Comportamento

O frio e a educação infantil

Em tempos passados, eram frequentes as famílias numerosas, e as roupas passavam dos irmãos mais velhos para os mais novos. As roupas de inverno, que costumam ter longa vida, deixavam o seu dono original, pelo crescimento natural esperado nas crianças. Assim, a roupa servia a muitos irmãos, e, às vezes, ainda permanecia quase nova. Ainda hoje esse costume se mantém naqueles que, com alegria, encaram este desafio; mas, na maioria das famílias, as roupas já não servem a tantos irmãos como no passado.

O fato é que, sem falar da polêmica climática, a cidade de São Paulo, que já não convive com os invernos prolongados de décadas atrás, acaba pegando a muitos de surpresa no guarda-roupa ou nas ruas. Semanas de frio rigoroso, alternadas com semanas de calor... Assim, as crianças tiram do guarda-roupa seus agasalhos e percebem que não cabem mais. Os pais, preocupados rapidamente providenciam novos. E o que fazer com os que não servem mais? Ainda é frequente que se comprem os novos e se mantenham os antigos juntos. Fica a expectativa de “depois eu vejo...” E, assim, os guarda-roupas de crianças podem ficar entulhados. O inverno acaba e até o próximo ano não se fala mais no assunto.  

A situação descrita, que se repete em muitos lares, é uma excelente oportunidade para os pais ensinarem aos filhos a olhar o outro que precisa do que estes já não usam. As desculpas, muitas dos próprios pais, são que “paguei muito caro por isto”; “pode ser que ainda venha mais um filho”; “deixa aí que quando eu for visitar fulana levarei para o filho dela”. O resultado é que a roupa fica guardada e alguém passará muito frio nas ruas. Além disso, o filho não aprendeu a importância de se desprender daquilo que já não usa e pode ser muito útil a outro. 

A educação é um processo. E, como já diz o nome – processo –, tem um início e um caminhar ao longo dos anos. Ela se faz, principalmente, quando as crianças estão mais receptivas a acatar a vontade dos pais e a seguir o exemplo oferecido por eles, valendo-se de fatos cotidianos. Ninguém vai explicar solidariedade a uma criança pequena. A uma outra maior, já se pode conversar sobre ajudar quem não tem nada. O importante é que, quando fazemos, isso vai se incorporando aos hábitos dos filhos naturalmente. Essas oportunidades, que são terreno fértil para o desenvolvimento de virtudes, não podem passar despercebidas pelos pais.

Voltando ao frio... Quanto não se pode ajudar a aquecer o coração de muitos no momento em que outros se lembram desta atitude de solidariedade em relação ao próximo! Particularmente na infância, as atitudes concretas, participativas, marcam muito mais do que palavras explicativas. Levar os filhos com seus agasalhos usados a uma instituição em que possam ajudar na distribuição de roupas aos mais necessitados é também uma forma de apresentar aos filhos mais crescidos a alegria que surge das boas ações. É a semente para estes filhos se engajarem em movimentos solidários no voluntariado, em poucos anos. Não é necessário muito discurso quando se pratica o bem que se acredita. 

Muitos pais ficam procurando oportunidades de cursos especializados, domínio de vários idiomas, conhecimento científico, para colaborar na formação cultural de seus filhos. Esquecem-se, porém, de que estas crianças também necessitam de formação comm pessoas humanas.  E essa formação depende muito do período de “berço da infância”, que não volta. 

Concretamente, estamos ainda em tempos de inverno. Aqueles que já fizeram suas arrumações em seus guarda-roupas, levando em consideração essa lição, mostram-se preparados para aproveitar outras condições cotidianas para enriquecer a educação dos filhos em virtudes. Assim também se fará com os brinquedos que não se usam mais, com os livros de histórias de infância que ainda dormem empoeirados nas prateleiras dos adolescentes, com cobertores surrados (mas que aquecem) esquecidos nos maleiros; ou seja, a não ter mais do que o necessário, sem desperdício ou acúmulo sem uso.

Aos que já conheciam a lição mas, por vários motivos, não conseguiram colocá-la em prática, ainda dá tempo. E, aos que sabiam da necessidade (porque fazer o bem é defensável por todos), mas não viam isso como parte do processo de educação, espero que reflitam sobre o assunto. Levar agasalho aos que necessitam é mais do que aquecer o corpo frio; é fazer aquela pessoa sentir que ela foi lembrada por alguém e que ela não está só, e seu coração pode ter esperança pelo calor humano que não se apagará jamais pelos filhos de novas gerações. 
 

Dr. Valdir Reginato é médico de família. 
E-mail: vreginato@uol.com.br
   

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