Opinião

‘Não se nasce mulher’!? Uma ideia-chave de Simone de Beauvoir

Uma renovada afirmação pública, no Brasil, da sentença “não se nasce mulher, torna-se mulher” ganhou, nestes dias, estrépito nas redes sociais. Essa sentença não é nova, pois já proclamada na terceira onda do feminismo, que, com a ideologia de gênero, substituiu o conceito de sexo, em sua determinação biológica, pela ideia de gênero como construção originária da cultura. O que se quer significar com isso é que os gêneros feminino e masculino não seriam determinações naturais, mas constructos humanos (ou seja, compostos derivados da vontade humana) resultantes de um hiperindividualismo: a identidade de cada indivíduo se fundaria na absoluta arbitrariedade individual, sem limites, nem obstáculos, à margem de dados objetivos físicos, psicológicos ou sociais (cf. Élizabeth Montfort, “Le genre démasqué” Valence, 2011).

Contra o juízo de que “não se nasce mulher” se opõe a afirmação da ciência genética de que a identidade biológica provém, ao tempo mesmo da concepção, com o fato de unirem-se, de modo permanente, dois cromossomos. Iso se confirma, até de maneira trivial, por meio das técnicas contemporâneas que permitem, ainda no período de vida intrauterina, aferir a identidade biológico-sexuada do feto, cuja formação estrutural, para mais, desenvolve-se diferentemente e com ritmo diverso segundo se trate de um indivíduo masculino ou de um indivíduo feminino (transformação das gônadas indiferenciadas em gônadas definitivas: testículos e ovários). Bem o disse Maria Isabel Llanes, em “Del sexo al género” (Pamplona, 2010), que “a identidade biológica é sexuada desde o momento da concepção”, de sorte que, na vida terrena, a discriminada identidade sexual de cada indivíduo é condição persistente resultante da natureza corporal do homem, importando num constitutivo fundamental de toda a amplitude da personalidade humana (cf. Jorge Scala, “Género y derechos humanos”, Buenos Aires, 2004).

Admitir por verdadeira a afirmação de que “não se nasce mulher” leva a reconhecer, em rigor, o repúdio de uma natureza humana independente da vontade do indivíduo e negar a existência de um Deus criador, porque à liberdade dos homens se concederia a possibilidade, por seu mero arbítrio, de desconstruir e reconstruir as essências. Isso implica a potencialidade de uma desconstrução amplificada de toda a natureza das coisas (natura rerum), propiciando aos indivíduos a imaginação e a imposição despóticas de ficções de identidade (cf. Tony Anatrella, “La diferencia prohibida”, Madri: Encuentro, 2008).

Essa visitada proposição de que não se nasce mulher provém da ideóloga existencialista Simone de Beauvoir, com seu livro “O segundo sexo”, publicado em 1949, obra a que se pode reputar um dos pilares da revolução de maio de 1968, na França. Simone de Beauvoir, militante ateia e convictamente marxista (bastaria lembrar, a propósito, de seu livro “A longa marcha”, em que faz apologia do regime chinês de Mao Tsé-tung), sustentou que a mulher carece de essência, sendo definida pela opressão masculina; daí que deva a mulher construir sua identidade “ou reconstruir a identidade perdida”, porque cada mulher seria só o produto de sua existência singular (ela será, enfim, o que ela fizer de si própria “(cf. Agustín Laje e Nicolás Marquez, “O livro negro da nova esquerda”, Curitiba: Danúbio: 2018).

Na trilha dessa proclamação de Simone de Beauvoir (estritamente: “ninguém nasce mulher, torna-se”) “que se terá influído de Wilhelm Reich e da Escola de Frankfurt na conjugação das ideias de Marx e de Freud” prosseguem as várias linhas do neomarxismo, desde o pansexualismo de Herbert Marcuse até o ruidoso feminismo socialista de Shulamith Firestone (“A dialética do sexo”), para quem cabe destruir a discriminação cultural de sexos e idades, chegando ao ponto de argumentar em favor da ampla liberdade sexual das crianças.

Eis um pouco da origem e da história de uma frase.

Ricardo Dip, jornalista, advogado e mestre em Função Social do Direito, é presidente da União Internacional de Juristas Católicos e Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.
 

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