Comportamento

Minha filha quer ser freira

Dentre muitas transformações no comportamento que envolveu a família no século XX, dois aspectos foram marcantes: a independência feminina e a vertiginosa queda no número de filhos. Constata-se que as mulheres passaram a ser empreendedoras com crescente participação em todas as atividades profissionais, em que o sucesso está atrelado ao crescimento econômico como objetivo principal.

“Ninguém pode servir a dois senhores. Com efeito, ou odiará a um e amará o outro, ou se apegará ao primeiro e desprezará o segundo. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24). Estas palavras de Cristo se aplicam como uma luva ao que ocorreu no comportamento humano profissional, de modo particular no século XX e atual, em que, de manhã até à noite, vive-se pendente dos índices da bolsa de valores, do dólar, das correções monetárias, aplicações financeiras etc. O norte da bússola da vida passou a apontar para “ganhar mais dinheiro”. 

Neste cenário, as nossas jovens tornaram-se competitivas, e muito, aos rapazes. Moças e rapazes que, obedecendo à regra da brutal diminuição de filhos nas famílias, são, na maioria, filhos únicos de pais que os educaram para o êxito profissional, ou seja, bem-sucedido financeiramente. Estudos, cursos especializados, línguas etc. Uma vida tão preenchida de atividades que não há espaço para Deus. 

Segundo dados da pesquisa de campo do sínodo da Arquidiocese de São Paulo, somente 5% dos católicos frequentam as missas com regularidade. Certamente, a maioria destes 5% nota a urgente necessidade do crescimento de vocações religiosas e sacerdotais para atender ao rebanho. Ficam até emocionados quando sabem que o filho de alguém se ordenou sacerdote, mas não deixam de achar estranho que a filha da vizinha entrou para uma ordem religiosa: “Nos dias de hoje!” No entanto, a pergunta é: e se a moça que quer ser religiosa – freira – for a sua filha? Você está preparado para aceitar? Incentivar? Motivar para esta vocação? A sua única filha...

Não faz um século que numa família numerosa um ou outro seguisse o caminho da consagração a Deus como sacerdote, frade ou freira. Por vezes, irmãos seguiam a vocação, e não faltavam netos nascidos dos que permaneciam leigos. Atualmente, quando dentre os católicos o segundo filho é uma dúvida e do terceiro nem se fala na maioria dos casais, entregar o único filho ao chamado de Deus pode ser angustiante. 

Não vou ser eu aqui a dizer o que faz uma freira, ainda mais de clausura. Porém, todos nós sabemos que são pessoas que durante as suas atividades rezam, e muito. Numa analogia distante, diria que a “profissão” da freira é rezar em tudo que faz. Mesmo aquelas que se dedicam à comunidade aberta não o fazem diferente, do contrário, seriam como qualquer outro profissional leigo não cristão, pois para o cristão o trabalho deve ser oração. Mas isto é outro tema... Voltemos às vocações religiosas.

“Mas, filha, você vai ficar rezando o tempo todo?!”, contava-me uma mãe, certa vez, sobre a filha que, com alegria, anunciava a sua vocação para entrar no Carmelo. A dedução é que a mãe não estava convencida de que isto era importante, muito importante, especialmente nos tempos de hoje. Quando todos correm atrás de suas realizações pessoais, de se tornarem líderes, terem milhões de seguidores, ganharem prêmios e bônus por metas superadas...; a sua filha estará oculta ao mundo, rezando diante de Deus, com amor limpo, fé crescente e esperança inabalável que ouviu e atendeu ao chamado do Senhor.

Ao longo da vida profissional, tenho tido a oportunidade, e gratidão, de merecer a confiança dos cuidados de várias religiosas. A alegria parece crescer com o passar dos anos. Pessoas conscientes de sua entrega, e do sentido que deram às suas vidas, com suas alegrias e dificuldades próprias, mas com a satisfação da escolha certa. Muitas com capacidade para seguir profissões com enorme sucesso econômico e pessoal.  

“A colheita é grande, mas poucos os operários! Pedi, pois, ao Senhor da colheita que envie operários para a sua colheita” (Mt 9,37-38). Neste cenário barulhento em que vivemos, com maçãs do jardim do Éden sendo oferecidas aos quatro cantos, as vocações podem gritar para surdos. Mas a voz do Senhor tem seus eleitos, e nestes o coração está atento. Que os pais e “amigos” não os desanimem, mas, pelo contrário, orientem para uma decisão responsável e amorosa, com retidão e fidelidade, para este trabalho tão necessário nos dias de hoje.  

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