Comportamento

Olhando para o ninho

Por trabalhar há muito tempo na educação de crianças pequenas, venho acompanhando ao longo dos anos um movimento que me chama muito a atenção: as famílias, antes mais participativas e envolvidas no processo educativo dos filhos, passaram por uma prolongada fase de movimento de terceirização dos cuidados, delegando-os às babás, escolas e avós. No momento atual, entretanto, começo a perceber um pequeno movimento de resgate do protagonismo na educação dos filhos; resgate, porém, inundado de dúvidas e inseguranças.

Pensando em estimular esse movimento de retomada do protagonismo das famílias na educação dos filhos, gostaria de refletir sobre uma ideia trazida pelo filósofo e educador espanhol Leonardo Polo. Segundo esse autor, quanto mais simples os organismos, mais “prontos” eles nascem. Assim, as tartarugas, por exemplo, nascem sozinhas nas praias e já sabem, instintivamente, o que devem fazer para sobreviver, sem receber nenhuma ajuda da mãe que, aliás, põe os ovos e vai embora. No caso do ser humano, por sua vez, é tamanha sua complexidade que ele nasce prematuramente, ou seja, não nasce pronto e capaz de cuidar-se por si só. Seu sistema nervoso se forma e sua arquitetura cerebral se estrutura ao longo dos anos. Desenvolve habilidades e aprende muito para tornar-se apto ao convívio social equilibrado e produtivo. Por nascer “inacabado”, tem a rica possibilidade de crescer e se desenvolver sempre. A figura usada pelo autor para explicar esse papel formador da família é o ninho, ou seja, Leonardo Polo traz a ideia de que a família é o processo de nidificação mais complexo e prolongado existente, uma vez que a formação do ser humano exige tempo e envolvimento.

Acho muito lindo pensar na formação dos ninhos familiares com a chegada dos filhos. Neles, os casais se transformam e adaptam sua rotina, sua casa, sua realidade à chegada dos pequenos. O cuidado, acolhimento, educação afetiva e transmissão de valores fazem parte integrante das funções desse ninho. Importantíssimo, porém, é ter em vista que o papel do ninho é preparar o filho para o voo, para a maturidade, para sair dele e voar, assumindo os riscos e responsabilidades sobre sua própria vida.

Ter clareza do seu objetivo ajuda a estruturar o ninho de modo adequado a alcançar tal objetivo. Por isso, proponho um olhar para o ninho de modo crítico, que vislumbre perceber como estão as relações, rotinas e práticas dentro dele, e se ele está propiciando o preparo de nossos pequenos para o momento da maturidade, de abrir suas asas num voo seguro, equilibrado e sensato. Um voo que tem direção e sentido, que tem instrumentos para atravessar turbulências e retomar a altura quando, em algum momento, vier a perdê-la.

Se o ninho estiver extremamente protetor, talvez iniba a iniciativa do pequeno, talvez não o estimule a enfrentar os riscos que o levam a crescer, não permita as quedas que tonificam os membros e ensinam a levantar-se, talvez deixe nossas águias com asas atrofiadas e incapazes de sustentar o peso do corpo no momento do voo. Tudo numa criança dever ser educado: os afetos, a iniciativa, a imaginação... É preciso transmitir valores, ensinar virtudes, enfim, há um imenso panorama que, no ambiente propício do ninho familiar, pode ser vislumbrado, e o resultado será certamente maravilhoso. Cada ninho terá suas características, seus contornos, sua forma e seu conteúdo. Seu modo de cuidar, de ensinar, de formar. O que é necessário, no entanto, é saber a importância que eles têm e do quanto precisam ser vistos e revistos para que alcancem o imenso e sublime objetivo de preparar as pessoas para alçarem os mais belos e frutuosos voos. Linda e insubstituível a missão dos pais, uma oportunidade transformadora e incomparável, da qual não se pode abrir mão.

Simone Ribeiro Cabral Fuzaro é fonoaudióloga e educadora. Mantém o blog educandonacao.com.br
 

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