Editorial

‘Quando sou fraco, então é que sou forte’

A Igreja tem, nos últimos três papados, insistido na necessidade de se viver e proclamar o Amor Misericordioso de Deus. o Papa São João Paulo II, autor da encíclica Dives in Misericordia (“Rico em Misericórdia”), disse certa vez que “não há nada que o homem precise mais do que a divina misericórdia”; o Papa Bento XVI escreveu a encíclica Deus Caritas Est (“Deus é amor”), em que ressalta a importância de se compreender e viver o amor de Deus, e o Papa Francisco nos fala com frequência sobre a importância da misericórdia para uma vida cristã autêntica, e como devemos não apenas reconhecer a misericórdia de Deus, mas também imitá-la em nossas relações. Em uma recente homilia, afirmou que a “misericórdia é a verdadeira face do amor”. 

Mas como é essa face do amor? O que é a misericórdia? De acordo com Michel Esparza, padre espanhol, misericórdia significa “ter predileção pelas pessoas necessitadas, compadecer-se delas, sofrer com elas”. A própria origem da palavra indica seu sentido: do latim miseria e cor, coração. É misericordioso aquele que tem seu coração cheio de miséria – não da própria, mas da miséria dos outros, que sente como se fosse sua. Parte da misericórdia é a compaixão: a capacidade – e o desejo – de partilhar das alegrias e tristezas do outro, de sentir o que ele sente. Deus tanto ama os homens e sente a dor humana que enviou seu Filho, Jesus Cristo, verdadeiro Deus, para que fosse, também, verdadeiro homem. Na Santa Cruz, foi por misericórdia e amor que Ele recebeu sobre Si os nossos pecados, Se sacrificou e nos salvou.

Jesus nos ama e, por amar, carrega em seu coração as nossas misérias. Ele nos ama como os pais amam seu filho mais fraco e mais frágil, aquele que mais precisa deles. “É a nossa miséria que atrai a misericórdia divina”, diz Esparza, e com ele concorda São Bernardo de Claraval: “O meu único mérito é a misericórdia do Senhor. Não serei pobre em mérito, enquanto Ele não o for em misericórdia. E, como a misericórdia do Senhor é abundante, também abundam meus méritos”. 

Nada disso, entretanto, implica amor sem justiça. Deus é infinitamente misericordioso, sim, mas infinitamente justo também – Ele ama o pecador, não o pecado, e não pode se apoiar na misericórdia quem se entrega aos próprios pecados sabendo o quanto estes ferem a Jesus, que experimenta a dor deles em seu próprio coração; não pode amar Cristo quem não luta contra o pecado, pois é condição do amor que se evite ferir o Amado. “A santidade cristã”, diz Gustave Thibon, filósofo francês indicado ao Nobel de Literatura, “reconhece-se por este duplo sinal: esforço heroico na luta pela pureza absoluta e piedade ilimitada perante a impureza”. 

Quem verdadeiramente luta contra o pecado, quando cai, não é surpreendido por sua fraqueza, mas reconhece na própria queda o motivo do amor de Deus. Para São Paulo, Jesus disse: “Meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” – e aqueles que se entregam ao Amor Misericordioso podem, junto de São Paulo, dizer: “Prefiro gloriar-me nas minhas fraquezas, para que pouse sobre mim a força de Cristo. Por isto, eu me comprazo nas fraquezas. (…) Pois quando sou fraco, então é que sou forte”(2Cor 12,8-10).

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