Fé e Cidadania

Os pobres

Pouco antes de ascender ao sólio pontifício, o Papa Francisco ouviu de um dos participantes do Conclave, o Frei Dom Cláudio Hummes, Arcebispo Emérito de São Paulo, o seguinte apelo: “Não se esqueça dos pobres”.

Pode parecer algo fácil de dizer, mas muito difícil de se concretizar. 

No entanto, o Papa resolveu, já naquele momento, tomar a peito essa ingente tarefa. E, como providência institucional concreta, instituiu o Dia Mundial dos Pobres, em 2017, e apresentou impressionante catálogo das manifestações da pobreza, assim sumariado: a marginalização, a opressão, a violência, as torturas e a prisão, a guerra, a privação da liberdade e da dignidade, a ignorância e o analfabetismo, a emergência sanitária e a falta de trabalho, o tráfico de pessoas e a escravidão, o exílio e a migração forçada. Pode-se dizer que se trata de mero elenco exemplificativo, tais e tão complexas são as situações de pobreza que este início do terceiro milênio revela em inumeráveis projeções. 

As Nações Unidas, sensibilizadas com o tema e o problema, lançaram como objetivo do desenvolvimento sustentável, para o ano de 2030, a erradicação da pobreza extrema, isto é, a situação daqueles que vivem com menos de dois dólares por dia.

São tantos e tantos! Mais de 600 milhões de pessoas. E o Banco Mundial já advertiu que a meta de 2030 não será alcançada se prevalecer o ritmo de medidas que têm sido tomadas a respeito. Na melhor das hipóteses – a não ser que haja decidida e decisiva mudança de rumos -, quase 500 milhões de pobres ainda estarão vagando pelo mundo naquele momento.

Para o pensamento social cristão, a proposta de erradicação da pobreza está alicerçada na célebre profecia de Isaías: importa transformar espadas em arados e lanças em foices, e nunca mais iniciar lutas fratricidas. 

A erradicação da pobreza extrema exige, com efeito, um redirecionamento dos gastos em armamentos para os programas sociais. Que se comprem e distribuam alimentos; que se construam habitações; que se invista em saneamento, em educação, em trabalho! 

Um dos fenômenos mais assustadores dessa triste realidade atual é esse ódio, essa rejeição, silenciosa, mas eficiente, do pobre e da pobreza. Querem os beati possidentes (aqueles que têm posses e não se incomodam com os demais) esconder e afastar os pobres das suas vistas, dos lugares por onde passam com suas roupas finas e seus carros de luxo. Criam, assim, o abismo que na hora fatal lhes será revelado, como o foi, de maneira dramática e já de modo irremediável, ao rico da parábola (Lc 16,19-31). 

Já se avizinha o momento mais belo do ano. Momento no qual o Filho de Deus nasce entre os pobres e se revela em primeiro lugar a eles.

Paradoxalmente, esse momento se transformou no ápice do consumismo desenfreado que é, por si, outra afronta à condição de pobreza e de marginalização que atinge tanta gente.  

Que esse momento nos interpele e nos exorte: não nos esqueçamos dos pobres!

Vamos levar a eles o que está ao nosso alcance, aqui e agora. Abrigo, alimento, solidariedade, apoio. Mas não como que dando algo que nos pertence, mas, sim, como o que desde sempre lhes foi retirado pelo desmedido egoísmo com que, ao longo da história, comportamo-nos perante eles.

Wagner Balera é Mestre, Doutor, Livre-Docente e Professor Titular de Direitos Humanos na Faculdade de Direito da PUC-SP
 

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