Comportamento

China e Brasil: diferenças ‘culturais’

Um artigo publicado no The New York Times comparando o Brasil e a China nas suas semelhanças de desenvolvimento foi prontamente criticado por um periódico do Partido Comunista Chinês, dizendo que o autor havia “exposto a ignorância chocante sobre a cultura do povo na China”.  O autor da resposta chinesa, Ding Gang, argumenta que, depois de trabalhar por 20 anos em vários locais do mundo, inclusive três deles no Brasil, percebeu como fator fundamental na diferença do desenvolvimento dos dois países não “apenas uma questão de economia ou instituição, mas de cultura”. 

“A cultura é o fator mais importante, porque isto inclui como as pessoas encaram seu trabalho, família, educação das crianças e acumulação de riquezas”, disse ao O Estado de S. Paulo (Economia B8, 07/12/2018). 

Em outras oportunidades, já escrevi aqui alterações recentes do comportamento da China em relação à família e aos filhos. A nação, que depois de conviver por mais de meio século em duro regime comunista, abre-se para atitudes como fomentar mais filhos, dificultar o divórcio e o aborto. Agora afirma ser a “cultura de como encaram o trabalho, a família, a educação das crianças” aspecto fundamental para o desenvolvimento diferenciado e mais eficiente. 

Chama a atenção que isso é mencionado em comparação ao Brasil! Enquanto um regime governamental que tinha na sua raiz a centralização do poder estatal, inclusive influenciando os casais e a educação dos filhos, passa a perceber que é necessário reavaliar os valores implícitos nas relações familiares; a população na Terra de Santa Cruz enfrenta terremotos no comportamento das uniões conjugais, na orientação educacional das crianças e nas alternativas de toda sorte na base familiar, que se afastam da “cultura” deste país.  

Parece acertado o editorial chinês quando afirma que isso é um “aspecto cultural”. A cultura é este conjunto de histórias, tradições, costumes, valores, crenças, rituais, normas que constituem um universo que caracteriza determinado povo em um tempo e lugar. Evidentemente, não é uma situação congelada, mas dinâmica e que se desenvolve à luz de novos conhecimentos, de interações, experiências que enriquecem a cultura. Contudo, toda cultura nasce e cresce a partir de determinados pilares de sustentação, que não podem e não devem ser permanentemente trocados, ocasionando o risco do desmoronamento, com perda inclusive do que se gostaria de preservar. A constante mutação, sem uma avaliação adequada, favoreceria um caos e não um sentido, um objetivo a ser alcançado. Assim aprendemos na história da humanidade. Povos em permanentes transformações radicais não teriam deixado pirâmides, edifícios centenários, rotas de navegação, conhecimentos científicos fundamentais, obras de arte milenares, avanços na reflexão filosófica, nos modelos de governo, de valores em suas crenças... 

A avaliação chinesa, que passou por recente transformação radical na maneira de conduzir a vida da maior nação no século XX, posiciona-se, no século XXI, pela valorização da família, da educação das crianças como aspectos fundamentais para uma “cultura” de bons resultados para o desenvolvimento. Um desafio para a reflexão quando afirma que a família está na base da cultura, assim como o valor do trabalho e da poupança para as novas gerações, está apresentando um caminho redescoberto, do qual havia se afastado.

Termino com uma provocação. Afirma o editor chinês do Partido Comunista: “Talvez os brasileiros e o autor americano (do The New York Times) acreditem no mesmo Deus. Mas esse não é o mesmo que os chineses acreditam”. De fato, muitos dizem acreditar em Deus, a exemplo do nosso, mas não se comportam de acordo com o Deus que afirmam crer. Falam pela boca, sem que lhes toque o coração pelos caminhos seguidos no sentido contrário. Gandhi já afirmava ser lamentável que os cristãos não vivessem de acordo com o Evangelho que diziam ler. Os chineses estão redescobrindo o caminho de volta, pela família, e não surpreende que, apesar das grandes dificuldades ainda existentes, a aceitação da religião na China já é muito melhor do que no tempo criminoso da Revolução de Mao Tsé-Tung. Que não tenhamos que viver a história da China para reconhecer os grandes valores que integram a “cultura brasileira” desde o seu berço. 

Dr. Valdir Reginato é médico de família. E-mail: vreginato@uol.com.br
 

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