Editorial

Literatura e fé

Em uma carta para seu filho, em 1945, J. R. R. Tolkien, autor de “O Senhor dos Anéis”, diz que “Uma história tem que ser contada, ou então não há história, mas as mais tocantes são as que nunca foram escritas”. Ele estava certo. As grandes histórias só são grandes por deixarem um convite ao inexplorado — montanhas distantes que nunca foram escaladas; trilhas antigas, mas há muito não percorridas. Estas são as histórias que alimentam a imaginação e tiram suspiros dos leitores. Elas despertam a sede por algo mais, algo que ainda está por vir. 

Isto é verdade, também, quanto à própria vida. Nem o viajante mais experiente poderá ver tudo, fazer tudo. Nisto ele é igual a um médico, a uma secretária, a um estudante: nenhum deles poderá esgotar as experiências que o mundo oferece. A vida do homem é, portanto, cercada pelo inexplorado, pelo indefinido, que, muitas vezes, o paralisa entre a ânsia pelo que há além e a insegurança frente ao desconhecido. Experiência, afinal de contas, é a chave para o amadurecimento moral e a compreensão real do mundo com todas as suas sutilezas: como reagir ao desconhecido? Como enfrentar aquilo que nem se começa a conceber?

É por meio da imaginação que se pode explorar o inexplorado. Ela, da mesma forma que a inteligência, foi dada ao homem como um presente, de tal maneira que ele tem a seu dispor a capacidade de criar imagens em sua mente, de dar forma ao amorfo, de criar ordem onde há somente ideias desconexas. Alguns escritores fazem isto com maestria: dotados de talento e técnica, criam mundos e histórias que refletem, na imaginação do leitor, experiências inacessíveis de outra forma. Ler bons autores é se comunicar com verdades que jamais se teria descoberto sozinho. 

Poucas coisas, por exemplo, transmitem tão bem a história cristã de resistência ao pecado, sacrifício e redenção quanto “O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupas”, parte das Crônicas de Nárnia, escritas por C.S Lewis. Ou, em outro estilo, que forma melhor de aprender a reconhecer a luta entre o bem e o mal dentro de cada homem do que vendo-a decifrada pelo bom senso genial do Padre Brown, nos contos de G. K. Chesterton? 

Nunca seremos crianças em meio à 2ª Guerra Mundial, nunca descobriremos, dentro do guarda- -roupa, um mundo inteiro aprisionado pelo inverno, refém da tirania da Feiticeira Branca. Nunca teremos de reunir exércitos e lutar para derrotá- -la. Nunca acompanharemos o Padre Brown enquanto, armado com simplicidade e empatia, investiga crimes e soluciona o insolúvel — a própria natureza humana. Mas este é o poder das histórias e dos seus autores: criar tensões e evocar, em nossas mentes, as experiências necessárias para tocarmos o que não poderíamos tocar de outra forma: aquilo que há de eterno em todas as coisas, que ecoa por trás do mundano, e que nos guia para aquele que, verdadeiramente Eterno, é também o autor da maior história de todas: a nossa.
 

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