Opinião

Boas intenções diabólicas

No mundo todo, inclusive no Brasil, vem ocorrendo um crescente acirramento dos antagonismos. As causas vão desde a forma como nos comunicamos nas redes sociais até o desencanto e a insegurança diante das crises atuais e da incapacidade dos políticos em oferecer soluções. 

Em nossas redes sociais, vamos nos acostumando a só ouvir ideias semelhantes às nossas, a sermos aclamados quando falamos de modo mais agressivo aquilo com que os demais concordam, a rotularmos quem pensa diferente como ingênuo, ignorante ou mal-intencionado. 

Essa dinâmica vem se estabelecendo também na comunidade católica. Vemos cada vez mais os espaços eclesiais sendo invadidos por posicionamentos de grupos, de esquerda ou de direita, progressistas ou conservadores. Os ânimos se inflamam e cristãos bem-intencionados, escandalizados com o que veem, com a justa intenção de defender o bem, a verdade e a Igreja, partem também para a radicalização e para a agressão. Por exemplo, tanto a recente partidarização ocorrida no 14º Intereclesial das CEBs, em Londrina (PR), quanto as reações contrárias podem tornarse ocasião para ações bem-intencionadas, mas que só dividem. 

Deus é aquele que une, e o diabo aquele que divide. Essas boas intenções, fomentando a divisão, servem ao diabo, não a Deus. Do ponto de vista estritamente político, uma afirmação contundente, aplaudida por dezenas que já concordavam antes de ouvi-la, mas rechaçada por todos os demais, vale menos que uma afirmação conciliadora, que não recebeu palmas de ninguém, mas levou algumas pessoas a se questionarem e mudar suas opiniões – mesmo que parcialmente. Militâncias comprometidas são necessárias, militâncias que não sabem dialogar com o diferente atrapalham. 

A maior contribuição da Igreja na construção do bem comum não reside tanto no fato de proclamar a verdade, pois a verdade em relação 
às coisas do mundo já está presente na lei natural, ao alcance de todo ser racional. Sua maior contribuição está em ajudar as pessoas, pelo amor de Deus e a acolhida da comunidade eclesial, a se converter à verdade, superando barreiras pessoais e sociais.

Dizer profundas verdades, mas sendo agressivo, sem ir ao encontro do irmão, sem procurar entender suas razões e motivações, não ajuda na construção da Igreja nem do bem comum. Este era o pecado dos fariseus do tempo de Jesus – e todos nós poderemos nos tornar modernos fariseus, de esquerda ou de direita, progressistas ou conservadores. 

Também não devemos pecar  por omissão. Mas temos que agir segundo a lógica do Evangelho, não segundo a do mundo. Jesus nos ensina a corrigir nosso irmão começando pelo diálogo pessoal, depois procurando os amigos e, por último, indo a público (cf. Mt 18, 15-17). É exatamente o contrário da dinâmica das redes sociais, em que vamos logo a público, valendo-nos da força dos argumentos, com pouca atenção à situação do irmão. 

O Papa Francisco, percebendo o crescimento desses antagonismos, há muito vem insistindo no diálogo. E para dialogarmos, precisamos entender as motivações de nosso irmão. Alguma razão ele teve para aderir a uma posição que nos parece errada. Para convencê-lo do erro, precisamos saber quais são suas motivações e sermos capazes de explicar como uma posição mais adequada responderá também àquilo que houver de justo em suas motivações.

Haverá sempre aqueles que não se deixam convencer, mas nosso objetivo não é dobrá-los, mas sim convencer aqueles de intenção justa.

Neste ano eleitoral, tanto a partidarização quanto o ataque aos partidos serão cada vez mais aguerridos. Para o bem de todos, a comunidade cristã deve continuar sendo um espaço de encontro, correção mútua e conversão.

Francisco Borba Ribeiro Neto é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP

As opiniões expressas na seção “Opinião” são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editorais do jornal O SÃO PAULO

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