Comportamento

Obesidade e jejum

A obesidade presente no mundo todo é uma resposta decepcionante àqueles que acreditaram que passaríamos fome devido ao excesso de população. A natureza revela-se mais generosa ao homem, quando este sabe cultivá-la adequadamente. De fato, a fome, existente em muitos locais do planeta, é, sabidamente, consequência da ganância cruel de ditaduras humanas, que faz emagrecer nações; e não da falta de recursos, se bem empregados.

Salvo exceções, quando considerada a enorme diversidade humana, a obesidade se inicia insidiosamente com um critério de “liberou geral” na alimentação. Os motivos são vários, desde distúrbios psíquicos até o sedentarismo, passando pela gula (propriamente dita), até a total incapacidade de resistir às pequenas tentações do que mais me agrada, ou seja, de que dá um prazer imediato sem medir posteriores consequências. A obesidade é inversamente proporcional à capacidade de freá-la. Quanto mais ela cresce, menor a capacidade de controlá-la. Aquilo que começou com um prazer da minha independência, agora torna-se – a obesidade – senhora da minha vontade.

Encontramos uma preocupação com o obeso, não só no aspecto de saúde pública, mas também do comportamento dessa população. Hoje, a obesidade não se prende só à comida. Há quem fale da obesidade de informações, obesidade de consumo, obesidade de “amigos virtuais” no Facebook, obesidade de compromissos sociais... Quando vamos tendo tanto de tudo, vamos nos tornando lentos e angustiados para saber o que escolher. Assim, podemos cair no lugar comum de todos obesos mórbidos: não saem do lugar, pois perderam a capacidade de poder se locomover. Carregaram-se tanto, sem discernimento, que agora estão travados. Perde-se a liberdade quando se escolhe sem avaliar com prudência as consequências das decisões. E, rapidamente, descobre-se que nem tudo que é gostoso na aparência inicial trará a felicidade desejada. 

Estamos entrando nestes dias no período da Quaresma, os 40 dias que antecedem a Páscoa. Esse período se inicia com o jejum da Quarta-feira de Cinzas. É um tempo especial para a prática do jejum, não somente nesta quarta, mas até a Páscoa. O jejum assume uma importância maior nos dias de hoje, quando a aparência do corpo se tornou importantíssima para muitos. É certo que o cuidado saudável do corpo é válido, mas este é o verdadeiro jejum?

Jejuar significa deixar de comer ou fazer algo que normalmente daria maior satisfação para você. Pode ser pleno ou parcial. Pode-se deixar de comer carne, por exemplo, às sextas-feiras da Quaresma, e comer menos do que o habitual. A esse respeito, é interessante ver o costume da famosa bacalhoada das Sextas-feiras Santas, porque se está comendo peixe e não carne de vaca! Um jejum a ser refletido... O que é necessário avaliar é se o jejum realmente está direcionado ao fortalecimento da vontade, livremente. Deixar de comer ou fazer alguma coisa que realmente se gostaria fortalece a capacidade de autocontrole. Não somente em relação à gula, mas à pessoa por inteiro. Privar-se de algo que não se gosta é muito fácil, aliás pode gerar até certa alegria. A questão está em não ultrapassar os limites que você estabeleceu com a sua consciência. Aí se estará crescendo, de verdade, no uso da liberdade. 

Percebe-se que, diferentemente da obesidade, o jejum colabora para o pleno crescimento pessoal. Não somente no controle do corpo, mas também na sua transcendência espiritual. Quando não se carrega de tantas coisas o corpo, se dá a oportunidade de perceber melhor as manifestações do espírito; enquanto que num corpo obeso de tudo, não se consegue enxergar este mesmo espírito, encoberto e poluído, no seu silêncio, por uma barulheira sem limites. Aí está o valor de se jejuar. Um sacrifício sem masoquismo, mas com sentido de vida.

Que não seja este restrito à carne, mas se estenda às nossas atitudes. O controle dos impulsos, pelo jejum, deve estar em benefício do próximo. Comer menos para oferecer ao que passa fome. Doar a roupa para vestir o nu. Deixar a ira reativa para ter paciência com os filhos e a esposa. Trocar a tristeza pelo otimismo nas dificuldades...  Este “é o verdadeiro jejum, o jejum que não é somente exterior, uma lei externa, mas deve vir do coração”, nos afirma o Papa Francisco.

Dr. Valdir Reginato é médico de Família, professor da Escola Paulista de Medicina e terapeuta familiar. E-mail: vreginato@uol.com.br

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