Opinião

Quando o bem comum desaba

Na madrugada de 1º de maio, não desabou apenas um edifício no Largo Paiçandu , em São Paulo, tombado e ocupado irregularmente por famílias. Desabou – uma vez mais – a ilusão de uma sociedade orientada para o bem comum. 

O drama da falta de moradias para famílias de baixa renda se arrasta há décadas tanto na cidade quanto no País. Não seria justo negar os avanços nos programas sociais de moradia para populações de baixa renda, mas não deixa de ser impressionante que na cidade mais rica do Brasil se estime que seriam necessários 120 anos para zerar o déficit habitacional do município, mantendose os investimentos atuais.

É justíssimo cobrar a responsabilidade do Estado diante de tais dramas – de todos que não têm moradia digna e das vítimas do desabamento, em particular. Porém, a ação do Estado não é mais que a somatória dos vários governos que se sucedem. Nos últimos 25 anos, a Prefeitura de São Paulo foi ocupada por cinco partidos diferentes, dos mais diversos coloridos ideológicos. Nenhum deles consolidou um caminho de solução para o problema (ou conseguiu ficar tempo suficiente no poder para consolidar uma solução). 

O problema não é só dos políticos nem de um Estado abstrato que paira acima de todas as contradições sociais. É de todos nós: para ser solucionado, depende do quanto pensamos a solidariedade e o bem comum como critério objetivo nas eleições e na organização da nossa vida. 

Individualmente, e mesmo como grupo social, nenhum de nós é culpado por essa situação. Porém, nada mudará para melhor sem uma vontade política solidária, que dê apoio, força e estabilidade para programas sociais que resolvam os problemas da cidade – fugindo das armadilhas ideológicas que podem ser encontradas nos dois lados do espectro ideológico. 

Uma sociedade que não é solidária, na qual os cidadãos não deixam, pelo menos em alguns momentos, seus interesses particulares de lado em função da realização do bem comum, não consegue resolver seus problemas de forma adequada e todos acabam perdendo com isso.

Sem solidariedade e busca pelo bem comum, todos perdem – ainda que os pobres sejam os que mais sofrem. Essa era a mensagem do Papa Bento XVI na Caritas in veritate , isso sem falar nos vários textos do Papa Francisco. 

A degradação do centro de São Paulo é o reflexo de uma falta de solidariedade – ou pelo menos de uma solidariedade que não consegue ganhar consistência e estabilidade política. Prédios abandonados e/ou desocupados, moradores em situação de rua espalhados pelo centro, cracolândias, retratam o desmoronamento do bem comum.

Entre nós, dois mitos se antepõem à construção do bem comum:

  1. A crença de que o Estado é o responsável único pelo bem comum. Pagamos nossos impostos para que ele se ocupe dos problemas sociais por nós. Não percebemos que o Estado social só tem dado certo em países onde a sociedade civil está muito organizada e os cidadãos assumem seu papel cívico, tanto nas eleições quanto no dia a dia.
  2. A ilusão de que basta acabar com a corrupção para que sobre dinheiro para resolver os problemas sociais do Brasil. Nossa renda per capita é baixa, a desigualdade material muito alta, o corporativismo e o fisiologismo dos políticos muito grande. A corrupção não acabará rapidamente e, mesmo que acabasse, o Estado ainda teria dificuldade para financiar todos os investimentos sociais necessários para o País.

Temos de cobrar ações efetivas do Estado, temos de combater a corrupção – mas também temos de dar nossa contribuição pessoal para que uma vontade política solidária determine os rumos da gestão da cidade de São Paulo.

As opiniões expressas na seção “Opinião” são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editorais do jornal O SÃO PAULO.
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