Espiritualidade

Tempo de repouso e descanso

O descanso é um tempo necessário para a manutenção da vida. Depois de uma jornada de trabalho, é imprescindível parar e repousar. As leis trabalhistas contemplam essa necessidade com o descanso semanal e com o período de férias anuais. Também a Sagrada Escritura fala dessa necessidade em muitas passagens, mas aqui escolhemos dois momentos particulares: “Tendo Deus terminado no sétimo dia a obra que tinha feito, descansou do seu trabalho. (Gênesis 2,2)”; “Ele disse-lhes: Vinde à parte, para algum lugar deserto, e descansai um pouco.” (Marcos 6,31). 

O trabalho dignifica a pessoa humana e gera riquezas, e é por meio do trabalho que o homem satisfaz as suas necessidades pessoais e familiares, constrói, edifica e transforma o mundo à sua volta. O mundo não foi criado pelo homem, mas ele participa, a seu modo, nessa obra, que é dom de Deus, por meio do seu trabalho. O trabalho e o descanso são dois momentos de uma mesma ação, porque depois da atividade produtiva é preciso descansar para recomeçar. 

Já no Antigo Testamento, o povo de Deus havia consagrado um dia para o descanso. No dia do repouso, o povo não fazia nenhuma atividade com finalidade lucrativa, nenhum trabalho, mas dedicava-se a louvar e bendizer a Deus. Essa distinção entre trabalho e descanso, marcado pela presença divina, tornou-se uma característica particular no relacionamento entre Deus e seu povo, e, por isso, passou a existir um tempo para a atividade produtiva e outro reservado para o louvor e ação de graças. Nesse sentido, o descanso não é um tempo ocioso, mas um espaço contemplativo e de encontro com Deus.

O descanso supõe a mudança da rotina das atividades, a mudança de espaço, de lugar e de convivência. Depois da missão, Jesus convidou os discípulos a se retirarem para um lugar deserto, onde foram descansar. Na convivência e no encontro, as pessoas compartilham suas alegrias, suas dores e suas histórias, aprendem coisas umas das outras, dividem os alimentos, jogam e fazem brincadeiras. No espaço de lazer e no encontro, as pessoas fazem festa e, dessa forma, recuperam as forças para retornar à atividade produtiva. Por isso, o tempo de descanso é marcado também pela alegria. 

Mas, quando falta uma compreensão mais abrangente da vida e da relação entre trabalho e descanso, a partir da presença de Deus, a alegria e o repouso podem se tornar uma fuga. Dessa forma, a festa vira ocasião para excessos e abusos, na busca do prazer e da alegria que acabam rapidamente. A primeira consequência é a necessidade de procurar mais intensidade na alegria e no prazer, criando novas experiências. A segunda consequência deriva diretamente da primeira: o vazio que vem quando acaba a felicidade passageira e que, consequentemente, leva à busca de algo que possa fazer com que a experiência de felicidade dure um pouco mais. Por esse caminho, ninguém encontra repouso, alegria e nem felicidade capaz de responder adequadamente às necessidades humanas. 

As pessoas não são maquinas programadas para repetir tarefas: todos precisam de repouso. Essa é uma afirmação da Doutrina Social da Igreja: “Em geral, a duração do descanso deve medir-se pelo dispêndio das forças que ele deve restituir. O direito ao descanso de cada dia, assim como à cessação do trabalho no dia do Senhor, deve ser a condição expressa ou tácita de todo o contrato feito entre patrões e operários.” ( Rerum novarum , 26). Assim, não existe qualquer oposição ou incompatibilidade entre a alegria cristã e as alegrias humanas.

Porém, “a alegria não deve ser confundida com fúteis sentimentos de saciedade e prazer, que inebriam a sensibilidade e a afetividade por breves momentos, mas depois deixam o coração na insatisfação e talvez mesmo na amargura. Do ponto de vista cristão, ela é algo de muito mais duradouro e consolador...” ( Dies domini , 57). O repouso, a alegria, a festa e a covivência entre as pessoas são importantes e têm o seu valor para a vida e para o bem estar de toda pessoa. Quando descansamos o corpo, não podemos nos esquecer do espírito, pois é nessa unidade de corpo e espírito que experimentamos a paz e a alegria. Deus é a fonte de todo verdadeiro e perene repouso e das alegrias eternas.

 

Dom Devair Araújo da Fonseca
Bispo Auxiliar sa Arquidiocese na Região Brasilândia
e Vigário Episcopal para a Pastoral da Comunicação
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