Opinião

O Museu incendiado e a Doutrina Social da Igreja

O termo invisibilização, muito usado tanto nas Ciências Sociais quanto na mídia e entre as militâncias políticas, designa o resultado de um conjunto de mecanismos culturais que leva a sociedade a omitir e a não perceber a presença de grupos sociais excluídos e marginalizados.

Se olharmos a triste história do recente incêndio do Museu Nacional, descobriremos também aí uma realidade “invisibilizada” socialmente. Agora, todos nos assombramos com a riqueza de seu acervo, com sua importância científica e cultural, seu valor para a memória da Nação. Antes do incêndio, contudo, ninguém se dava conta desse patrimônio em risco.

Não faltaram, nos últimos anos, investimentos culturais, públicos e privados, que poderiam ter sido, ao menos parcialmente, destinados à conservação do Museu. As razões pelas quais esses investimentos não foram feitos são várias, mas uma se torna evidente: não havia vontade política de fazer esse trabalho, pois o Museu não aparecia como uma prioridade, trazia menos ganhos eleitorais ou menos exposição na mídia do que outras iniciativas até bem menos importantes do ponto de vista cultural. Nesse sentido, tinha se tornado um “invisível” em nossa sociedade.

Os efeitos da crise financeira do Estado dificilmente serão evitados nos próximos anos. Não é apenas um museu queimado, são projetos científicos que não serão viabilizados, trabalhadores desempregados, cidadãos inseguros diante da criminalidade, crianças que morrerão por causas evitáveis (lembremos que a mortalidade infantil voltou a crescer no Brasil) etc. Com certeza, por melhor que sejam os próximos governantes, por mais pressão que façam os movimentos sociais, não será possível cobrir todas as necessidades com o cobertor curto de um Estado deficitário.

E, nesse contexto, os invisibilizados serão os que mais sofrerão. 

Um aspecto cruel de nossa crise política, moral, econômica e social reside no crescimento do individualismo e de sua versão coletiva, o corporativismo. Tendo sua qualidade de vida ameaçada e vendo atitudes irresponsáveis e corruptas de grande parte dos governantes, as pessoas tendem a adotar a filosofia do “cada um por si”. Mesmo os movimentos sociais organizados tendem a olhar apenas as suas reivindicações, sem considerar a situação dos demais. Quando se procura montar uma frente para garantir um direito fundamental ou uma sociedade mais justa, tem-se que aceder às reivindicações de cada grupo, pois ninguém participará de uma luta comum a todos se sua bandeira própria não for incluída na lista de reivindicações.

Uma sociedade assim dividida por interesses particulares, mesmo que justos, não conseguirá realizar o bem comum e se verá refém dos mais poderosos.

Por isso, o Papa Francisco, na Evangelii gaudium, insiste que “o todo é superior à parte” (EG 234- 237). Bento XVI, por sua vez, na Caritas in veritate, lembrava que a solidariedade consiste em que todos se sintam responsáveis por todos (CV 38), consequentemente não comprometidos apenas com seus interesses particulares. Indo mais além, Bento XVI insistia que “quando o empenho pelo bem comum é animado pela caridade, tem uma valência superior à do empenho simplesmente secular e político” (CV 7).

Francisco Borba Ribeiro Neto é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP
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