar a gestação, porque serão expulsas de casa, porque não têm dinheiro para sustentar a gravidez e, posteriormente, a criança, ou por medo de serem demitidas, além de muitas outras causas”, explicou. 

ATENDIMENTOS
No atendimento, sempre sigiloso, as gestantes têm a oportunidade de tomar consciência dos muitos caminhos que existem para superar a crise. “Nós também esclarecemos sobre todos os riscos que um aborto pode trazer para a saúde física e psicológica. Muitas delas desconhecem tais informações”, disse Ana Paula. 
Desde 2014, a Associação Filhos da Luz já realizou mais de 200 atendimentos de mulheres entre 14 e 44 anos, casadas e solteiras; 95% dessas atendidas estavam em situação gestacional em crise ou vulnerável; 82% dos filhos nasceram; 91% das que pensaram em abortar se sentiram pressionadas a abortar por parceiros, pais ou circunstâncias muito difíceis; 80% por motivos econômicos. 
A abordagem leva em conta cada situação. “Em alguns casos, basta mostrarmos as estatísticas médicas e de estudos psiquiátricos que a ajudem a ter uma consciência ampla sobre a complexidade de sua decisão”, exemplificou Ana Paula. “Em outros casos, trata-se da falta de um apoio material e financeiro. Em outras situações, ajudamos a tomar consciência de que ela carrega outra vida dentro de si”, completou, acrescentando que o simples fato de a mulher ver o próprio bebê por meio de uma ultrassonografia já é suficiente para despertar nela a consciência da vida que carrega em seu ventre. 

ACOLHIDA
A voluntária destacou, ainda, que, nestes anos de atendimento na entidade, houve um único caso de uma mulher que manifestou o desejo de dar à luz o bebê e entregá-lo para adoção. “No entanto, ela mudou de ideia durante a gestação”, ressalvou. 
Existem entidades, contudo, que auxiliam no procedimento legal para a adoção, caso a gestante tome essa decisão. 
Outras entidades possuem casas de acolhida para as mulheres permanecerem durante a gestação e por um 
período após o parto, sobretudo quando há algum tipo de ameaça a elas. Nesses casos, não é revelada a localização dessas instituições. 

DISCRIÇÃO
Outro serviço eclesial que desenvolve um trabalho semelhante é o Centro de Ajuda à Mulher (CAM) com o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Criado no México em 1989, o CAM atua em várias dioceses brasileiras, inclusive na Arquidiocese de São Paulo. Seu trabalho acontece de forma discreta, sem a divulgação de canais abertos de contato, mas por meio do encaminhamento de agentes da pastoral e sacerdotes que são procurados por gestantes em crise. 
Ana Paula afirmou que, muitas vezes, os grupos católicos que atuam nessa frente de atendimento a mulheres com gestação em crise são acusados de fazer uma espécie de “lavagem cerebral” ou de “coação” nas mulheres para não abortarem. Por isso, sofrem perseguição e até ataques caluniosos de grupos pró-aborto. “Nossa abordagem prioriza a superação da crise que a faz desejar o aborto”, afirmou, reforçando que toda gestante tem o direito de ter consciência da vida que está gerando, dos riscos causados pelo aborto e das muitas outras possibilidades que existem além da interrupção da gravidez. 

TESTEMUNHO 
Elaine tinha 30 anos quando procurou a Associação Filhos da Luz, em 2018. Mãe de três filhos, ela se viu desesperada diante de uma gestação inesperada. “Essa gravidez me trouxe noites sem dormir e muito desespero. Eu achava que abortar seria a melhor coisa a fazer”, relatou. Ela escondeu a gravidez, pois temia a reação do esposo, que era violento. 
No quarto mês de gravidez, Elaine procurou ajuda e chegou ao atendimento da associação. “Pude desabafar o que sentia. Fui muito bem recebida. Ajudaram-me a perceber que não estava sozinha. Ainda no caminho para casa, eu telefonei ao meu esposo e assumi a gravidez. Tudo tinha um novo sentido”, relatou a mulher, que teve seu filho em junho de 2019. 
 

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Ver, sentir compaixão e cuidar

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04 de março de 2020

Iniciada na Quarta-feira de Cinzas, a Campanha da Fraternidade (CF) 2020, com o tema “Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso”, tem como objetivo geral “conscientizar, à luz da Palavra de Deus, para o sentido da vida como dom e compromisso, que se traduz em relação de mútuo cuidado entre as pessoas, na família, na comunidade, na sociedade e no planeta, nossa ‘casa comum’”. 
Na apresentação do texto-base da CF 2020, a presidência da CNBB ressalta que, neste ano, a campanha terá um olhar transversal para as diversas realidades e não para uma temática apenas, e convida a “refletir sobre o significado mais profundo da vida e a encontrar caminhos para que esse sentido seja fortalecido e, algumas vezes, até mesmo reencontrado”. 

O BOM SAMARITANO
A parábola do Bom Samaritano (Lc 10,25-37) é a base das reflexões para a dimensão do cuidado com o próximo: “O Bom Samaritano nos inspira e ensina como vencer a globalização da indiferença” (CF 2020,14).
O lema da CF 2020 – “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34) – é apresentado como um autêntico programa quaresmal para a escuta da palavra que converte o coração, a verdadeira atenção pelos outros, o rompimento da indiferença frente ao sofrimento e a disponibilidade para servir (15).

CONFIGURAR O OLHAR
O texto-base está estruturado em três eixos. No primeiro, é apontado que, para uma verdadeira mudança de vida, é preciso “configurar nosso olhar como o de Jesus, com o olhar do Bom Samaritano” (26).
Este é um olhar de compaixão (28) e especialmente direcionado a situações que agridem a vida humana, como a extrema pobreza; o desemprego; as tentativas de legalizar o aborto, a eutanásia e o suicídio assistido; os casos de estresse, depressão, ansiedade e suicídio; a agressão aos povos indígenas; o feminicídio; e os conflitos por terra e água. 
Também há o alerta de que “o domínio da economia, que retira o olhar para a pessoa do centro, orientando-se por outros interesses, é o motor da desigualdade social que agride a vida, não só do ser humano, mas de todo o planeta, modificando a ‘casa comum’” (61). 

SENTIR COMPAIXÃO
Diante das mazelas, o segundo eixo do texto-base apresenta a compaixão para superá-las: “O olhar de compaixão gera um ‘permanecer com’, uma presença que salvaguarda, cuida e transforma a vida que mais precisa” (82). 
Especialmente na Quaresma, todos são chamados a um novo olhar, que seja capaz de defender e cuidar da vida desde a fecundação até a plenitude. “Não somente a vida humana, mas também todas as outras formas de vida, respeitando e preservando a natureza humana” (84).
Esse sentir compaixão deve ser expresso em atitudes, como não ignorar ninguém que pede ajuda e se comprometer com o próximo e não apenas ter dó. Também acontece em uma justiça misericordiosa, que leva à “mais perfeita motivação de igualdade entre os seres” (105) e que envolve o combate às desigualdades sociais e às causas estruturais da pobreza (112 e 113). 
Essa compaixão também acontece por meio da solidariedade, “via privilegiada para a construção da paz” (116); da caridade social, que “leva a amar o bem comum e a buscar efetivamente o bem de todas as pessoas, consideradas não só individualmente, mas também na dimensão social que nos une (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, CDSI, 207)” (117); e da ternura, pois “interpela-se a indiferença quando, servindo à ternura, nos tornamos cuidadosos” (138). 
Também é recordado que a Igreja, em sua responsabilidade pelo zelo da Criação, tem o dever de proteger as pessoas de uma possível destruição de si mesmas: “Quando a ecologia humana é respeitada dentro da sociedade, beneficia-se também a ecologia ambiental” (147). 

CUIDAR
O terceiro eixo da CF 2020 trata da dimensão do cuidado, destacando que todos são convocados a “cuidar com divino carinho da vida em todas as suas formas e expressões” (160) e a “testemunhar e estimular a solidariedade; e fortalecer a revolução do cuidado, da ternura e da fraternidade, como testemunho de vida dos discípulos missionários, daquele que oferece vida em plenitude” (166).
Aponta-se, ainda, a importância da Igreja em saída e de cristãos que, entre outras posturas, anunciam que o sentido da vida está no amor traduzido no cuidado com os que sofrem; ofertam a própria vida e dedicam tempo aos apelos do Evangelho; cuidam dos mais frágeis; vão em busca dos que estão afastados da vida cristã; e geram experiências de solidariedade e inclusão.
Esse cuidar também envolve a reafirmação do valor da família e das comunidades cristãs como sinal de vida: “Uma comunidade que é lar: casa da Palavra, do pão, da caridade e da ação missionária” (197). 
Além disso, é proposto que a Jornada Mundial dos Pobres, a ser celebrada na semana que antecede a festa de Cristo Rei, seja o gesto concreto da CF 2020 (206). 
Este eixo do documento é encerrado com uma lista de iniciativas de cunho pessoal, comunitário e eclesial para valorizar a vida como dom e compromisso. 

NOS PASSOS DO SEU SENHOR
“A Igreja segue os passos do seu Senhor, vê, sente compaixão e cuida dos homens e das mulheres que se encontram feridos e necessitados de amor. Sem jamais perder a alegria do Evangelho, os cristãos são convidados a cultivar, na oração, na fraternidade e no serviço, um olhar de esperança que irradie para todos a luz da vitória da Ressurreição de Cristo” (223), consta na conclusão do texto-base, na qual também são reproduzidos trechos da Catequese “Educar para a Esperança”, proferida pelo Papa Francisco, em 20 de setembro de 2017. 

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