Opinião

Nas asas de Tolkien

“O Senhor dos Anéis obviamente é uma obra fundamentalmente religiosa e católica; inconscientemente no início, mas conscientemente na revisão”, afirmou o autor J. R. R. Tolkien ao Padre Robert Murray, amigo da família. Tal declaração constantemente anima os teólogos e filósofos cristãos. Mas, muitas vezes, a crítica coloca em xeque a qualidade literária do autor, apesar de ele ter, categoricamente, rejeitado qualquer alusão alegórica de sua obra.

Apesar de haver diversos tolkienistas famosos que fazem primorosos estudos sobre a qualidade estética do autor, como Tom Shippey, Verlyn Flieger, Dimitra Fimi e outros, muitos críticos ainda torcem o nariz para o grande autor de literatura de fantasia. Uma das questões que suscitam esse problema, certamente, é a popularidade de suas obras. Sabemos que “O Senhor dos Anéis” e “O Hobbit” são obras extremamente populares, mesmo antes das produções cinematográficas de Peter Jackson. Para essa discussão, no livro “Mercado Editorial Brasileiro”, Sandra Reimão traz uma interessante distinção entre best-seller do ponto de vista quantitativo e do qualitativo. Os dois grandes romances publicados por Tolkien são, sem dúvidas, literaturas de massa do ponto de vista quantitativo, mas, do qualitativo, dividem opiniões. Reimão traz critérios propostos por pensadores como Umberto Ecco e Muniz Sodré para a caracterização de uma literatura tida como baixa: por exemplo, apresentar um herói super-homem ou ter um final feliz imutável, em que tudo permanece onde estava. Os critérios são diversos, mas o fato é que o romance tolkieniano não se encaixa em nenhum deles.

O que a crítica daqueles que rejeitam a literatura de Tolkien me leva a pensar é que, talvez, o autor sofra – com o perdão da analogia – o preconceito da garota bonita. A obra dele tem beleza, daquela que atrai um grande público, não necessariamente uma massa crítica de intelectuais.

Para alguns, uma garota bonita não pode ser inteligente. Talvez até possa, mas, então, que seja moralmente vazia. Tudo bem: que seja bonita, inteligente e tenha uma moral impecável, mas nada de ser simpática com muita gente. Assim, a obra tolkieniana desafia as leis da crítica mais sisuda: a verdade é que a sua obra é extremamente sedutora para muitas pessoas e até mesmo viciante para os mais apaixonados. Para agravar a contradição, é escrita por alguém tão literariamente educado como Joyce ou Eliot – conforme diz Gustavo Racy, em seu artigo “Tolkien e os críticos”.

Sua obra, além de atraente e escrita por uma mente extremamente inventiva e culta, pode levar o leitor já iniciado – ou mais interessado – a outras questões mais profundas sobre o sentido de sua vida. Para Tolkien, os contos de fadas trazem como característica a fantasia (o ato de subcriar um mundo, à semelhança de um Criador), a recuperação (a retomada da visão de mundo a despeito do racionalismo exacerbado), o escape (a possibilidade de desprender-se das amarras do materialismo) e o consolo (o final feliz da condição humana, com base na Ressurreição de Cristo).

Essas quatro características descritas pelo autor trazem ares de novidade no desafio do autoconhecimento: não nega a imaginação para se chegar à Verdade, ao contrário, percebe-se dependente dela nessa difícil tarefa. Os textos tolkienianos trazem, enfim, o que Sócrates chama de reminiscência da alma: nos levam a encontrar a nossa razão de ser primordial, despidos de nossos vãos apegos, para assim, ganharmos asas em nossas almas.

 

Ilustração: Sergio Ricciuto Conte

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