Opinião

Nação, soberania e identidade

Nos últimos meses, houve certo debate sobre os rumos do futuro Sínodo dos Bispos para a Pan-Amazônia e suas implicações para a soberania nacional. Não pretendo questionar aqui a importância dessa soberania, mas evidenciar que as diferentes maneiras de ver a Amazônia (e o mundo) de diversos atores – governos, ONGs, movimentos sociais e eclesiais, cidadãos, todos convidados pelo Papa Francisco a uma “conversão ecológica” – estão a requerer novas compreensões, inclusive provocadas pela Encíclica Laudato Si’. Se o Magistério da Igreja aponta princípios norteadores também da ação política, social, econômica, ambiental etc., a concretização histórica dessas ações é necessariamente limitada, parcial, incompleta e, por isso mesmo, plural e constantemente necessitada de crítica. E o caminho para tal, insiste o Papa, é sempre o diálogo.

Proponho uma breve reflexão sobre dois temas, dentre muitos, referidos na citada manifestação: a soberania e a identidade nacionais.

No atual mundo globalizado, o que significa soberania nacional? Decisões econômicas cruciais para toda uma população são tomadas em esferas transnacionais; os recursos naturais de um país têm seu preço estabelecido em bolsas desterritorializadas; as fronteiras de uma nação são porosas ao tráfico de drogas, armas e pessoas… As questões do tráfico, do clima e da migração humana transcendem o poder que os países têm para enfrentá-los.

Parece-me pertinente o conceito do cientista político Benjamin Barber de interdependência das nações. Aliás, para ele, o enfrentamento das questões globais requer uma maior participação das cidades, o espaço real (a polis) onde o cidadão desenvolve a política (os estados e a União são construções distantes dele).

Uma pista para repensar o conceito de nação pode ser a paráfrase de Chiara Lubich de um preceito evangélico: “Amar a pátria do outro como a própria”. Assim como nas relações interpessoais se é chamado a superar a dimensão da individualidade para ser dom uns para os outros (os talentos nos foram dados por Deus para o bem da comunidade humana), também nas relações internacionais há que se superar a dimensão do nacionalismo para serem os países dom uns para os outros (seus recursos naturais lhes foram dados pelo Criador para o bem de todos os povos). Tal perspectiva redimensiona a concepção de blocos, instâncias multilaterais e instituições supranacionais.

Liga-se intimamente a esse tema a identidade nacional. O que ela significa, particularmente em nossos países latino-americanos, formados por encontros e desencontros de povos originários, colonizadores, escravos negros e imigrantes? Reconhecer a pluralidade aqui existente não seria uma riqueza para todos? Talvez os primeiros cristãos, que se sentiam “estrangeiros na própria terra” por se saberem cidadãos dos Céus, inspirem-nos a que também as diferentes identidades estabeleçam entre si tramas de relações de profundo compromisso com as pessoas que compartilham determinado território em determinado tempo e de abertura a uma fraternidade universal.

São questões agudas particularmente na Pan-Amazônia. Os caminhos que se encontrarem para a região podem ser benéficos para o mundo todo. A Igreja e, particularmente, os cristãos leigos têm plena consciência dessa responsabilidade histórica.

Klaus Brüschke é membro do Movimento dos Focolares, ex-publisher da Editora Cidade Nova e articulista da revista Cidade Nova.
 

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