SÃO PAULO

FRATERNIDADE

A Igreja está a serviço dos pobres

Por Jenniffer Silva
20 de abril de 2020

No centro de São Paulo, o Serviço Franciscano de Solidariedade socorre a população de rua em tempos de pandemia

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Uma idosa de 90 anos caminhava ao lado de inúmeras pessoas que seguiam pela extensa fila formada no Largo São Francisco, no centro de São Paulo. A cada novo passo, a mulher de idade se via mais próxima de um recurso distante de sua realidade havia quase sete dias. Quando chegou, ela recebeu das mãos de um frade franciscano o que buscava e, olhando em seus olhos, disse: “Eu quero louvar e agradecer a Deus, pois faz quase uma semana que não me alimento com comida”.

O agradecimento da idosa foi lembrado pelo Frei José Francisco dos Santos, da Ordem dos Frades Menores e diretor presidente do Serviço Franciscano de Solidariedade (Sefras), em entrevista ao O SÃO PAULO.

A organização administrada pela ordem franciscana, que há mais de 20 anos tem seu trabalho voltado à população em situação de rua, por meio do “Chá do Padre”, viu na escassez de recursos em tempos de COVID-19 a necessidade de ampliar seu atendimento aos mais vulneráveis.

EM PRAÇA PÚBLICA

No fim de março, para evitarem aglomeração na sede da entidade, localizada na Rua Riachuelo, no centro, os religiosos propuseram a montagem de uma tenda no Largo São Francisco, para a distribuição de refeições diárias.

Na linha de frente, atuam dez frades e sete religiosas das congregações das Irmãs Franciscanas da Terceira Ordem Seráfica, Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus e Irmãs Catequistas Franciscanas, além de inúmeros voluntários.

Imaginava-se, a princípio, uma média de 700 atendimentos por dia, contudo, somente no Domingo de Páscoa, 12, compareceram mais de 4,2 mil pessoas à tenda de atendimento.

Uma explicação provável para o rápido crescimento, na opinião do Frei José Francisco, é que a vulnerabilidade social já não atinge somente a população de rua: “Nós temos um grande número de pessoas vindas dos prédios ocupados, de trabalhadores informais. São os famintos da cidade, os primeiros atingidos pela crise da pandemia”.

Diante da inevitável aglomeração causada pelo fluxo de pessoas que frequentam a tenda, os frades, as religiosas e os voluntários tiveram que se adaptar ao uso dos equipamentos de proteção individual (EPIs) e intensificar os cuidados com a higiene.

“Neste momento, fazemos a experiência de uma Igreja em saída, que não está reclusa, embora saibamos do risco. Assim como os governantes estão montando hospitais para atender à saúde do povo, nós, como uma pequena porção da Igreja, estamos também nos colocando em praça pública como instrumentos da solidariedade. Nas mãos de Deus não fazemos a nossa vontade, mas a Dele, nessa relação de cuidado com os que mais precisam”, manifestou o Frade.

SOLIDARIEDADE PLURAL

Outro desafio citado por ele foi o de manter a sustentabilidade institucional diante da nova demanda, o que tem sido possível graças ao apoio de muitas pessoas que enviam mantimentos e refeições prontas para distribuição. Das 3,5 mil refeições oferecidas diariamente, 3 mil chegam por meio de grupos que atuavam na região antes da pandemia.

Além da tenda, o serviço de solidariedade continua a acontecer na sede do “Chá do Padre” e em mais um espaço erguido em parceria com as secretarias municipais de Direitos Humanos e de Assistência Social, na Baixada do Glicério. Para as famílias carentes que não vivem em situação de rua, está sendo feito um cadastro para a distribuição de cestas básicas. Até o momento, já foram entregues 3,5 mil kits com mantimentos.

‘QUE EU LEVE A ESPERANÇA’

A ordem franciscana tem como princípio a atenção para com os mais pobres: “São Francisco vai dizer que estar entre os mais necessitados é fazer com que eles nos evangelizem e nos desafiem a um despojamento pessoal, fazendo-nos perceber que todos estamos sujeitos à fragilidade”, ressaltou o Frade.

Frei José refletiu, ainda, que o fato de o espaço ter se transformado em uma rede de solidariedade é motivo de grande emoção e revela a ação do Espírito Santo, que age em prol dos que precisam, por meio dos que se colocam a serviço da paz, da necessidade emergencial e da vontade de Deus. Ele fez memória, ainda, do que disse o Papa Francisco na Exortação Evangelii gaudium, sobre a necessidade de se edificar uma igreja aberta e a serviço dos pobres, atuando, assim, como “um hospital de campanha para, dessa forma, ajudar, defender e cuidar, mas que não veio para se estabelecer, pois o que deve ser estabelecido é o Reino de Deus, o Evangelho e Jesus”.

O Frade manifestou, também, seu agradecimento às muitas comunidades e pessoas que se solidarizam com o serviço à população de rua, com doações ou orações, sobretudo os padres e bispos que têm demonstrado especial atenção ao atendimento oferecido neste momento.

ESCLARECIMENTO

O Frei José Francisco dos Santos desmentiu as informações de que frades que atuam na linha de frente do serviço à população em situação de rua teriam contraído o novo coronavírus. Ele assegurou que nenhum dos religiosos ou voluntários envolvidos apresentou qualquer sintoma da doença até então, mas explicou que dois frades que residem no Convento São Francisco tiveram diagnóstico confirmado. Outro também desenvolveu os sintomas, mas não foi submetido ao teste e continua em isolamento social.

Leia a nota de esclarecimento do Serviço Franciscano de Solidariedade.

 

Serviço Franciscano de Solidariedade socorre a população de rua em tempos de pandemia

Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO
Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO

Serviço Franciscano de Solidariedade socorre a população de rua em tempos de pandemia

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