Espiritualidade

Por que amar o inimigo?

Encontrar resposta para uma pergunta é parte do processo de aprendizado, de conhecimento e de crescimento. Desde a infância aprendemos a perguntar sobre as coisas que estão à nossa volta, queremos saber o porquê de cada situação, ainda que pareça sem importância. Algumas vezes, recebese a resposta “Porque sim!”, porém isso não parece satisfazer a curiosidade. Com a maturidade, surgem outras perguntas, mais importantes e mais complexas. Responder a essas perguntas não é apenas uma questão de satisfação da curiosidade, mas de busca pelo sentido da vida. A fé também nos oferece respostas repletas de sentido.

Na pregação do Evangelho, Jesus faz um convite que desafia a razão e a lógica pragmática. Ele convida a amar, mas de tal forma que o amor ultrapasse a linha de parentesco ou de amizade. Ele convida a amar o inimigo. Por inimigo, entende-se aquelas situações ou pessoas que provocam conflitos e dissabores. O inimigo pode ser aquele que me rouba, aquele que comete uma fraude ou que me engana. Pode também ser aquele que tem atitudes que me desagradam ou incomodam. É possível encontrar ou considerar muitas ormas de “inimigo”, mas todas elas provocam sofrimento e como que uma experiência de “morte”. A questão é como conviver com essas realidades a partir da fé.

A palavra amor é largamente usada no dia a dia e para as coisas mais diversas. É possível dizer que se ama uma comida ou uma bebida. Também se usa a palavra amor para coisas, para animais de estimação ou pessoas. Tudo parece passível de amor. Quando, no entanto, por algum motivo, uma dessas realidades perde o encantamento ou deixa de provocar prazer e alegria, o amor também deixa de existir. O amor parece estar condicionado ao prazer e ao gosto subjetivo, sendo apenas um sentimento sujeito a mudanças, sem nenhum risco ou compromisso mais sério. O amor parece eterno, contudo, só enquanto dura.

A proposta do Evangelho é realmente desafiadora, porque a ação do amor não se interrompe, nem mesmo diante do inimigo. Ela vai além. O amor, no contexto do Evangelho, não é apenas um sentimento. Ele está ligado ao mistério da Encarnação, porque Jesus, o Filho de Deus, assumiu a natureza humana por amor ao Pai e para mostrar que o caminho do amor leva ao enfrentamento da cruz. Sem essa consciência e sem essa certeza, não é possível amar, porque não há compromisso nem risco. O amor não pode apenas parecer eterno, também não pode ser sustentado como sentimento e como prazer. Ele ultrapassa tudo isso em grandeza e abertura para acolher o outro.

Amar os inimigos é assim, como diz Santo Agostinho: “Amá-los para que se tornem irmãos. Nosso amor, portanto, nada deve ter de carnal” (comentário sobre a Carta de São João). Essa é a radical diferença do amor cristão, que não considera ninguém como inimigo, porque todos somos filhos do mesmo Deus, que é, na sua essência, Amor. Por isso, o mistério da cruz se torna o mais claro e o mais belo testemunho do amor, em que Cristo crucificado pede o perdão e não a morte para aqueles que se fizeram seus inimigos. Na súplica “Pai, perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem” (Lc 23, 34) está estampada a sentença máxima do amor. Como é forte o amor e como tem a capacidade de transformar e dar sentido à vida daqueles que nele acreditam e com ele se comprometem. 

Dom Devair Araújo da Fonseca Bispo Auxiliar da Arquidiocese na Região Brasilândia e Vigário Episcopal para a Pastoral da Comunicação

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