Fé e Cidadania

O ‘caído’ como critério de salvação

“Mestre, o que devo fazer para receber em herança a vida eterna?”. Esta é a preocupação central do doutor da lei ao se aproximar de Jesus. Também é a temática proposta pela Campanha da Fraternidade 2020 para a reflexão e ação durante o período da Quaresma: “Viu, teve compaixão e cuidou dele”. A resposta a essa pergunta vem da luz que irradia a parábola do Bom Samaritano (Lc 10,25-37).
Não faltam “caídos” à margem do caminho, da vida e da cidadania. Não faltam “caídos” cujos direitos humanos são continuamente violados. Não faltam “caídos” entre os povos indígenas, entre as comunidades ribeirinhas da região amazônica e entre os remanescentes quilombolas. Tampouco faltam “caídos” no campo da mobilidade humana: migrantes, prófugos, itinerantes, trabalhadores temporários, marinheiros e tantos outros. Isso sem falar da imensa multidão dos sem: sem terra e sem trabalho, sem teto e sem pão.
“Vá e faça a mesma coisa”, assim conclui Jesus a sua narrativa. Fazer a mesma coisa é aproximar-se desses “caídos”. Não basta esperar que eles batam à porta, é preciso sair ao seu encontro. O conceito evangélico de próximo tem a ver não com uma atitude passiva de quem espera socorro, mas com um compromisso ativo de quem se dispõe à solidariedade. Concretiza-se, dessa forma, a insistência do Papa Francisco sobre a “Igreja em saída”, permanentemente missionária.
A ideia de fé a caminho, aliás, remonta à prática de Jesus e dos discípulos missionários das primeiras comunidades cristãs. Paulo será considerado o apóstolo voltado para a pluralidade de todos os povos e nações. Os documentos da Doutrina Social da Igreja, com destaque especial para o Decreto Ad gentes e a Constituição Lumen gentium, ambos do Concílio Vaticano II, apontam na mesma direção, no sentido de sublinhar que toda a Igreja é missionária.
Voltando ao “caído” da parábola, três tipos de atitude se manifestam e se contradizem reciprocamente: os ladrões dizem: o que é teu é meu, eu tomo à força. Atitude da ambição, da ganância e da violência. O sacerdote e o levita dizem: o que é meu é meu, nada tenho a ver com isso. Atitude da indiferença diante do sofrimento de tantos irmãos e irmãs. O samaritano diz: o que é meu é nosso. Atitude da compaixão, da misericórdia e da solidariedade, que leva à solicitude para com o necessitado. A ideia do “nosso”, por sua vez, ajuda a optar por aqueles que, pelas mais diversas circunstâncias, encontram-se mais vulneráveis, como as crianças, as mulheres, os pobres e excluídos, os afrodescendentes, e assim por diante.
A conclusão não deixa dúvidas. Em sua resposta, Jesus desloca o eixo da conversa, vale dizer, o critério da salvação: não tanto no espaço do templo, mas nas encruzilhadas do caminho; não tanto no âmbito da Teologia, mas no terreno da ação pastoral; não tanto na esfera do sagrado, mas no campo sociopolítico. O mesmo se repetirá no chamado juízo final (Mt 25,31-46): “Todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram”.

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