Encontro com o Pastor

Sínodo e coronavírus

É estranho escrever este artigo apenas uma semana depois de ter convidado, com convicção, todos a participar do início da assembleia sinodal arquidiocesana, cuja primeira sessão deveria ter acontecido no dia 21 de março. Em pouco tempo, as coisas mudaram radicalmente, a ponto de termos suspendido, por enquanto, os trabalhos da assembleia sinodal, à espera de tempos melhores para todos.
Por causa da pandemia do novo coronavírus, no espaço de uma semana, suspendemos também as celebrações das missas e demais sacramentos, atos religiosos e pastorais presenciais. Nossas igrejas se encontram fechadas, e estamos todos confinados em casa, em vista da gravidade da situação sanitária. A pandemia da COVID-19 se alastra rapidamente e já atingiu muitas pessoas em São Paulo e em todo o Brasil. Também já vamos contando os mortos por causa desse vírus, pois não há ainda uma vacina preventiva nem tratamentos resolutivos para a doença. Por isso, a única medida cabível, neste momento, para bloquear a difusão da pandemia, é o isolamento social, permanecendo todos em suas casas, de quarentena, por algum tempo. Esperamos que isso resolva as coisas, sem deixar muitas vítimas.
Nesses dias, pus-me a refletir nas lições que essa situação está nos deixando. Acho que tem tudo a ver com o nosso sínodo, que chama à “comunhão, conversão e renovação missionária”. De um momento para outro, não temos nossas igrejas e espaços pastorais abertos para encontros e celebrações presenciais, nem podemos sair de casa para as atividades pastorais ordinárias, nem trabalhar com o método a que estávamos acostumados. A Igreja, porém, os pastores e as pastorais, cada um de nós não pode ficar longe do povo neste momento de angústia e medo. Não podemos fechar as igrejas e abandonar as pessoas a si mesmas, nem deixar de cumprir nossa missão, que não entrou “em quarentena”. Não podemos deixar de levar a Palavra de Deus a todos, nem de nos manifestar ao mundo, nem de dar conforto espiritual e religioso ao povo, justamente no momento em que ele mais precisa disso! Como faremos isso, no entanto, se temos de ficar dentro de casa e sem contatos presenciais?
Será que o Espírito Santo, animador e guia da Igreja, não está querendo nos dizer algo neste tempo e mediante essa situação? Precisamos colocar-nos à escuta daquilo que o Espírito diz à Igreja em São Paulo, neste tempo de pandemia. Como São Paulo às portas de Damasco, devemos perguntar com sincera humildade: “Senhor, o que queres que façamos?” Penso que o Espírito de Deus está nos ajudando a cair na realidade: precisamos rever nossos modos de estar com o povo, de fazer pastoral, de nos comunicar e de interagir com ele. A pesquisa do sínodo de 2018 deixou muito claro que um dos nossos problemas é a escassa proximidade do povo, que apenas uma pequena porcentagem dos nossos católicos, de fato, está em contato conosco e nós com eles. Ao mesmo tempo, mostrou que, com nossos eventos religiosos presenciais, não alcançamos mais que 30% dos católicos, e de maneira muito precária.
Além disso, lendo e interpretando os dados da pesquisa e do levantamento paroquial, compreendemos que devemos mesmo “converter” nossa maneira de fazer pastoral e de evangelizar. Sem o contato com as pessoas, a Igreja deixa de ser “testemunha de Deus na Cidade”. É da natureza da Igreja e da nossa missão que elas sejam eventos de presença e contato. É a lógica da Encarnação do Verbo e a natureza “sacramental” da Igreja que faz as coisas serem assim. A Igreja é mediadora da ação de Deus, de muitas formas. Na cultura da grande cidade, como fazer para que esta “lógica sacramental” da vida e da ação da Igreja continue acontecendo, nos novos modos de vida da urbe? Precisamos repensar nosso modo de ser Igreja e de fazer evangelização e pastoral na grande cidade, para alcançarmos as pessoas e sermos fiéis à nossa missão. Como conseguir essa necessária e urgente mudança e conversão pastoral-missionária?
Eis que um vírus minúsculo nos está chamando a repensar nossa ação evangelizadora, mesmo sem contar com igrejas e espaços pastorais abertos, mesmo sem as organizações e estruturas pastorais que, tantas vezes, nos parecem imutáveis. Temos de nos repensar, para alcançar o povo, para estar em contato com ele, para levar o Evangelho às pessoas, para ser sinal de conforto e esperança para tantos desalentados e tantos outros desiludidos com as promessas falsas de felicidade e salvação mediante o dinheiro, o ter, o poder, o prazer e todas as ilusões de felicidade sem Deus. Que lições de conversão pastoral nos deixa esse minúsculo e assustador coronavírus? Mesmo suspenso, o sínodo continua a fazer pensar...

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Publicado em O SÃO PAULO, na edição de 25/03/2020

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