Opinião

Sobre o Natal e o carnaval

Encerradas tanto as festas litúrgicas do período natalino quanto as festas “laicas” de passagem de ano, o calendário nos aproxima do tempo litúrgico da Quaresma e da festa “laica” do carnaval. A comparação entre esses eventos, curiosamente, diz-nos muito sobre o que é o Cristianismo e qual é a nossa identidade de cristãos.

No século III, os cristãos ressignificaram uma festa dedicada ao Deus Sol romano, que ocorria no solstício de inverno (25 de dezembro), passando a comemorar nessa data o nascimento de Cristo. Séculos depois, a sociedade de consumo tenta fazer uma coisa semelhante, transformando o Natal na grande festa da compra e troca de presentes.

Contudo, quando olhamos essa nova festividade, agora aparentemente laica e materialista, percebemos nela uma marca inextirpável de sua origem cristã. Ela permanece como a festa da possibilidade do dom gratuito, do otimismo e do amor fraterno aparentemente inalcançáveis no resto do ano... Basta ver a quantidade de votos de próspero Ano Novo, felicidades, saúde e alegria que recebemos nesse período que acaba de se encerrar – às vezes de pessoas que juramos querer exatamente o inverso para nós durante o restante do ano.

O antropólogo Roberto DaMatta consagrou no Brasil a análise do carnaval como festa da “inversão”. As pessoas não podem suportar todo o tempo as pressões da vida cotidiana, sejam aquelas inevitáveis, advindas de nossa própria condição existencial, sejam aquelas derivadas das injustiças da sociedade. Por isso, precisam de um momento de catarse, de inversão dos valores e das regras, no qual podem se alegrar, aliviando a pressão, invertendo as regras do cotidiano: a diversão, e não o trabalho, torna-se prioridade; as normas sociais são institucionalmente subvertidas; a rua é tomada pela balbúrdia e pela farra.

O Natal “laico” da sociedade de consumo também se tornou uma festa de inversões: as pessoas, ensinadas pelas normas e condições da vida social a serem individualistas e competitivas, buscam a gratuidade e a fraternidade ansiada por seus corações. Mas, como atesta esse Papai Noel imaginário, o ser humano não consegue encontrar em si mesmo forças para uma doação e uma gratuidade tão grande como a desejada – é necessária a vinda de um Outro, capaz de atender a esse anseio, para que ele se realize.

O Natal cristão, ao contrário desse Natal “laico”, não é uma festa de inversões. Não é o oposto daquilo que vivemos no cotidiano, mas uma celebração consagradora daquilo que experimentamos todos os dias. Aquele que se doa gratuitamente não é, para nós, uma invenção (ainda que criativa e simpática), mas uma pessoa – Cristo – que encontramos e que mudou nossa vida, como lembram o Papa emérito Bento XVI e o Papa Francisco. De modo similar, a alegria do carnaval não precisa ser a explosão desordenada de uma libido reprimida, mas pode ser a comemoração da alegria de estar juntos – como mostram muitas comunidades cristãs que fazem belos e sadios carnavais.

Tanto as deturpações do Natal quanto os excessos do carnaval exigem nossa atenção, principalmente no que tange à educação dos jovens. O melhor caminho para reconduzi-las a um trilho adequado e verdadeiro, contudo, não é a simples condenação dessas deturpações e excessos, mas, sim, o anúncio daquela alegria verdadeira e factível, daquele dom que já nos foi dado, lembrado pelo Papa Francisco no título de sua primeira exortação apostólica: Evangelii Gaudium, a alegria do Evangelho.

Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo e biólogo, é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP
 

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