Encontro com o Pastor

‘Creio na Igreja... santa’

A muitos pode parecer chocante afirmar que “a Igreja é santa”, sobretudo quando, como hoje, a Igreja é acusada, com frequência, de coisas nada boas e até vergonhosas... E, no entanto, em nossa Profissão de Fé católica, e, também, protestante e ortodoxa, professamos: “Creio na Igreja... santa”. Isso continua válido? Tentemos entender.
A Igreja pode ser vista e analisada com o olhar de fé cristã ou como se fosse uma organização qualquer da sociedade. O resultado desses dois olhares é muito diverso. Não preciso me deter nesse segundo modo de ver a Igreja, que aparece retratado, geralmente, nas análises sociais, políticas, econômicas e culturais que se fazem da Igreja e de suas manifestações. Por certo, é um olhar possível, pois a Igreja é também uma realidade humana, histórica e social. É, porém, um olhar insuficiente para compreender a realidade da Igreja e acaba levando a conclusões erradas a respeito dela.
Desejo, bem mais, refletir sobre a Igreja a partir do olhar da nossa fé cristã católica. Ela é uma realidade humana e, também, sobrenatural e divina. O lado humano é o que aparece mais. O lado divino é que lhe dá seu sentido profundo e explica a razão de ser de sua existência e de seu dinamismo na História. A Igreja, querida por Deus e fundada por Jesus, destina-se a congregar, numa grande família de irmãos, todos os povos, raças, línguas e culturas. Deus quer que todos e em todos os tempos cheguem ao conhecimento da verdade e sejam salvos; que todos, nesta vida, caminhem com o mesmo espírito de amor e fraternidade, como convém aos membros da melhor das famílias.
E Deus chama todos à plenitude da vida e da felicidade na sua companhia, por toda a eternidade, no céu. A Igreja existe no mundo para isso: para ser mensageira e anunciadora a todos os povos dessa “Boa-Nova” sobre o sentido grande da existência humana neste mundo e sobre seu futuro na eternidade. E a Igreja existe também para testemunhar, desde agora, a vida nova que já se torna presente quando o Evangelho é aceito mediante a fé e as pessoas se convertem a Deus. A Igreja de Cristo é missionária do Evangelho, da vida nova e da grande esperança de futuro para toda a humanidade.
Esta Igreja, historicamente, somos nós, que vivemos neste mundo e caminhamos na fé em Cristo; são também nossas organizações e estruturas visíveis, nossas expressões religiosas e culturais, mediante as quais damos alguma expressão perceptível àquela realidade mais profunda que a Igreja representa. Essas expressões perceptíveis e históricas não esgotam a realidade da Igreja. Ela, de fato, é um “mistério da fé”, conforme a palavra do Concílio Vaticano II, e sua realidade está enraizada no desígnio criador e salvador de Deus Trindade. De um lado, somos a Igreja de Cristo, com suas belezas e feiuras, bem do jeito que somos... De outro lado, porém, na Igreja está o Deus grande, forte e santo, o Filho Santo de Deus e o Espírito Santo, que a habita como se fosse sua casa.
E temos, na Igreja, uma multidão de santos, conhecidos e não conhecidos. A Igreja proclama “santos” apenas a alguns poucos, cujo testemunho de vida neste mundo foi extraordinário. No entanto, todos os redimidos no céu são santos. O autor do Livro da Revelação (Apocalipse), que teve a graça de contemplar por um momento o paraíso, diz que se trata de uma multidão incontável, gente “de todas as nações, tribos, povos e línguas, que ninguém podia contar” (Ap 7,4.9-14). São santos todos aqueles que procuraram ser fiéis a Deus nesta vida, de acordo com sua consciência reta; aqueles que acolheram com fé Jesus Cristo, Filho de Deus Salvador, aceitaram a misericórdia de Deus em suas vidas e conformaram sua vida aos caminhos do Evangelho; aqueles que se dedicaram à prática da virtude e perseveraram nela, por meio de todo tipo de obras de bem, conforme ensinado por Jesus... São santos aqueles que deram sua vida como testemunho por Cristo e pelo Evangelho.
Costumamos dizer que os santos são da nossa Igreja... Talvez devêssemos inverter esse conceito e afirmação e começar a dizer que nós é que somos parte da Igreja dos santos... Eles são a Igreja verdadeira, que já está na “casa do Pai”, na “Jerusalém celeste”, e são uma multidão imensa, que ninguém pode contar... Eles, sim, são “santos” e já foram “aprovados”, depois de terem superado “a grande prova” (Ap 7,14). São o fruto maduro e mais bonito da Igreja e de sua missão neste mundo... E nós, enquanto peregrinamos na esperança de sermos admitidos à sua santa companhia, confiamos na sua intercessão e tentamos imitar o seu exemplo de fé e perseverança na vida cristã. E podemos continuar a professar, sem medo de errar: “Creio na Igreja... santa!”

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Publicado em O SÃO PAULO, na edição de 06/11/2019

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