Editorial

A pobreza, a UNICEF e a sabedoria cristã

“Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4,4). Uma versão não religiosa dessa sentença evangélica, apropriada para nossos tempos, poderia ser: “Nem só de renda vive o homem, mas de tudo aquilo que promove a dignidade da pessoa”.

Essa formulação serviria para resumir o recente estudo da UNICEF, Pobreza na infância e na adolescência. O trabalho chamou a atenção da mídia por estimar que 61% das crianças e adolescentes brasileiros vive na pobreza. O número elevado se explica pela adoção de uma metodologia abrangente, que não avalia a pobreza apenas pela renda, mas por um conjunto das privações que dificultam o pleno desenvolvimento da pessoa. Trata-se de um indicador, uma ferramenta para avaliação da situação social, muito relevante.

A renda é um parâmetro fácil de medir, mas que não avalia a real situação da pessoa. Mede, num sentido mais preciso, apenas sua capacidade de consumir. Aumentar a renda é aumentar a capacidade de consumo da população – e isso pode ser bom para aqueles que não consomem o mínimo necessário, mas não é suficiente para atender plenamente o desejo das pessoas.

No fundo, o que interessa a cada um de nós é a possibilidade de realizar-se na vida, que passa pelo fator renda, mas não se resume a ele. Por exemplo, um programa de renda mínima, sem geração de postos de trabalho dignos, com o tempo não só terá dificuldades de sustentação financeira como também deixará de atender às expectativas dos beneficiados, que desejarão uma realização pessoal que transcende o fato de terem uma remuneração básica.

Ainda hoje, muitos discutem o significado das manifestações de 2013, primeiro sinal da crise social em que estamos mergulhados no Brasil. A percepção, que emerge do relatório da UNICEF, de que a pobreza não se resume a uma questão de renda nos ajuda a entender aquele momento e toda a dinâmica sociopolítica brasileira: a pobreza enquanto baixa renda pode estar sendo superada, mas se continuam a existir outras privações, que comprometem o reconhecimento da dignidade pessoal (como falta de assistência à saúde, de acesso à educação, de segurança), a população continua a viver uma situação de pobreza, entendida agora num sentido mais amplo. E o sentimento de insatisfação tende até a aumentar...

Por isso, Paulo VI, na Populorum progressio, em 1967, já afirmava que o desenvolvimento “para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo” (PP 14). Era um dos precursores dessa visão multidimensional da pobreza e do desenvolvimento humano.

O estudo da UNICEF mostra que, infelizmente, entre as privações sofridas por nossos jovens estão algumas das mais fundamentais para um pleno desenvolvimento humano: saneamento básico, que impacta diretamente as condições de saúde geral da população, e educação adequada, que é o fator básico para o progresso das pessoas e da sociedade.

Não basta uma educação conteudista, só de informações, ou mesmo voltada apenas para a formação profissional. É necessária uma educação cidadã, republicana, para usar um termo da moda, isso é, que forme os jovens para serem protagonistas na construção de uma sociedade melhor, voltada ao bem comum.

Essa educação cidadã não pode ser confiada apenas ao Estado, forçosamente impessoal. Ela depende do testemunho e do esforço de todos, pois o jovem precisa encontrar adultos que lhe mostrem que a realização pessoal transcende renda e consumo, implica no amor e no compromisso para com o próximo.

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