Opinião

O Domingo da Misericórdia

Promover a recepção da Divina Misericórdia no 2º Domingo da Páscoa, como atualmente determina a Liturgia da Igreja (cf. Missal Romano, 3ª ed. típica), é um caminho indefectível para a paz. No pensamento de São João Paulo II – exposto sobretudo em seu último livro, “Memória e Identidade” (Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2005) –, é central a ideia da onipotência da misericórdia divina como “limite imposto ao mal”: “Por isso – diz ele – Santa Faustina associou sua mística da misericórdia com o mistério da Páscoa, quando Cristo se apresenta vitorioso sobre o pecado e a morte (cf. Jo 20,19-23)” (cap. 10).

Voltarmo-nos para a fonte da misericórdia é o que São João Paulo II anelava, já em 1984, ao lançar este belo e comovente apelo (Reconciliatio et paenitentia, RP, 35): “Para que daí provenham, num dia não muito longínquo, frutos abundantes, convido-vos a todos a dirigir-vos comigo ao Coração de Cristo, sinal eloquente da misericórdia divina, ‘propiciação pelos nossos pecados’, ‘nossa paz e reconciliação’ (Litanias do Sagrado Coração de Jesus; cf. 1Jo 2,2; Ef 2,14; Rm 3,25; 5,11)”.

Inspirado claramente nessa passagem, o Papa Francisco foi mais explícito (Gaudete et exsultate, GE, 121): “Em suma, Cristo ‘é a nossapaz’ (Ef 2,14) e veio ‘dirigir os nossos passos no caminho da paz’ (Lc 1,79). Ele fez saber a Santa Faustina Kowalska: ‘a humanidade não encontrará paz, enquanto não se dirigir com confiança à Minha Misericórdia’ (Diário, 300)”. De fato, esta citação da santa polonesa ocorre, nas suas revelações, justamente no contexto dos insistentes pedidos de Cristo misericordioso para a instituição da “Festa da Misericórdia” no “primeiro domingo depois da Páscoa”. Trata-se de um evidente sinal da força da misericórdia como elo entre o magistério dos dois grandes pontífices.

Sua instituição nada tira do tradicional significado teológico-litúrgico do domingo que encerra a oitava pascal; ao contrário, este se torna o grande campo da nova evangelização que reúne a misericórdia, o querigma e a mistagogia (cf. Evangelii gaudium, EG, 160-168). Permanece incólume o antigo conteúdo mistagógico da oitava batismal ou semana (catequética) in albis, alusão às vestes brancas que os neófitos vestiam no Batismo, na noite de Páscoa, e depunham oito dias depois, no domingo.

É importante compreender que a “tradição apostólica progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo [...], cujas riquezas entram na prática e na vida da Igreja crente e orante” (Dei verbum, DV, 8). Na Introdução Geral sobre o Missal Romano (IGMR, 15), reafirma-se: “Enquanto permanece fiel ao seu múnus de mestra da verdade, a Igreja, conservando ‘o que é antigo’, isto é, o depósito da tradição, cumpre também o seu dever de julgar e de prudentemente assumir ‘o que é novo’ (cf. Mt 13,52)”. Pois, “embora a Revelação esteja terminada, não está explicitada por completo; caberá à fé cristã captar gradualmente todo o seu alcance ao longo dos séculos” (Catecismo da Igreja Católica, CIC 66), mesmo que por meio das revelações privadas (cf. CIC 67).

Igreja “crente e orante” – lex orandi, lex credendi (cf. CIC 1124) – indica, aqui, que a fé crescente do povo de Deus no Mistério Pascal como mistério da misericórdia divina encontrou seu “lugar teológico” em perfeita unidade com o 2º Domingo da Páscoa, donde se acrescentar a este nome a expressão “ou da Divina Misericórdia”: “exaltar o louvor da misericórdia”, na celebração do Mistério Pascal, é o objeto do Domingo da Divina Misericórdia (cf. Congregação para o Culto Divino, Misericors et miserator, 2000). Assim, atende-se plenamente ao “desenvolvimento orgânico da Liturgia” (Sacrosanctum Concilium, SC 23)

LEIA TAMBÉM: A peste

Para pesquisar, digite abaixo e tecle enter.