Editorial

Francisco e a comunidade internacional: seguindo uma longa tradição

Todos sabemos que o mundo vive dias difíceis. A globalização, há bem pouco tempo saudada como grande êxito da nossa sociedade, hoje nos divide entre os que a defendem e os que querem se defender dela. A crise migratória e dos refugiados atingiu dimensões nunca vistas. A deterioração ambiental – seja qual for a posição que tomemos – é inegável e mundial. O direito ao trabalho e a segurança pessoal sofrem novas ameaças...

As leituras ideológicas e as polarizações partidárias vêm de todos os lados, só dificultando a proposição de soluções integrais e voltadas ao bem comum. Alguns globalismos parecem não respeitar a identidade e os problemas de cada nação, alguns nacionalismos parecem se fechar ao sofrimento dos demais povos.

Em meio a esse contexto, o Papa Francisco fez, no dia 7 de janeiro, um discurso claro e preciso ao corpo diplomático acreditado junto à Santa Sé. Lembrando outro discurso, de São Paulo VI à Assembleia das Nações Unidas, de 1965, considerou a primazia da justiça e do direito em oposição à violência e à guerra; recordou a importância de defender as pessoas mais vulneráveis; defendeu a necessidade de criarem-se pontes entre os povos para a construção da paz; convidou a repensar nosso destino comum enquanto família humana.

Esses pontos não são particulares a São Paulo VI e a Francisco, mas acompanham as preocupações que sempre marcaram as manifestações dos papas ao se dirigirem à comunidade internacional.

Em seu discurso às Nações Unidas, em 2008, Bento XVI afirmou que questões de segurança, desenvolvimento, desigualdades, proteção do ambiente e do clima exigem da comunidade internacional ações conjuntas e solidárias. Considerava que essas ações, respeitando os princípios do direito, nunca deveriam ser interpretadas como imposição indesejada ou limitação de soberania. “Ao contrário – dizia – é a indiferença ou a falta de intervenção que causam danos reais”.

Além deles, Pio XII, São João XXIII e São João Paulo II pronunciaram-se inúmeras vezes sobre a necessidade de se respeitar o direito à soberania das nações, mas subordinando-a ao dever da solidariedade. Uma síntese desses ensinamentos pode ser encontrada no Compêndio da Doutrina Social da Igreja (CDSI 433ss).

Nesse mês, o governo tornou pública a saída do Brasil do Pacto Global de Migração da ONU. O presidente Bolsonaro, contudo, em seu Twitter, em 9 de janeiro, declarou que “jamais recusaremos ajuda aos que precisam, mas a imigração não pode ser indiscriminada. É necessário estabelecer critérios, buscando a melhor solução de acordo com a realidade de cada país”. De fato, com ou sem pactos internacionais, a postura solidária que sempre caracterizou o povo brasileiro não pode ser perdida.

Nessa perspectiva, uma menção específica do Papa ao povo italiano bem poderia caber também a nós brasileiros: “Asseguro ao povo italiano uma oração especial para que, na fidelidade às suas tradições, mantenha vivo aquele espírito de solidariedade fraterna que há muito o caracteriza”. Que também nós, com a graça de Deus, possamos viver nossas tradições, entre as quais sempre despontaram a solidariedade e o espírito de acolhida.

 

LEIA TAMBÉM: Luz para todas as nações e povos

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.