Opinião

Aborto e dignidade da pessoa humana: o dilema do filme ‘Perdido em Marte’

O filme de ficção científica “The Martian”, traduzido para o Brasil como “Perdido em Marte”, foi dirigido por Ridley Scott. Trata-se da adaptação para o cinema do livro homônimo escrito por Andy Weir. Nesse filme, a tripulação da missão espacial Ares 3 recolhe material em certa região do planeta Marte. Devido a uma forte tempestade, os astronautas são obrigados a abandonar a missão. Na evacuação, um deles, Mark Watney, interpretado pelo ator Matt Damon, é atingido por destroços. Os outros astronautas acreditam que ele morreu e vão embora. A Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos, informa ao público a morte de Mark Watney e um funeral simbólico é realizado. Entretanto, Watney consegue sobreviver e passa registrar seu cotidiano em vídeo até que, enfim, ele consegue entrar em contato com a Nasa. A partir desse momento, passa a haver uma gigantesca mobilização internacional em prol de Watney, e uma grande soma em dinheiro é utilizada para desenvolver equipamentos para trazer Watney para a Terra, milhares de cientistas e funcionários técnicos trabalham sem parar até que conseguem trazê-lo de volta ao planeta Terra. 

Do ponto de vista ético, o filme Perdido em Marte traz uma questão fundamental para os dias atuais. Por que se gastar tanto dinheiro, esforço político internacional, utilização de recursos científicos para trazer de volta à Terra uma única pessoa? Por que não se disse simplesmente que a Terra já está superpovoada ou outro argumento qualquer e, com isso, abandonou-se Mark Watney?

“Perdido em Marte” é uma das melhores apresentações, do ponto de vista didático, da dignidade da pessoa humana. Toda pessoa, mesmo um astronauta perdido num planeta distante da Terra, merece ter a garantia do direito à vida. Tal garantia, e o respeito à vida, que começa na concepção e deve ir até a morte natural, é algo básico para se manter qualquer forma de direito humano fundamental. 

Essa discussão ganha relevância devido ao fato de atualmente no Brasil – no Supremo Tribunal Federal (STF) e em outros órgãos e instância sociais – existirem projetos para a legalização do aborto. O aborto é apresentado como um importante item da agenda de modernização do Brasil. Por esse raciocínio, se o astronauta Mark Watney fosse abandonado para morrer em Marte, a humanidade estaria se modernizando.

É claro que o Brasil e o mundo precisam de formas de modernização. Existem vários problemas políticos e sociais que precisam ser enfrentados. No entanto, promover a cultura da morte não será a solução. O filme “Perdido em Marte” demonstra que em vez de simplesmente abandonar alguém a morte (a morte por meio do aborto, por meio da falta de investimento em saúde, em saneamento básico etc.), é necessário investir na

vida de cada pessoa humana. Esse investimento deve ser feito, por exemplo, por meio de pressões políticas e midiáticas, por meio do avanço científico e de oferecer aos cidadãos serviços técnicos de melhor qualidade.

Muito melhor do que se pensar em legalizar o aborto – como faz atualmente o STF no Brasil – ou outra forma de manifestação da cultura da morte (pena de morte, eutanásia etc.), é preciso se promover e fortalecer a dignidade da pessoa humana. Assim como em “Perdido em Marte”, todo indivíduo da raça humana é portador de valor único, algo que não pode ser abandonado, renegado ou esquecido. Por isso, todo o esforço (político, econômico etc.) para salvar uma única vida humana é válido.

Arte: Sergio Ricciuto Conte

Ivanaldo Santos é filósofo e professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
As opiniões expressas na seção “Opinião” são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editorais do jornal O SÃO PAULO. 
 
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