Editorial

Trânsito: mudanças requerem um amplo debate com a sociedade

A velocidade da mobilidade humana mudou a forma como as pessoas vivem nas últimas décadas. O acesso aos diferentes meios de transporte, a viabilização de novas tecnologias e a queda nos preços de passagens permitiram que mais pessoas pudessem ir e vir com mais facilidade e rapidez. Também as compras on-line e serviços sob demanda revolucionaram a nossa forma de nos locomover e de consumir.

Muito do que é transportado é essencial para a sobrevivência. Num país continental como o Brasil, poderia – e deveria – investir-se mais em redes de transporte ferroviário e fluvial. Por ora, ainda dependemos muito da malha rodoviária.

Nesse contexto, o Brasil é o quarto país do mundo com maior número de mortes no trânsito. Os dados de 2017 contabilizam mais de 34,2 mil mortes no trânsito, segundo o Ministério da Saúde. O trânsito brasileiro mata o equivalente a uma guerra em um país menor.

A maioria dessas mortes é causada por atividades dos motoristas: excesso de velocidade, dirigir alcoolizado, desobedecer à sinalização ou, simplesmente, dirigir de maneira desatenta. O uso de celulares ao volante veio agravar este último item.

Somados, esses fatores – a velocidade, a necessidade e o alto índice de mortalidade – fazem com que qualquer mudança em projetos que envolvam o tráfego no território nacional, especialmente nas grandes cidades, seja uma escolha estratégica.

Decisões que venham a alterar as normas de trânsito no Brasil, já bem consolidadas e positivamente reconhecidas em âmbito internacional, precisam ser fruto de um amplo e efetivo debate na sociedade. Corporativismo ou respostas pouco embasadas em estudos científicos não podem referendar atos irresponsáveis que coloquem vidas em risco.

O Governo Federal apresentou, em 4 de junho, um texto que pode servir de base para novas mudanças nas regras do trânsito. Entre outras coisas, a proposta aumenta de 20 para 40 pontos o limite para suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), determina que o exame de aptidão física e mental será renovável a cada dez anos (em vez dos atuais cinco anos), e, na prática, acaba com a obrigatoriedade de transportar crianças de até 7 anos e meio na cadeirinha, ao retirar a aplicação de multa a quem descumprir a legislação. 

É uma prerrogativa do Presidente da República propor o que considera prioridade de seu governo. Ao mesmo tempo, essas propostas precisam ser aprovadas pelas duas casas do Congresso Nacional, a Câmara e o Senado. Portanto, este é o momento para que possíveis alterações no Código de Trânsito sejam avaliadas com profundidade e respeito à democracia.

É especialmente importante ouvir, por exemplo, os profissionais de trânsito, como os Departamentos Estaduais de Trânsito (Detrans) e associações médicas, que conhecem a realidade das ruas e os efeitos concretos da banalização das infrações.

Por um lado, as boas práticas de trânsito não devem ser exclusivamente regradas por multas e outras punições contra motoristas, mas também por métodos de prevenção. Por outro, como disse o Papa Francisco em um encontro com autoridades do trânsito em 2017, é dever das autoridades públicas, no que diz respeito ao tráfego e às estradas, garantir a segurança daqueles que viajam.

Para isso, “não bastam as sanções, mas é necessária uma ação educativa, que dê maior consciência das responsabilidades que existem em relação àqueles que viajam a seu lado”, afirma o Pontífice.

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