Encontro com o Pastor

Romaria a Aparecida em tempos de pandemia

A pandemia da COVID-19, causada pelo novo coronavírus, está ocasionando mudanças que pareciam bem improváveis em nossos tempos de medicina avançada, de ciência e técnica ágeis para responder rapidamente aos novos desafios e necessidades da humanidade. Quem podia imaginar que, mesmo nos países ricos e avançados na ciência, na economia e na organização social, populações inteiras deveriam ficar de quarentena, para não se contagiar com o tal vírus?

Quem podia imaginar a falta de leitos e equipamentos básicos em hospitais para assegurar a sobrevivência de pessoas com crise respiratória? Quem imaginava o comércio, as escolas e as Igrejas fechados, partidas esportivas – das mais variadas modalidades – canceladas, aeroportos às moscas, eventos culturais adiados? Quem podia prever o temor generalizado diante do risco de contágio de uma doença ainda sem cura e que atinge a população de maneira generalizada?

É assim, pois, que estamos, e o que parecia ser coisa de séculos passados, dos “tempos da peste”, está de volta em pleno século XXI! Vemo-nos a lutar contra um inimigo invisível, que pode estar por toda parte e contra o qual ainda não se tem uma arma segura. De um momento para outro, as metas e prioridades da política, da administração pública, da economia e da vida social mudaram radicalmente. Muitas pessoas promovem reflexões sobre as lições dessa pandemia e a revisão necessária de muita coisa na vida pessoal, social e na vida pública. O que deve ser prioritário? O que vai na direção certa e o que vai na direção errada, diante da crise provocada pelo novo coronavírus?

E na Igreja não é diferente. Também nós tivemos que nos repensar e reorganizar, em vista do cumprimento do essencial na nossa missão. Temos, de fato, muita necessidade de repensar nossa forma de fazer a evangelização e de promover a vida pastoral em nossas comunidades. A muitos vem a impressão de que, sem o povo nas missas dominicais, a Igreja não existe mais, nem tem jeito de continuar a fazer sua missão. E, no entanto, a Igreja existe e se redescobre viva e presente nas famílias, nas casas, nas pequenas células e organizações de cultivo da fé, de oração em comum, de escuta e acolhida da Palavra de Deus e na caridade fraterna, vivida nas circunstâncias concretas. A Igreja vive e se fortalece a partir de sua base: “Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, ali estarei no meio deles”, prometeu Jesus.

Também a 119ª Romaria anual da Arquidiocese de São Paulo ao Santuário Nacional de Aparecida, no dia 3 de maio, será diferente. Desta vez, sem a participação física da multidão de romeiros, que todos os anos costuma ir a Aparecida. Irão apenas o Arcebispo e os Bispos Auxiliares, acompanhados de algumas poucas pessoas. Eles representarão toda a Arquidiocese e celebrarão a missa ao meio- -dia na Basílica do Santuário. O povo da Arquidiocese ficará em suas casas, cuidando da saúde, podendo acompanhar a missa da romaria, transmitida pela televisão, rádio e diversas mídias sociais. Será uma romaria diferente, não com a presença física do povo de São Paulo, mas com a presença virtual, com muita fé, que não deixa de ser uma forma de presença. Com o coração, todos poderão estar em Aparecida. Também isso vai se integrando às novas formas de expressão da fé e da religiosidade, podendo, inclusive, alcançar e envolver muitas pessoas que estariam impedidas de se deslocar até lá.

Se vai ser diferente na forma, a romaria não será diferente no significado. A devoção a Nossa Senhora Aparecida é de enorme importância para o povo católico em geral e, em particular, para o povo de São Paulo. De fato, há uma relação histórica profunda entre São Paulo e Aparecida. Por mais de 200 anos, de 1745 a 1958, a devoção à Senhora de Aparecida esteve aos cuidados da Diocese e Arquidiocese de São Paulo, antes que fosse criada a Arquidiocese de Aparecida. A romaria foi sempre ocasião para expressar a gratidão à “Virgem Mãe de Deus e Nossa”, por sua intercessão nas horas de angústia e dor e de agradecimento pelas graças alcançadas.

E não será diferente neste ano: depositaremos nas mãos e no coração da Mãe e Padroeira do Brasil as preocupações com a saúde do povo, especialmente dos doentes, e pediremos sua intercessão por todos e pelo Brasil, nesta hora difícil que atravessamos. Para ela, voltaremos nosso olhar em prece, especialmente pelo povo de São Paulo.

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Publicado em O SÃO PAULO, na edição de 29/04/2020

LEIA TAMBÉM: E Tomé não esteve com eles

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.