Fé e Cidadania

Era estrangeiro e não me recebestes!

Ponhamos diante de nossos olhos a fisionomia concreta e existencial daquele que está à porta e bate. São milhares de milhares que batem todos os dias às portas de diversos países, particularmente do Brasil.

Será que a porta só foi mantida fechada em Pacaraima? Ou, igualmente, no Largo da Concórdia? Ou, ainda, na Avenida Morumbi? Ninguém pode dizer, a respeito desse tema: é problema do governo, ou dos governos. Não é não! Sou eu que não acolho, podendo acolher. E, mesmo que não tenha lugar na minha casa, tenho esse espaço cristão de acolhimento que atende pelo significativo nome de Caritas, quase que um sinônimo ou o próprio nome de Deus. A Caritas atende em meu nome, na medida em que recebe o meu apoio, com um quadrante que seja, com o amor que se expressa aqui e agora, em forma de gesto concreto. Aliás, é João quem nos recorda: “Meus filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade.”

Não sai da cabeça de ninguém a brutal imagem do menino Aylan Kurdi, encontrado morto aos 3 anos de idade naquela praia da Turquia, vítima inocente do naufrágio do barco de refugiados que jamais aportou. E, de fato, o número de sírios em situação de êxodo forçado, como decorrência da guerra civil, só faz aumentar dia após dia.

De um número relativamente pequeno de refugiados – cerca de 10 mil –, o Brasil pode saltar de uma hora para outra para 90 mil. E, nesse escore, a quantidade mais alarmante é a dos venezuelanos, cujo êxodo assume proporções alarmantes.

A mensagem cristã não admite vacilações: devemos acolher a todos e lhes proporcionar o melhor atendimento possível, nem tanto pela clara advertência da sentença final quanto, principalmente, pelo supremo mandamento do amor.

O Estado brasileiro convive com o tremendo paradoxo de ter editado uma das leis mais modernas do mundo, como acentuou o presidente da República em discurso na ONU, e de, agora, anunciar publicamente a retirada do Pacto Global para a Migração Segura, Ordenada e Regular. Pacto que contara com expressiva maioria dos integrantes das Nações Unidas e que recebera o apoio formal do Papa Francisco.

Enfim, a advertência inicial, mero lembrete para os que sabem bem o que os aguarda no termo da jornada terrena, torna-se mais exigente: cabe à comunidade, à margem do Estado e, até mesmo, contra o sectarismo de setores do Estado, militar em favor da acolhida brasileira aos irmãos que aqui querem encontrar sua cidade de refúgio.

Como também sublinhou o Papa numa oração recente: que encontrem acolhida em nosso coração, em nossa oração e em nossa casa.

Wagner Balera é professor titular de Direitos Humanos na Faculdade de Direito da PUC-SP. Também é líder do Grupo de Pesquisa: Direito e Direitos dos Refugiados (CNPq).

 

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