SÃO PAULO

EM TEMPOS PANDEMIA

A sabedoria não está isolada

Por Nayá Fernandes
16 de abril de 2020

O SÃO PAULO detalha como os idosos, que são do grupo de risco para a COVID-19, estão vivendo o isolamento social

Arquivo Pessoal

Entre todas as informações sobre a Covid-19, talvez a mais conhecida seja sobre o grupo de risco, no qual estão pessoas com doenças crônicas e as acima dos 60 anos. Desses, alguns já se aposentaram e outros continuam trabalhando ou realizando trabalhos de forma remota.

O SÃO PAULO conversou com idosos que, de diferentes lugares e realidades, contaram suas experiências durante o isolamento social, o que têm feito para ocupar o tempo e como têm vivido a dimensão da fé, participando das celebrações pela televisão ou pela internet e intensificando momentos de diálogo e oração em família.

QUEM SÃO ELES

Jorge Lima Lorente é radialista e escritor. Ele mora em Santo André (SP). Viúvo, tem dois filhos e quatro netos e está vivendo o isolamento social sozinho, numa casa com quintal e dois cães.

Maria Celeste Delgado Lessa, 76, mora em Recife (PE). É casada há 58 anos e teve quatro filhos, um deles, porém, faleceu de câncer. Está vivendo o isolamento em seu apartamento, na capital pernambucana.

José Antonio Novaes, 69, tem dois filhos e mora no Rio de Janeiro (RJ). Ele é professor de Matemática e está vivendo o isolamento social em seu apartamento, no bairro de Botafogo, com a esposa e a sogra.

Irene Perotto, 86, é religiosa da Congregação das Irmãs Paulinas há 63 anos. Ela nasceu em Barra do Ouro (RS) e mora em São Paulo (SP) junto a outras irmãs de sua comunidade religiosa.

Nelson da Silva Teixeira, 69, mora em São Paulo (SP), é casado e tem quatro filhos e uma neta. Está em isolamento com a esposa, uma das filhas e uma sobrinha em sua casa, no Jaçanã.  

Leonardo Venturini, 60, é casado há 32 anos. Tem duas filhas e mora em Jaguariúna (SP), onde está em isolamento com sua esposa e uma das filhas numa casa com quintal e muitas plantas.

Walter Mascarenhas Neves, 67, mora em São Paulo (SP), é viúvo e tem 3 filhos. Está em isolamento em sua chácara, em Indaiatuba (SP) junto com um das filhas e sua família e outro filho. Walter é engenheiro, mas após a morte da esposa se dedica quase exclusivamente ao trabalho pastoral e voluntário que realiza no Instituto de Infectologia Emílio Ribas, no Arsenal da Esperança e com oficinas de artesanato para idosos. É coordenador de um grupo diário de meditação cristã na paróquia em que participa, no bairro de Perdizes.

Como você tem vivido o isolamento?

Jorge Lima Lorente -  Tenho levado muito a sério o isolamento, não saio nem mesmo na calçada de casa e, na minha rua, que é sem saída, todos os moradores tem ficado em casa, com poucas exceções. Não tive tempo de me sentir chateado ou deprimido, um segundo sequer. Escrevo mensalmente para a Revista “O Mílite” e comentários sobre os Evangelhos dominicais para a internet. Isso tudo absorve meu tempo na sua totalidade. Estou trabalhando em casa. Meu escritório transformou-se em um estúdio de rádio e eu estou transmitindo meus programas, diário e dominical, de minha casa, via Skype. Confesso que estou aprendendo e aplicando coisas novas todos os dias.

Maria Celeste Delgado Lessa – Aqui em Recife, mais especificamente no meu bairro, algumas pessoas tem respeitado o isolamento, outras não. Eu tento ficar em casa, mas, às vezes, preciso sair, pois sou eu quem resolvo as coisas da casa. Pela manhã, após o café, faço caminhadas no corredor do edifício em que moro, além de subir e descer as escadas, pois moro no terceiro andar e fazer alguns exercícios dentro do apartamento. Depois, dedico um tempo para limpar a casa e fazer o almoço. À tarde, descanso, leio e cuido das plantas.

José Antonio Novaes – Por aqui, as pessoas não têm respeitado o isolamento, há muitas aglomerações, principalmente nas estações de transportes públicos. Estou há quatro semanas em casa e saí quatro vezes. Uma em que fomos nos vacinar, duas idas à farmácia e uma para as compras no mercado. Passo o tempo cozinhando, lendo, gravando vídeos para o canal “Matemática de outro jeito” que mantenho no You Tube, jogando e dançando com a Alice, minha esposa. Ah, e cuidando da sogra.

Irmã Irene Perotto - Sinto que as pessoas estão respeitando sim as normas de isolamento. Na minha comunidade também estamos, procuramos nos distanciar e manter o equilíbrio, que é muito importante neste momento.

Nelson da Silva Teixeira - Eu moro na periferia da cidade de São Paulo, no Jaçanã. Daqui de casa vejo algumas pessoas indo à UBS e consigo ver o ônibus com pouca gente. Nestes 26 dias de isolamento, só saí uma única vez para tomar a vacina há menos de 500 metros de casa. Eu gosto de sair para visitar pessoas e participar de atividades pastorais e voluntárias. Atualmente, trabalho remotamente como executivo de um partido político e atendo os 645 municípios do Estado de São Paulo, conversando e orientando as pessoas em suas comunidades.

Leonardo Venturini - Aqui na cidade, respeitando a ordem do Governo Estadual, está tudo fechado e temos apenas quatro casos confirmados [até dia 11 de abril]. Todos os dias de manhã, eu abro a porta da minha casa e agradeço a Deus caminhando pelo quintal! Tenho ocupado o tempo cuidando das plantas, cortando grama, colhendo as verduras. Às vezes toco violão, leio mensagens no Whatsapp, cozinho, cochilo à tarde. Mas, confesso que é muito difícil ficar em casa.

Walter Mascarenhas Neves - Por morar em um condomínio fechado, aqui na chácara, todos estão respeitando o isolamento. Estou numa casa grande, com terreno grande e isso facilita muito. Somente meu filho recebe o que vem de fora e higieniza tudo antes de manipularmos. Temos comprado tudo por telefone ou pela internet.

 

Você considera o isolamento uma privação? É muito difícil para você ficar em casa?

Jorge Lima Lorente – Sim. Gosto muito de sair. Faço palestras, gosto de visitar parentes e amigos. Nos encontramos pelo menos uma vez por semana. Porém, gosto muito também de ficar em casa escrevendo, lendo ou cozinhando alguma receita que encontro na internet, que tem sido – além do trabalho - um dos meus modos de passar o tempo.

José Antonio Novaes - Sempre gostei de sair, praticar esportes, passear, de eventos culturais e de trabalho. Tem sido difícil sim.

Irmã Irene Perotto - Acredito que esta é uma experiência única, independente de todas as outras experiências já vividas. É uma privação muito grande para todas as pessoas e, por isso, parece que o peso é ainda maior. Temos que pensar muito sobre isso e quais serão nossas atitudes depois que tudo passar.

Nelson da Silva Teixeira – Ficar em casa tem sido uma experiência muito salutar para nossa vida em plenitude. Um tempo para refletir sobre como estava a nossa vida, sobre o tempo que temos para cada coisa, sobre a importância do tempo.

Leonardo Venturini - Eu não gosto de ficar em casa. Acordava todos os dias às 5h e fazia minha caminhada, antes do isolamento. Gosto de conversar com as pessoas na rua e cumprimentar conhecidos, está sendo difícil sim. Mas, por outro lado, estou ficando mais tempo com minha esposa e minha filha, que mora fora da cidade. O que eu gosto mesmo é de receber pessoas em casa e estou sentindo muita falta disso.

Walter Mascarenhas Neves - Tem sido difícil ficar em casa, pois gosto de sair. Porém, sinto-me muito privilegiado por ter espaço, quintal, natureza e por estar com minha família. Para ocupar o tempo eu cozinho, cuido das plantas, limpo a casa e ajudo a cuidar do meu neto.

Você tem o hábito de rezar em casa? Os momentos de oração se intensificaram durante o isolamento?

Jorge Lima Lorente - Tenho sim o hábito de rezar em casa, tenho um pequeno altar, acompanho os momentos de oração pelos meios de comunicação, porém, sem companhia (a não ser a de Jesus e Maria), pois moro sozinho.

Maria Celeste Delgado Lessa - Tenho um altar no meu quarto e acompanho sempre as missas pela televisão ou pelo rádio, sobretudo com os padres Marcelo Rossi, João Carlos e Reginaldo Manzotti. Tenho muita fé em Deus que logo vai passar e sofro pelas famílias que perderam seus entes queridos.

José Antonio Novaes - Eu rezo sim, mas não acompanhando rádio ou tv. Quando criança, rezávamos o Terço em casa e eu continuei a rezá-lo, mas no metrô, trem, ônibus ou dirigindo e a Alice rezava em casa. Agora, estamos rezando juntos à noite.

Irmã Irene Perotto – Nós rezamos sempre, seja individualmente, seja em comunidade, além, é claro, das missas diárias. Antes da epidemia, porém, eu participava da missa na televisão somente em alguns domingos, quando eu estava impedida de ir à paróquia. Agora essa participação tem sido frequente. A celebração da Páscoa na comunidade também foi excelente. Cada cerimônia foi muito significativa.

Nelson da Silva Teixeira – Sim, junto com os familiares e pelas redes de televisão católicas, em especial a TV Aparecida, tenho acompanhado as celebrações. Tenho um altar dedicado a Nossa Senhora da Salette, e, como Leigo Saletino e Missionário da Reconciliação, sempre lembro a Mensagem de Maria na Montanha de La Salette, quando ela falou: “Não tenham medo, vão e levem esta mensagem para todo o meu povo”.

Leonardo Venturini – Todos os dias eu rezo o Terço, mesmo antes da pandemia. Toco violão no coral da paróquia e estou sentindo muita falta de participar das celebrações. Não tenho o costume de acompanhar o Terço pelo rádio, rezo sozinho. Mas, agora, durante o isolamento, estamos rezando o terço em família e está sendo uma experiência muito bonita. Temos vários altares em casa. Temos rezado muito durante esses dias.

Walter Mascarenhas Neves – Diariamente, rezo o Terço e participo da celebração numa igreja perto da minha casa. Aqui, na chácara, tenho acompanhado pela tv somente aos domingos. Em casa, conversamos, aprendemos a conviver e compartilhamos muitos momentos. Às vezes, quando bate ansiedade, fico mais introspectivo, rezo, tento refletir e mudar atitudes. Agradeço sempre a Deus, pois tem sido muito pródigo comigo.

 Acompanha as missas, encontros, momentos de oração pela televisão, rádio ou pela internet?

Jorge Lima Lorente - Faço uso de todos os meios de comunicação social. Têm me ajudado bastante para eu me aproximar mais de Deus, por meio da oração. Eu pensava que rezava o suficiente, neste período, assim como outras milhares de pessoas, eu tenho me encontrado em oração, no mínimo o dobro do que eu rezava. Toda a tecnologia e os meios de comunicação estão sendo bastante utilizados. Vários grupos se formaram, então acontecem, além da troca de informações via Whatsapp, encontros programados para a oração do terço via hangouts ou Skype.

José Antonio Novaes – Sim, pois foi a opção que nos restou. O padre da minha paróquia tem celebrado por lives do Facebook e, às vezes, assisto a missa pela Rede Aparecida de Televisão.

Irmã Irene Perotto - Tenho muito contato virtual e por telefone com meus familiares, irmãs, sobrinhas. Durante o dia, nos falamos sempre. Eles me contam o cotidiano e eu dialogo com eles e tento confortá-los neste momento tão difícil. Estamos todos contando os dias para que acabe essa situação de isolamento. Participar das missas por meio da televisão tem sido uma experiência única, pois, embora à distância, é como se estivéssemos num contato quase pessoal com toda a Igreja.

Nelson da Silva Teixeira – Sim. Uso todos os meios tecnológicos para viver a minha fé. Os templos estão fechados, mas a Igreja está sempre aberta, pois a Igreja também somos nós. Tenho também participado de alguns grupos virtuais, como CNLB, Cáritas e Leigos Saletinos.

Leonardo Venturini - Todos os dias participamos da missa pela televisão durante este tempo, mas, está sendo difícil, pois não é a mesma coisa da missa presencial.

Walter Mascarenhas Neves - Não gosto muito de acompanhar os atos litúrgicos pela televisão, por isso, durante o isolamento, tenho feito isso só aos domingos.

Acredita que este tempo de isolamento pode ensinar, para a sociedade em geral, algo de bom?

Jorge Lima Lorente - Eu tenho certeza que este período de isolamento trará muitos frutos bons. Pessoas descrentes estão se aproximando da Igreja e participando dos momentos de oração. Um velho ditado diz que nos aproximamos de Deus pela dor ou por amor. Pena que tenha que ser pela dor. Mas, as pessoas estão sim rezando mais e deixando de lado o pronome pessoal eu e fazendo uso do nós. Notícia recente mostra que os meios de comunicação, de conteúdo religioso, teve um salto, um aumento de 300% no seu Ibope. O aprendizado já está acontecendo, a proximidade entre filhos e pais, marido e mulher.  Vamos continuar em oração para que, quando tudo passar, esta fantástica experiência não caia no esquecimento.

José Antonio Novaes – Com certeza. As mídias nos ajudavam a nos aproximar das pessoas distantes e, às vezes, acabavam nos distanciando de quem estava perto. Penso que, com este exercício de isolamento, vamos notar que precisamos ficar mais perto da família e de quem mora conosco. Espero que além de valorizar mais a saúde, alguém se atente para a importância da educação e dos professores.

Irmã Irene Perotto - Tenho certeza que o futuro será diferente. Acredito que a humanidade vai iniciar uma nova era. Essa experiência tem sido de diálogo, de valorização da família, de intensificar os relacionamentos e isso vai modificar o futuro, sobretudo as famílias. A família é o centro da humanidade. As epidemias marcaram profundamente e diretamente minha vida. Quando eu tinha cerca de 12 anos, aconteceu a epidemia de tifo no Brasil. Meu pai, que nunca teve nenhuma doença, pegou a febre e morreu em decorrência do tifo. Quando eu tinha 40 anos, fui eu quem peguei a gripe asiática. Tive febres de 40ºC e não havia remédio que abaixasse a febre. Estava em missão e tive que resistir, mas, quando voltei para a comunidade, continuei tendo febre. Tive então uma pneumonia muito forte e um dos pulmões prejudicados, com consequências que duram até hoje.

Nelson da Silva Teixeira – Este tempo vai nos trazer um novo modo de vida menos consumista e mais solidário. Veremos com se fosse com uma lupa as necessidades de nossos irmãos mais desfavorecidos. E, como afirmou o Papa Francisco na Encíclica Laudato si, a própria Igreja deverá se tornar menos intimista, para ser uma Igreja verdadeiramente em saída, indo ao encontro das pessoas nas periferias de nossa existência.

Leonardo Venturini - Acredito que depois que tudo isso passar muitas coisas vão mudar. Vamos valorizar muito mais nossa liberdade. A liberdade de sair, de receber amigos, de confraternizar com as pessoas. Deus, família e liberdade são as coisas mais importantes da vida.

Walter Mascarenhas Neves – Acredito que este isolamento me ajudará, sobretudo, a compreender melhor a situação dos idosos com os quais trabalho, pois a maioria deles passa muito tempo sozinho. Sinto que tudo o que acontece em nossa vida está em sintonia com os planos de Deus. Além disso, aprenderemos, sempre mais, a conviver, o que parece simples, mas não é.

 

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