Fé e Cidadania

O Natal em um ano de ressentimentos

Neste ano, no Brasil, a polarização, o uso e o abuso das redes sociais e as fake news, que marcaram as eleições, criaram inimizades, dividiram famílias e chegaram perto do insuportável.

Como em vários países, também aqui a política vem sendo dominada pelo ressentimento. Diante das mazelas da política e da vida pública, que parecem não reconhecer nem a dignidade nem os valores das pessoas, cresce o sentimento de frustração e de impotência, que vai se desenvolvendo como raiva e rancor. As decisões políticas e as escolhas eleitorais não são mais tomadas a partir da procura do melhor para si e para os demais, mas em função do ressentimento. 

Esse sentimento funciona como óculos que distorcem nossa visão da realidade. Os fatos continuam ali, a verdade não deixa de ser verdade, a mentira continua mentira, mas a dimensão dos acontecimentos é falseada. O pequeno parece grande e o grande parece pequeno, o que está próximo se afasta e o que está longe se aproxima.

Eleitores que procuram os melhores candidatos hostilizam-se entre si, enquanto homens públicos inconsequentes continuam a agir impunemente.

Indivíduos violentos ou ideológicos, demagogos que procuram enganar o povo, existem com certeza – e devem ser combatidos com firmeza. Mas, num mundo de ressentimentos, as vítimas se tornam culpadas, e os verdadeiros culpados escapam impunes, manipulando a frustração e a raiva dos demais. 

Segundo o Papa Francisco, quando “preferimos o ressentimento, o rancor”, ganhamos “um coração amargo” (Meditação matutina, 11 de dezembro de 2017), pois a dor em consequência dos nossos pecados e daqueles de nossos irmãos é cristã, mas o ressentimento não (cf. Meditação matutina, 13 de fevereiro de 2017).

Na mensagem ao povo brasileiro, para a Campanha da Fraternidade de 2018, o Papa escreveu: “Deixar de lado o ressentimento, a raiva, a violência e a vingança são condições necessárias para se viver como irmãos e irmãs e superar a violência. Acolhamos, pois, a exortação do Apóstolo: ‘Que o sol não se ponha sobre o vosso ressentimento’ (Ef 4,26)”. 

O crescimento da política do ressentimento ao redor do mundo aponta para os limites das propostas multiculturalistas, das políticas afirmativas e de inclusão social. Suas raízes são justas: reconhecer os direitos do diferente, apoiar os fracos e os injustiçados ao longo da história, favorecer a convivência entre pessoas e povos. Muitas coisas boas vieram dessas propostas, mas elas têm limites: favoreceram uns, mas não contemplaram outros; defenderam a tolerância, mas não geraram encontros verdadeiros; quiseram educar para a paz, mas não souberam educar para o amor verdadeiro.

O ressentimento só pode ser superado pelo perdão e a acolhida, que criam as condições para descobrirmos e aceitarmos os erros uns dos outros, sem nos escandalizarmos, mas procurando todos juntos mudar para melhor.

A festa do Natal é justamente a celebração do dom gratuito de Deus que vem ao nosso encontro. Não é à toa que é a grande festa da confraternização universal. Ao receber um dom de amor, tornamo-nos mais capazes de amar e acolher nossos irmãos. Mesmo a exploração consumista e comercial do Natal não conseguiu eliminar esse caráter original da festa cristã. 

Não desperdicemos essa oportunidade, tão necessária a todos os brasileiros depois deste ano tão difícil.

Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo e biólogo, é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
 

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